Lembro-me de alguns dias de minha infância quando tive dores nas pernas. Andar doía, sentar doía, ficar em pé doía. Eu chorava e reclamava: “Não consigo ir à escola, mãe! Está doendo muito!” Minha mãe se dobrava sobre a cama, apalpava minhas pernas, conferia se eu estava febril e dava o diagnóstico: “Isso é dor de crescimento. Arrume-se e vá tomar café. Vou te dar um remédio e logo passa.” Resmungando e tropeçando nos calcanhares, lá ia eu encarar a dureza da vida. Agradeço a sabedoria e firmeza de minha mãe em dias assim. Raramente perdi aulas e isso me facilitou um bom desempenho escolar. Porém, a lição mais valiosa que aprendi nos dias em que fui forçada a enfrentar dores nas pernas foi: cumpra com suas responsabilidades mesmo quando for difícil. As dores eram reais e minha mãe não as subestimava – nunca fui mandada para a escola sem antes receber uma dose adequada de analgésicos. Mas nunca fui poupada; minha mãe sabia que as dores eram naturais e não fortes o suficiente ao ponto de eu não as suportar.

Com certa frequência ouço mães de crianças bem pequenas dizendo que retiraram os filhos de algumas atividades porque eles estavam achando difícil ou simplesmente porque tinham perdido o interesse. Não sou do time dos que acham que a agenda das crianças deve ser intensa. Mas, uma vez planejadas com moderação, devem ser cumpridas. Permanecer em tarefas que não gostamos muito ou das quais perdemos o interesse com o passar do tempo são dores de crescimento, que nos preparam desde pequenos para lidar com nossas responsabilidades. Se ao menor desinteresse ou dificuldade aprendemos a abandonar, isso pode se tornar um padrão de comportamento para a vida: abandonaremos a faculdade, abandonaremos o trabalho voluntário, abandonaremos os amigos complicados, abandonaremos o marido chato, abandonaremos as tarefas domésticas, os filhos desobedientes… Abandonaremos a vida. Quanto antes encararmos que a vida é difícil e nos prepararmos para enfrentá-la, maiores nossas chances de gozá-la em sua plenitude, como o Criador planejou.

Se você está disposta a viver a vida sem “mi-mi-mi”, há algumas responsabilidades que precisa desenvolver e pode começar a se exercitar agora mesmo.

Responsabilize-se por sua saúde e higiene pessoal. Aprenda a tomar banho e pentear os cabelos sozinha. Beba água, evite refrigerantes e sucos adoçados. Use filtro solar. Escolha bem seus alimentos e aprenda a fazer feira com listas para evitar desperdícios. Não confie no cardápio balanceado das redes de fastfoods e congelados; eles servem apenas para emergências. Reserve os chocolates para ocasiões especiais. Não faça dietas por conta própria e viva de bem com a balança – o critério é a saúde para uma vida longa e não o padrão social de beleza. Aprender a cozinhar faz bem para a saúde física e mental. Inclua exercícios físicos em sua rotina. Não fuja dos médicos pensando que ainda é jovem demais, mas não os visite em demasia. Algumas dores desaparecem quando você cresce.

Responsabilize-se por seu habitat. Aprenda as tarefas domésticas – lavar, passar e limpar – ainda que elas estraguem suas unhas. O fato de termos pessoas que fazem esses trabalhos em nossas casas, não significa que jamais precisaremos realizá-los. E quando isso acontecer é importante saber discernir entre o detergente e o lustra móveis. Roupas sujas não caminham sozinhas para a máquina de lavar. Louças não são lavadas e guardadas pela fada do dente. Não há gnomos que passam na madrugada recolhendo o lixo e colocando sacos limpos nas lixeiras. Comida estraga mesmo guardada na geladeira e quando apodrece cheira mal a casa toda. Objetos não guardados se acumulam, reduzem o espaço útil da casa e causam uma impressão muito ruim a seu respeito – péssimos como cartão de visitas.

Responsabilize-se por seus compromissos. Começou, termine. Emprestou, devolva. Voluntariou-se, compareça e sirva com alegria. Agendou, não se atrase – a vida do próximo também é difícil; logo, não se ache no direito de desperdiçar o tempo dele. Está trabalhando ou estudando, não se distraia. Lute contra a procrastinação.

Responsabilize-se por seus pertences. Conheça e valorize o que você tem recebido de Deus para vestir e calçar. Suas roupas e sapatos têm etiquetas com instruções para conservação; leia as etiquetas das roupas e os manuais de instrução dos equipamentos. Celulares e computadores custam caro e não caem do céu; cuide bem dos seus. Utilize-os o máximo que puder, e quando não servirem mais, faça o descarte das peças sem prejuízos ao meio ambiente. Não se deixe enredar pela voz do consumismo – compre para atender necessidades; jamais para curar a ansiedade. Quando viajar, mantenha sua mala organizada e todas as roupas dentro dela. Assim, não corre o risco de esquecer no hotel – ou no acampamento – suas camisetas e seu jeans favorito. Não guarde dinheiro nos bolsos pois ele acaba sempre na máquina de lavar. Separe um lugar para cada coisa e guarde cada coisa no lugar certo. Ser organizado poupa tempo.

