Como você definiria arte? A arte precisa ser bela para ser arte? O que é beleza? Todo cristão que é um artista precisa produzir “arte cristã”? Deus se manifesta em artes “não-cristãs”? Quantas pregações você já ouviu sobre o tema da arte? A Igreja precisa falar sobre arte?

É fato que o tema das artes não é motivo de estudo nos púlpitos e muitas vezes nem na perspectiva da fé cristã como um todo, mas, nos últimos tempos, tem acontecido um “movimento de retorno” a conversas sobre o tema, mas muitas vezes a falta de estudo bíblico e teológico tem levado pessoas a conclusões e visões erradas sobre a arte. 

Quando falamos de Beleza, a questão aqui não é discutir a beleza feminina ou masculina, porque esses são padrões construídos culturalmente e dentro do tempo. Além disso, na beleza humana, existe também a questão emocional que faz com que nós vejamos aquilo que gostamos ou não gostamos um do outro.

Mas, quando falamos de Beleza na arte estamos discutindo um tema filosófico muito maior, sobre o que pode ser dito como Belo ou não. 

Platão e Aristóteles foram grandes propulsores do assunto na Grécia antiga, Platão dizia que a Beleza é algo que não pode ser definido no mundo concreto (mundo material, físico), mas algo que pertence ao Mundo das Ideias (mundo espiritual). Isso logo quer dizer que não cabe ao homem tentar definir o que é Beleza, pois ela se define dentro de si mesma, por ser maior que o homem. 

Já para Aristóteles a Beleza está intrinsecamente ligada ao homem, por ser uma criação humana. A arte para Aristóteles tinha a função de completar o que falta na natureza. O conceito de Beleza estava também ligado à ideia de proporcionalidade, graciosidade e perfeição.

É muito interessante ver e entender um pouco o que esses dois grandes filósofos tinham como visão de Beleza, mas, e a Bíblia? Ela fala algo sobre o padrão ou definição de Beleza?

A teologia reformada fez o grande favor a Igreja de reintroduzir o assunto do estudo das artes como parte essencial da vida cristã e como estudá-las teologicamente. E isso vai muito além do que classificar uma arte como “cristã ou não”, e se o cristão “pode ou não” consumir determinado tipo de arte. 

A teologia reformada não são só os 5 pontos do calvinismo, e alguma coisa sobre escatologia (estudo sobre o final dos tempos). A teologia reformada é uma cosmovisão (a forma como você enxerga o mundo é sua cosmovisão, seus valores, princípios e etc.) inteira dentro da cosmovisão cristã. Ela abrange todas as áreas! 

Desde o início da história teologia, tem-se a preocupação com aquilo que os cristãos devem crer (que é chamado de dogmática), e tem-se preocupado também com aquilo que os cristão devem fazer (que é a ética). Então a teologia fala muito do que é verdadeiro (dogmática) e do que é bom (ético), mas não na mesma quantidade do que é belo. 

Fomos criados por Deus com a capacidade de crer e de agir, mas também com a capacidade de contemplar a beleza. A questão é que muitas vezes a nossa visão de beleza pode estar influenciada por uma cosmovisão relativista. 

Calvino plantou a semente da teologia da arte que desabrochou séculos depois com Kuyper, primeiro-ministro holândes, filósofo, teólogo e pastor, que sempre defendeu que a teologia calvinista tem uma relação pacífica com a arte, e não de rejeição ou condenação.

Kuyper é um dos propulsores da ideia da Graça comum, a ideia de que Deus manifesta uma graça não salvadora sobre toda a humanidade, mas que permite que os seres humanos manifestem talentos e não sejam completamente consumidos pelo pecado. Essa é uma ideia extremamente importante quando falamos de arte. Kuyper definia a Graça Comum como:

“A restrição exercida por Deus sobre os efeitos após a Queda; a preservação e manutenção da ordem criada; e a distribuição dos talentos aos seres humanos […] Não se trata de uma graça salvadora, regeneradora ou eletiva, mas uma graça preservadora que se estende ao mundo que Deus criou”. (“Sabedoria e Prodígios: Graça Comum na Ciência e na Arte” – Abraham Kuyper, Editora Monergismo, 2016). 

