Acho que no fim de sua vida, Salomão entendeu algo que estou começando a perceber a respeito da vida: “O que foi tornará a ser, o que foi feito se fará novamente; não há nada novo debaixo do sol” (Ec 1.9). Ao que parece, algumas histórias sempre se repetem. Por exemplo, no ano passado uma loja de perfumes fez uma propaganda para o dia dos namorados com casais homoafetivos, o que gerou grande repercussão entre os cristãos que propuseram boicote à loja. Este ano o mesmo aconteceu com uma loja de departamentos. Confesso, fico triste em ver isso de novo. Mas, que fique claro: não estou falando das propagandas, estou falando das reações. Nós cristãos ainda não aprendemos a responder adequadamente a esse tipo situação e replicamos as mesmas respostas ruins que vimos em outros lugares, em outras situações, sem refletirmos se essa resposta é de fato a melhor resposta possível. Enfim, convido-lhe a continuar lendo o texto para entender um pouco melhor o meu ponto de vista.

Polêmica

Caso você não saiba do que eu estou falando, deixa-me explicar. Uma loja de departamentos lançou uma linha de roupas que propõe liberdade de gênero: você veste o que você quiser! Quer usar roupas masculinas? Sem problemas! Homens querem usar roupas femininas? Não se reprima! Fundamentada na ideologia de gênero, essa loja quer impulsionar suas vendas sugerindo que qualquer um pode comprar qualquer roupa.

Essa propaganda não foi a primeira da coleção; há alguns meses eles divulgaram outra com a mesma proposta. Até aqui eu não vejo nenhum problema e na continuação do texto você entenderá o que por quê. A grande polêmica, na minha opinião, está com o que aconteceu depois: a reação dos cristãos.

Não demorou muito para que os cristãos manifestassem sua indignação sobre tal coleção. Ana Paula Valadão foi uma das primeiras a ir às redes sociais expressar sua opinião (que fique claro que eu não sou contra a liberdade de expressão, caso eu fosse, não estaria escrevendo este texto). No post da cantora gospel, além de expressar sua opinião, incentivou os cristãos a boicotarem a loja. E é aqui que quero chegar. Boicotar a essa loja de departamentos foi o estopim para as reações na internet, de cristãos e não cristãos, cada um defendendo seu posicionamento!

Problema

Você deve estar se perguntado onde eu quero chegar, certo? Bom, aqui está a resposta: ao meu ver, a propaganda não é o problema, mas o boicote. Para explicar isso, quero pontuar algumas ideias:

1. O Boicote não demonstra o real problema: Por que a propaganda não é em si o problema? Porque é obvio, não cristãos fazem isso! As Escrituras nos ensina que o mundo está ‘morto’ (1João 5.19) e está sob o domínio do inimigo (Efésios 2.1-3). Eles enxergam o mundo a partir de uma perspectiva alheia a verdade de Deus. Aliás, Paulo quando fala sobre como eles enxergam a vida, ele afirma que eles estão cegos (2Cor 4:4), e não tem o entendimento que provém da sabedoria divina (Ef. 4:18-19). Como eles poderiam defender ideias cristãs, se por natureza e disposição eles são contrários à verdade das Escrituras? É possível que nem todos os incrédulos defendam o mesmo ponto de vista, mas considerando o estado do mundo em que vivemos, a proposta da propaganda deveria ser esperada por nós. Em um mundo encharcado pela ideologia de gênero, era apenas uma questão de tempo para alguém usar dessa filosofia de modo pragmático para alavancar as vendas dos seus produtos. Com isso, não defendo a propaganda nem a proposta de marketing, apenas relembro que o problema é mais embaixo: o real problema é que esse mundo vive sem Deus, à parte de Deus e contrário a Ele, sem saber que existe graça e verdade em Cristo Jesus (João 1:17). A propaganda é apenas mais um dos muitos sintomas do verdadeiro problema, e enquanto os cristãos continuarem a atacar os sintomas, eles perderão a oportunidade de conversar sobre o real problema, para então falar sobre a real resposta. Parece-me que os cristãos estão tão acomodados em suas ilhas de santidade, que se esqueceram que esse mundo está indo de mal a pior; se esqueceram que nesse mundo, Cristo encontra ovelhas cansadas e sem pastor (Mt 9:36), e as enxerga como campos prontos para colheita (Jo 4:35ss). Quer ser radical? Olhe para o mundo da perspectiva de Cristo, que apesar de conhecer plenamente sua maldade, se fez homem e morreu para salvá-lo (1João 2:2).