Responsabilize-se por seus relacionamentos. Ter pessoas com as quais dividimos nossa vida é um privilégio, mas exige muito de nós. Seja cuidadosa na escolha de quem você deseja ter por perto – não conte seus segredos a quem não lhe demonstrou ser confiável. Ajuste as expectativas; não seja injusta exigindo além do que outro pode lhe oferecer. Aprenda a lidar com a frustração, pois os humanos são imperfeitos. Exercite a comunicação e o perdão. Não atribua às suas relações o sentido de viver ou morrer; isso é idolatria. Comprometa-se por inteiro: ofereça tempo, invista dinheiro, sirva com dedicação. Faça tudo sem esperar recompensas; fique tranquila, recompensas virão. Não empurre problemas para debaixo do tapete: seja assertiva e dócil quando confrontar os erros do outro; em dupla medida, seja humilde quando for confrontada. Aguarde o fim da TPM para ter conversas difíceis. Faça mais declarações de amor olhando nos olhos e menos exibicionismo em seus perfis virtuais. Aprenda a ser discreta. Ouça mais e fale quando for necessário; e somente o necessário. Não exclua a Terceira Pessoa de suas relações; Ele é o fundamento com quem primeiro nos comprometemos. Viva a vida da perspectiva de que tudo começa e termina Nele. Sua bondade nos fez, nos sustenta e Sua sabedoria nos conduz por caminhos planos.

Responsabilize-se por sua formação acadêmica e desenvolvimento profissional. Estudar não é uma opção. O conhecimento não se adquire por osmose. O fato de estar matriculada na melhor escola não fará de você, por si só, a melhor profissional do mercado. Estudos exigem organização, planejamento e renúncia. Lute contra a preguiça, estabeleça alvos exequíveis, peça ajuda quando perceber que não está dando certo sozinha. Reconheça que há outros mais competentes do que você, mas não desanime. Seja disposta a dividir o conhecimento que vai acumular ao longo da vida; ensinar nos ensina. Seja ambiciosa, deseje crescer, melhorar, influenciar, prosperar. Deus nos fez com desejos e potenciais e não precisamos subestimá-los para sermos piedosas. A piedade está em sujeitar esses desejos ao Criador e direcioná-los para aquilo que é eterno, tesouros permanentes. “Ele [Jesus] não mandou que deixássemos de ser ambiciosos. Simplesmente disse para pararmos de juntar lixo inútil… Vá atrás do ouro, Jesus disse. O verdadeiro ouro!” [1] Finalmente, não usurpe a glória de Deus quando realizar um bom trabalho; receba os elogios, tenha um espírito humilde e o coração grato. Pois quem torna você diferente de qualquer outra pessoa? O que você tem que não tenha recebido? E, se o recebeu, porque se orgulha, como se assim não fosse? (1 Co 4.7, NVI)

Responsabilize-se por seu lazer. Deus fez o descanso com propósitos: revigorar nosso corpo e mente, ter comunhão com nossos semelhantes e separar um tempo para considerarmos com mais atenção Suas obras e nos deleitarmos Nele. A necessidade do descanso expõe nossas limitações como criaturas e o próprio cansaço não nos deixa esquecer que o pecado tornou a vida difícil: “Com o suor do seu rosto você comerá o seu pão…” (Gn 3.19). Faz parte do descanso o lazer e a diversão. Deus nos criou preparados para a alegria, o prazer e a celebração. Mas o pecado distorce essas coisas boas e nos faz desejá-las de modo egoísta e impuro. Relaxe o seu corpo, mas não se entregue ao ócio nem aos vícios. Relaxe sua mente, mas não abra portas para a impureza e a sensualidade. O melhor lazer para o seu espírito é a confiança nas promessas de cuidado e socorro garantidas pela Palavra de Deus. Escolha bem os ambientes onde pretende se divertir; não dê conversas a estranhos, nem aceite balas. Considere honestamente a resposta para estas perguntas: posso estar com Jesus nesse ambiente? Poderia falar com Ele sobre este assunto sem constrangimento? Eu postaria uma self com Jesus vestindo este look? Não é para apelar. Se você é cristã, a verdade é uma só: Jesus está com você em todas essas circunstâncias, esteja você ciente disso ou não. Outro conselho: o lazer é benefício, dádiva; não é direito adquirido, embora a legislação trabalhista o assegure. Na escola há estações de férias; no mercado de trabalho, os empregadores agendam férias dos servidores conforme lhes é mais conveniente. Resumo: não adianta fazer birra porque você quer viajar no meio do semestre e não conseguiu liberação. Supere. Muito importante: lazer não é ostentação. Escolha programas compatíveis com seu orçamento; não faça dívidas, nem exija isso dos seus pais, caso eles ainda paguem suas contas. Viaje, conheça a história dos lugares por onde passar, tire fotos, prove comidas típicas, compre artesanato e souvenires se o dinheiro for suficiente. Mas não se iluda achando que isso é melhor do que curtir as férias na casa da vovó no interior, ou no apartamentinho emprestado dos amigos da família no litoral. O melhor é o que podemos ter; é isso que precisamos aproveitar até a última gota.