Do século XVII em diante, as artes visuais como a pintura, tiveram grande crescimento e desenvolvimento. E o combustível que impulsionou o desenvolvimento dessa arte foi justamente a teologia reformada! A Igreja já influenciou muito mais na arte do que nós mesmos sabemos! Porque o Grande Pintor é o dono da Igreja. 

A primeira mensagem da Bíblia é o relato da criação. A Bíblia apresenta a criação como algo belo. 

Ele firmou a terra sobre os seus fundamentos para que jamais se abale;

com as torrentes do abismo a cobriste, como se fossem uma veste; as águas subiram acima dos montes.

Diante das tuas ameaças as águas fugiram, puseram-se em fuga ao som do teu trovão;

subiram pelos montes e escorreram pelos vales, para os lugares que tu lhes designaste.

Estabeleceste um limite que não podem ultrapassar; jamais tornarão a cobrir a terra. (Salmo 104:5-9)

O salmista descreve a beleza da criação na ordem em que ela foi feita por Deus. A ordem em que Deus criou o universo não foi aleatória. Deus não é um Deus de caos mas de ordem. A palavra “mundo” no grego é a palavra “kosmos”, que também pode significar ordem. Isso significa que o mundo em que vivemos é belo porque está em uma ordem estabelecida por Deus o que logo implica que arte e Beleza exigem ordem.

E não há apenas a Beleza da ordem da criação, mas há também a Beleza da criação em si mesma. Deus definiu o padrão do que é Belo e como o Belo se constitui enquanto criava o Universo. Quão perfeito isso é?

NOSSO DEUS É UM DEUS ARTISTA E CRIATIVO! Se nós somos suas imagens e semelhanças, não faria sentido que nós também não fossemos…DEUS É O GRANDE ARTISTA! Mas a capacidade de produzir arte não está ligado a salvação, mas sim a Graça Comum, então assim como não cristãos conseguem exercer amor, bondade, justiça que glorificam a Deus (mesmo que eles não saibam e ainda manchados pelo pecado), não cristãos podem produzir verdadeira arte e Beleza que glorifique e manifeste O grande Pintor.

Assim, da mesma maneira, o cristão que é artista não precisa colocar o nome de Jesus, uma cruz, ou um leão para dizer que a arte é cristã. Pode ser uma poesia escrita e dedicada à mulher amada, mas ainda assim é arte, e é Belo e glorifica a Deus, porque esse artista cristão entende que TUDO o que ele faz glorifica a Deus. Ele vive diante de Deus, e o entendimento que ele tem da própria cosmovisão permite que ele viva assim.

Diferentes tipos de arte podem veicular princípios e valores do Reino (e o artista pode fazer isso de forma intencional ou não), podem denunciar o mal e a injustiça, podem ser pontes para a comunicação do Evangelho. A arte pode ser também apenas para distração e deleite e não há nenhum mal nisso, como já dizia Calvino: “A arte é um dom de Deus que nos foi dado para nos ajudar a suportar a vida em seus momentos mais pesados e defíceis”.  

Mas a Igreja precisa parar de tratar a arte como um tema “secular”, ou a parte da vida cristã. Isso é mais uma característica da teologia reformada: ela é holística! Isso quer dizer que todos os aspectos da vida humana estão conectados.

Se você, minha amiga, é uma artista, em qualquer tipo de arte, com a música, com as palavras, com as tintas, seja artista, mas seja a artista que entende que vive diante da Face de Deus, e vive para glorificá-lo com toda sua vida e isso inclui sua arte. Isso não significa que logo tudo que você toca, escreve ou pinta é uma passagem bíblica, pode nunca ser, mas ainda é uma arte que mostra a quem você serve, uma arte que é um reflexo do Grande Pintor!