2. O Boicote manifesta nossa falta de foco: Um outro argumento que cristãos usam a favor do boicote dizem é: “Meu Deus é poderoso, Ele não vai deixar essa loja ter lucro, pois eles estão divulgando um posicionamento que Ele abomina.” Querida leitora, nosso Deus é poderoso mesmo, Ele é capaz de fazer o que bem entende. No entanto, não creio que Ele irá fazer isso. Por quê? Repare quantas empresas que tem posicionamentos anticristãos que estão cada vez mais poderosas financeiramente e mais famosas na sociedade! Deus não precisa responder ao sucesso de determinadas empresas que defendem ideias contrários a Sua Santidade do modo que você espera (Salmo 37.1, 13). Talvez o sucesso econômico deles seja exatamente o juízo que Deus tem para eles (Salmos 73:4-5, 12). Talvez não (Salmos 73:18-19). O importante é que Deus continua no controle, e sabe o que faz. Ele também não precisa que os cristãos lutem suas batalhas por Ele, até por que Ele é quem é o Todo-Poderoso e Soberano. O que Ele espera dos Seus filhos, por outro lado, é que eles combatam o combate que Ele lhes confiou. E até onde sei, nossa missão não é administrar a execução do julgamento divino contra o pecado, mas levar o Evangelho de Jesus Cristo (Mt 28.19-20; Lc 24:46-47; At 1:8). Em outras palavras, quando atacamos os sintomas da queda com mais intensidade com que promovemos a cura para ela, mais demonstramos nossa falta de foco. De que adianta uma campanha publicitária heterossexual, se as pessoas a sua volta continuam sem conhecer a graça e a verdade de Jesus Cristo? De que adianta levar uma loja a falência através de um boicote, se aqueles que Jesus nos confiou a conviver ainda não conhecem a graça e a verdade de Jesus Cristo? Como eu já disse, a proposta do boicote apenas revela nossa falta de foco.

3. O Boicote era ansiosamente esperado: Outro problema é que me parece ignorante da parte do cristão acreditar que boicote afetará alguma coisa na loja. Como estudante de Propaganda e Marketing digo: Quanto maior a repercussão (impulsionada por uma polêmica) maior a lucratividade. Tudo foi pensado! Eles não são ingênuos, eles sabem o que fazem! Quer saber como funciona? Vou dar um exemplo: este texto. Estou escrevendo um texto que fala sobre a loja deles, estou divulgando uma polêmica que talvez você nem tinha conhecimento, mas a partir de agora você sabe e vai conversar com mais alguém a respeito disso. Este alguém também vai falar com outro alguém. E assim vai. A propaganda ganha uma proporção muito maior de uma forma mais rápida, logo, mais pessoas saberão que a marca terá menores preços no dia dos namorados e pessoas irão comprar (concordando ou não com a mensagem dentro da coleção). É bem possível que a loja irá alcançar mais pessoas por causa dos próprios cristãos revoltados. Em outras palavras, propor um boicote pode parecer uma coisa “santa” a se fazer, mas na verdade apenas fomenta aquilo que a equipe de marketing da empresa já esperava. Quando fazemos isso, estamos apenas demonstrando o quanto podemos ser manipulados por uma propaganda. E pior, por causa da reação de alguns, pessoas que nem se quer gostam da marca, farão suas compras lá apenas para contrariar o “santo” que promoveu o boicote.

4. O Boicote manifesta nossa falta de reflexão: Alguns tem usado exemplos dos Estados Unidos, de que o boicote foi bem sucedido a ponto de algumas companhias mudarem suas estratégias. Querida leitora, naquele país são várias as histórias desse tipo. Mas, existe uma pequena diferença entre o que acontece no Brasil e nos EUA. Lá os cristãos representam pouco mais de 70% do país, de acordo com Pew Research Center (veja aqui), ao passo que os evangélicos representam pouco mais 22% da população do Brasil, de acordo com o IBGE (veja aqui). Mas, a gente sabe que desse grupo, apenas uma pequena parte pode ser mesmo definida como evangélico de fato. Ou seja, quando parte de um grupo de 70% da sociedade deixa de fazer compras em uma determinada loja, ele tem a real capacidade de impactar o mercado, como aconteceu tem acontecido com o boicote do Target.