Responsabilize-se por seu crescimento espiritual e testemunho cristão. Pernas não crescem sem dor; os músculos e ossos mostram pela dor que estão se fortalecendo. A maturidade espiritual não acontece num passe de mágica, pelo toque da vara de condão. Dedicação ao estudo da Palavra de Deus, tempo de oração, leituras devocionais, músicas de conteúdo bíblico coerente, reflexão, conselhos de cristãos mais experientes, comunhão e serviço na comunidade da fé – tudo muito cansativo, mas essencial para aprofundar nossas raízes espirituais e tornar o nosso testemunho cristão mais eficaz. As verdades da Palavra são para nossa instrução, consolo, fortalecimento e direção. Mas você precisa conhecê-las e saber aplicá-las à sua própria experiência; isso demanda estudo. O sofrimento baterá à sua porta, cedo ou tarde; você o enfrentará com fé no Salvador ou desabará em murmuração e autocomiseração? Cristãos maduros são fundamentais como parceiros de caminhada, mas não são muletas. Ande com suas pernas, faça sua escolhas, sofra as consequências dos erros cometidos. Isso é o que chamo crossfit espiritual: você acha que vai morrer no meio da série, sai da academia não sentindo mais as pernas, acorda com câimbras no meio da madrugada, fica dolorida a semana toda e no sábado seguinte está pronta para um desafio mais difícil.

Responsabilize-se pelas gerações passada e futura. A História não é sobre você. Ainda que o Criador lhe tenha concedido o privilégio de participar como figurante em algumas cenas, é provável que na tomada geral ninguém consiga discernir seu rosto na multidão. Seu papel é bem simples: honrar e cuidar de quem veio antes de você e preparar aqueles que continuarão depois de sua partida. Jesus ensinou que se desejamos ser notados por algo grandioso que realizamos, precisamos servir. Se hoje é difícil para você servir aos seus pais em tarefas simples e em obediência a Deus, não trago boas notícias: a vida que hoje é difícil ficará ainda mais difícil. Seus pais envelhecerão e você deverá servi-los na velhice, quando eles pensarão de modo muito diferente de você, exigirão o seu cuidado na fase em que sua vida lhe parece mais produtiva e terão um corpo e uma mente debilitados pelo tempo. O Senhor não lhe deixará desamparada para realizar isso, mas a responsabilidade Ele entregou a você; prepare-se desde agora para servir com alegria e zelo. Seguindo o curso natural da vida, você se casará – ou não – e terá filhos e netos – ou não. De qualquer maneira e em qualquer contexto, haverá sempre gente mais jovem para você influenciar. Prepare-se para essas oportunidades; mostre à próxima geração que temer ao Senhor é o único caminho onde descobrimos significado para a vida. Ensine às crianças que elas não são jovens demais para entregarem suas vidas ao Salvador Jesus; Ele as apascentará com amor e lhes garantirá a eternidade em paz com o Criador. Insista com os adolescentes que não sejam apressados nem rebeldes, sujeitando-se aos limites estabelecidos pelo sábio Senhor; Ele não é um estraga prazer, só está comprometido com nossa segurança. Ensine aos jovens a não serem indolentes, nem medrosos, nem guiados por caprichos. Conte a eles sobre o quanto suas dores nas pernas foram importantes para lhe conduzir ao sucesso responsável.

A vida é difícil, mas ela passa muito rápido. O autor de Eclesiastes foi confrontado com essa realidade e lamentou que tenha perdido tempo correndo atrás de ilusões. Não sabemos quanto tempo ainda teremos para protelarmos uma postura responsável diante de Deus e do mundo. Se você tem medo, busque no Senhor coragem. Se você tem preguiça, busque no Senhor ânimo. Responsabilizar-se por sua irresponsabilidade facilitará muito a vida.

Por Flórence Franco.

[1] Carolyn McCulley e Nora Shank. Mulher, Cristã e bem-sucedida: redefinindo biblicamente o trabalho dentro e fora do lar. Ed. Fiel, 2018. p. 177.