“A única suficiência dos meus méritos é saber que os meus méritos não são suficientes.”

Agostinho

Você já percebeu como vivemos em uma sociedade extremamente baseada em méritos? Pare um pouco para pensar nos filmes hollywoodianos e até mesmo os clássicos Disney que as crianças adoram. Qual a mensagem que todos eles passam? Talvez pensamentos como “basta ser você mesmo e correr atrás dos seus sonhos que você pode alcançar qualquer objetivo” sejam a principal tese da maioria deles. Estas histórias nos fazem sair do cinema motivados a realizar, a nos esforçarmos e nos destacarmos. Histórias como “A procura da felicidade”, “Náufrago” e “Homens de Honra” são exemplos claros disso; os filmes de super-heróis também: todos eles nos falam de pessoas que passam por dificuldades e quando pensam não ter valor algum, algo acontece e os faz descobrir que dentro deles existe toda a força que precisam para “vencer”. Eles passam a buscar seus sonhos, superam desafios, vencem os medos e conquistam a vitória, são “felizes para sempre”. E então, quando o filme termina, estamos realmente dispostos a mudar o que for preciso para conquistar o que queremos: ficamos motivados! Acreditamos nessa fórmula meritocrática, estamos convencidos de que basta nos esforçarmos e lutarmos por nossos objetivos, encontrar nossa “força interior”, que com certeza nos destacaremos e realizaremos nossos sonhos e seremos felizes no final.

O ponto a que quero chegar com toda essa reflexão é que estamos extremamente expostos a uma cultura do mérito – o tempo todo vemos exemplo de pessoas que conquistam carreira, fama, poder, autoridade, prestígio. Como? Eles merecem! São melhores que os outros, tem habilidades e força para vencer os desafios e se destacam. E todos nós, como membros dessa sociedade e participantes dessa ideologia, queremos ser os “HERÓIS”. Todos nós queremos ter um futuro brilhante e aliando nosso coração orgulhoso à ganância que nos é estimulada pela inveja daqueles que “conseguem”, nos afundamos cada vez mais em relações de competição, nos iludimos pensando que conseguiremos realizar metas e viver a vida por nossas próprias forças, utilizando somente nossas qualidades e habilidades para vencer os desafios. E assim sustentamos a lógica competitiva do capitalismo: os colegas de trabalho competem entre si e nunca desenvolvem amizades verdadeiras, os supostos amigos puxam o tapete um do outro para tirar vantagem em alguma situação e disputas de ego são o tempo todo causa de muitas quebras de relacionamento conjugais e familiares.

O pior de tudo é que vemos essa maneira de pensar, baseada nos méritos, influenciando também a vida cristã e a igreja: são afetados tanto o nosso relacionamento com Deus quanto nossos relacionamentos com outras pessoas. Em nosso relacionamento com Deus, muitas vezes, não pedimos ajuda para tratar pecados, mas tentamos lutar com nossas próprias forças. Em conflitos, não pedimos a orientação de Deus para solucioná-los, pelo contrário: controlamos e manipulamos a situação para resolvê-la. Dentro do ministério, vemos a disputa constante por destaque: um quer mostrar que é melhor que o outro, mais santo, mais espiritual. O que Deus nos fala sobre isso? Vamos ver o que Paulo fala em sua carta aos Romanos, pois também diz respeito a nós: “Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus. Pois pela graça que me foi dada digo a todos vocês: ninguém tenha de si mesmo um conceito mais elevado do que deve ter; mas, pelo contrário, tenha um conceito equilibrado, de acordo com a medida da fé que Deus lhe concedeu.”  (v.12:2-3).  Quero destacar aqui a expressão “conceito elevado sobre si mesmo”: todos nós somos naturalmente assim. Pensamos o tempo todo que somos melhores, que ninguém é como nós. Temos uma habilidade imensa para nos exaltarmos e elencarmos nossas habilidades. Qual o problema de viver assim? Isso está de acordo com os padrões do mundo!!

Em primeiro lugar, devemos entender quem realmente somos por natureza. A Bíblia nos fala sobre nossa verdadeira identidade sem Cristo: pecadores, miseráveis. Somos maldosos, gananciosos, invejosos, bisbilhoteiros, caluniadores, mentirosos, arrogantes… e a lista se prolonga (Rm 1:28-31). Isso é o que somos sozinhos! Pensar que o mundo funciona por méritos é uma ilusão! Vamos esclarecer e trazer à nossa memória do que é que somos realmente merecedores: “Todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus.” (Rm 3:23); “Pois o salário do pecado é a morte.” (Rm6:23a) – somos merecedores somente da morte eterna, da condenação! Mas o nosso Deus sim, que é justo, bondoso, misericordioso, poderoso e amoroso (Sl 86:5), ofereceu a si mesmo para nos livrar do que nós merecíamos – as poderosas mãos que deram forma ao universo e moldaram montanhas foram pregadas em uma cruz por mãos humanas. Ele não merecia a morte, foi o único homem que jamais pecou (1 Pe 3:18). Ele poderia ter escapado, mas sacrificou-se por amor a nós! Sabe o que é isso? Graça! Amor! Misericórdia! “Mas Deus demonstra seu amor por nós: Cristo morreu em nosso favor quando ainda éramos pecadores” (Rm 5:8).

Ainda, em segundo lugar, uma vez que entendemos isso, a orientação e a vontade de Deus é que nos amoldemos ao padrão de Cristo. Mas como podemos ir na contramão do mundo? E mais do que isso, como podemos ir na contramão do desejo orgulhoso que pulsa a cada dia em nossos corações? Em Mateus 23:12 temos a seguinte afirmação de Jesus: “Pois todo aquele que a si mesmo se exaltar será humilhado, e todo aquele que a si mesmo se humilhar será exaltado”. Ainda, em Lucas 9:23, “Jesus dizia a todos: ‘Se alguém quiser acompanhar-me, negue-se a si mesmo, tome diariamente a sua cruz e siga-me”. Ou seja, somente entendendo realmente o que significa seguir a Cristo, que é amá-lo com todo nosso ser, depender totalmente dEle e dedicar-nos integralmente em obedecê-lo, poderemos ter nossos relacionamentos e nossa vida transformadas! Somente assim conseguiremos realmente superar os problemas e alcançar os objetivos que realmente nos satisfarão: aqueles determinados por Deus!

Portanto, que possamos assim refletir sobre a nossa conduta e mentalidade diante de um mundo tão competitivo e meritocrático, entendendo que não merecemos nada, dependemos do nosso Deus até parar respirar. E que possamos imitar o nosso Senhor “…que, embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens. E, sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo e foi obediente até à morte, e morte de cruz!” (Fp 2.3-8).