Nos EUA, o mesmo não é verdade quando o boicote é promovido por ateus, por exemplo. Há alguns anos atrás, alguns ateus radicais decidiram boicotar o Chick’Fil’A, porque seria contraditório para um ateu comer em um restaurante que não abre aos domingos, que para os donos da companhia é um dia dedicado ao Senhor. Mas, somente em 2012 a campanha pegou fogo quando o dono da companhia decidiu contribuir financeiramente com uma instituição que não apoia os ideias LGTB. Quando perguntado sobre as razões de sua contribuição, Dan Cathy, o presidente da companhia, explicou que defende os ideias bíblicos do casamento. Imediatamente diversos grupos, pessoas, empresas e políticos favoráveis ao casamento homoafetivo se posicionaram publicamente contra a rede de fast food, e até um site foi criado: boycottchickfila.com (boicote-o-chickfila.com). E o que aconteceu? O esperado… a rede faturou pouco mais de 4.6 bilhões de dólares naquele ano, aumentando suas vendas em 12%  (veja aqui). Aliás, essa história é bem parecida com outra que já aconteceu em terras tupiniquins. Lembra da propaganda de mesmo tema de uma loja de perfumes? Pois bem, na época, alguns consideraram a propaganda um risco, em função de acreditar que o Brasil ainda é um país conservador. Entretanto, apesar de todos os boicotes dos evangélicos a propaganda mostrou-se um sucesso: ganhou prêmios e auxiliou o aumento das vendas e melhorou a imagem da companhia.

Agora, o que essas duas histórias tem em comum além do boicote? Nos dois casos o boicote foi promovido por grupos de menor representatividade social. Resultado? As duas companhias lucraram com o boicote, e ficou apenas a vergonha para quem promoveu o boicote. É por isso que no Brasil, o boicote fomentou ainda mais o rótulo de homofóbico que a persegue os evangélicos, promoveu a oportunidade para a empresa escrever um manifesto em favor da diversidade do amor, e se apresentar como politicamente correta, tolerante e moderna. Em outras palavras, o boicote saiu pela culatra. O pior é que já vimos essas história, e ainda assim a estamos repetindo. E por isso que eu digo que o boicote manifesta nossa falta de reflexão. 

5. O Boicote é intolerante: O boicote de uma marca que defende ideias anticristãs revela o nível da intolerância religiosa de muitos cristãos: “Se vocês não defenderem os ideais que eu defendo, eu não compro na sua loja.” O problema dessa postura é que a tolerância é um dos mais importantes componentes da “moral” pública. Ser tolerante é ser nobre, intelectual, refinado. Ser intolerante exatamente o contrário disso. E o boicote afirma o rótulo que os cristãos carregam (algumas vezes merecidamente) de homofóbicos e intolerante. Para quem nos assiste à distância, a ideia do boicote é pobre, ignorante e bruta. Para quem nos assiste de perto, essa mesma ideia soa contraditória. É muito difícil para eles ouvirem cristãos falando sobre boicote a uma loja de departamentos só por que eles afirmam valores homoafetivos, enquanto esses mesmos cristãos afirmam amar a todos. Como é que vamos convencer o mundo de que Deus ama indiscriminadamente, quando seus filhos discriminadamente? Com isso, não estou defendendo um cristianismo politicamente correto, que só fala coisas lindas e se esquece de sua missão. Estou defendendo que o cristão evite falar aquilo que é desnecessário, para manter seu foco em sua missão. O boicote é um péssimo ponto de partida para o diálogo com não cristãos, especialmente se vocês pretende falar de Jesus Cristo. Dificilmente alguém usará a história do boicote como porta de entrada para falar do amor de Deus. Culturalmente falando, o boicote no Brasil é contraproducente para o Evangelho.

6. Boicote é incoerente: Ninguém parece ter percebido isso ainda, mas me parece que promover um boicote de uma loja de departamentos que defende ideais homoafetivos no Facebook é um pouco incoerente. Afinal, o próprio Mark Zuckerberg, o fundador do Facebook defende o casamento homoafetivo a ponto de juntar-se a passeatas do orgulho gay nos EUA. O caso de incoerência é ainda pior para aqueles que usaram algum dispositivo da Apple para fazer sua reclamação, afinal sabe-se que o atual CEO da companhia Tim Cook não apenas mantém um relacionamento homoafetivo, como também é defensor desse tipo de casamento. O mesmo pode ser dito de quem usa sistemas Google ou Microsoft, ou qualquer um dos produtos dessas companhias (ou de muitas outras). Se o fez de dentro de um Starbucks, a incoerência fica ainda pior; pior ainda se estivesse usando um produto Nike, Levi’s, GAP, Guess, ou tomando um dos muitos produtos da Coca-Cola, ou tivesse comprado qualquer um deles usando um cartão Visa ou Mastercard. Se fez vídeo resposta no Youtube, também não escapou da incoerência. Enfim, acho que minhas leitoras já entenderam o ponto, mas nós poderíamos adicionar a essa lista outras 379 empresas. Campanhas seletivas de boicote são incoerentes: ou os defensores do boicote rompem com todas essas empresas (por manutenção da coerência), ou parem com essa bobeira de boicotar, que como já vimos é contraproducente para o Evangelho e lucrativa para a empresa.

Proposta

O que esse incidente prova, na verdade, é que nós cristãos ainda não aprendemos a lidar com o ambiente cultural que nos rodeia; mostra também que ainda não aprendemos quais são as brigas que devemos entrar. Por isso, antes de terminar esse artigo, sugiro três ideias:

1. Priorize o Evangelho: Os cristãos não estão no mundo para moralizá-lo, mas para levar a mensagem do Evangelho. Não precisamos de campanhas publicitárias pró-casamento heteroafetivo, nós precisamos aproveitar as oportunidades para pregar a Cristo e este crucificado, especialmente quando presenciamos campanhas publicitárias como dessa loja de departamentos (que me recuso a dizer o nome). Em outras palavras: se você é colocado em uma situação em que sua opinião pública prejudica a pregação do Evangelho, pregue o Evangelho e guarde sua opinião para conversas particulares. Seja sensata e estratégica. É mais importante aproveitar uma oportunidade para falar sobre Cristo do que mil para defender seus ideais sobre o casamento. De nada adianta uma multidão exclusivamente heteroafetiva, se eles não conhecerem a graça e a verdade que reside em Jesus Cristo. Priorize o Evangelho e combata o bom combate, e não qualquer briguinha do nosso famigerado mundo evangélico.

2. Aprenda com Paulo: Paulo foi muito claro ao ensinar a igreja Roma sobre a justiça divina. Em uma carta para a igreja de Roma, ele descreveu os relacionamentos homossexuais como a representação do juízo de Deus (Rm 1:26ss). Aliás, ele foi duro e claro a respeito. Entretanto, sua postura foi bem diferente quando ele se levantou para pregar no areópago em Atenas (At 17:22ss): diante dos filósofos atenienses seu discurso foi motivado por sua inquietação com a idolatria da cidade (v.16), mas ele não iniciou sua mensagem com o primeiro dos dez mandamentos (Ex 20:3-5), ou com a Shema (que é a expressão “Escuta ó Israel” de Deuteronômio 6:4), o mais importante verso do Antigo Testamento. Aliás, Paulo se quer abriu as Escrituras. Ele citou filósofos pagãos, e comunicou a mensagem do evangelho em termos que os filósofos atenienses pudessem entender. Em outras palavras, ele traduziu a teologia cristã para uma comunidade que se quer tinha ouvido falar sobre Cristo. Resultado? Alguns dos seus opositores se converteram (v.34). Paulo sabia que existe uma clara diferença entra a linguagem e o ensino que se emprega entre os cristãos, e aquilo que é fundamental na vida pública do cristão. Para Paulo, para os incrédulos nada era mais importante do que Cristo (1Cor 1:22-23), e ele fazia de tudo para salvar alguns (1Cor. 9:20-23).

3. Seja sensata no uso das suas palavras: Como Paulo já nos ensinou: “Sejam sábios no procedimento para com os de fora; aproveitem ao máximo todas as oportunidades. O seu falar seja sempre agradável e temperado com sal, para que saibam como responder a cada um” (Cl 4.5,6). Sabedoria é fundamental no nosso relacionamento com aqueles que não conhecem o nosso Salvador, por isso precisamos aproveitar todas as oportunidades que temos para falar a respeito dele, com um discurso agradável e temperado com sal. Ou seja, devemos aprender a responder ao mundo nesses termos, e não com birras midiáticas de boicote. É interessante, que nesse assunto Pedro parece concordar com Paulo: “Antes, santifiquem Cristo como Senhor no coração. Estejam sempre preparados para responder a qualquer que lhes pedir a razão da esperança que há em vocês. Contudo, façam isso com mansidão e respeito, conservando boa consciência, de forma que os que falam maldosamente contra o bom procedimento de vocês, porque estão em Cristo, fiquem envergonhados de suas calúnias” (1Pe 3.15,16). Tudo começa com um relacionamento de intimidade com Cristo, mas se manifesta com uma resposta bem preparada que é apresentada com mansidão e respeito. Fazendo isso, nós calamos a insensatez dos insensatos: “Pois é da vontade de Deus que, praticando o bem, vocês silenciem a ignorância dos insensatos” (1Pe 2.15).

Escrito por: Irmãos Berti, Marcelo e Marília.