Ela era uma menina normal, mas demorou para notar isso. Cresceu sem perceber o mundo ao seu redor, com sonhos maiores do que a realidade. Gostaria de morar fora de seu país, namorar um rapaz romântico, estudar na universidade perfeita sem fazer força para entrar, conseguir o trabalho mais realizador e ser bem reconhecida por seus esforços. Almejava que sua história fosse tão surpreendente que todos gostariam de ser quem ela era.

Bom, foi numa viagem simples para o interior que compreendeu quem era: uma garota comum, com sonhos comuns e uma vida comum. Estava solteira, apesar de ter sido uma boa namorada. Não conseguiu ingressar na universidade que queria, apesar de ter passado no vestibular. Estava desempregada, apesar de ter concluído outra faculdade com notas exemplares e bons estágios. Nunca saiu do país para turistar, apesar de ter mil fotos no instagram. Com crises como qualquer outra…

Enquanto suas amigas estavam na Europa curtindo a vida, ela estava deitada no banco traseiro do carro, sozinha olhando para as árvores fora dele. Era um dia lindo e ela não registrou uma foto porque, afinal de contas, quem curtiria essa mesmice? Por isso, ficou ali pensando em suas amigas e no que estariam fazendo, já que haviam conquistado seus sonhos e viviam a vida que ela sonhava chamar de sua. Solidão. Desmotivação. Ilusão… e outros mil substantivos eram sua comum realidade, de tal forma que há dias estava cansada de perceber que era tão comum como qualquer outra. Passara a ter vergonha de contar aos outros o que estava fazendo da vida e simples conversas do cotidiano haviam perdido a graça para ela.

Mas, por um milagre de Deus, diria assim, o chacoalhar daquelas árvores extraiu uma memória esquecida dela: como seriam as árvores do jardim do Édem? Devia ser um lugar maravilhoso. E quando pensou em culpar Adão e Eva pelas desgraças da vida, um sonho apagado foi extraído dela: como serão as árvores da Nova Jerusalém?

Sempre fora a igreja, mas a esperança de que um dia Jesus voltaria novamente (Mt 24.30) estava distante porque só olhava para sua vida instantaneamente. Esqueceu-se de que, por mais que sua vida não seguisse o plano que traçara, era, na verdade, uma carreira para aperfeiçoamento (Fp 3.14), porque somente assim, poderia desfrutar, de fato, do que o céu lhe ofereceria.

De certa forma, ficou aliviada, porque, apesar de suas frustrações na vida, teria tudo no céu. Se aqui não podia viajar por falta de dinheiro, lá teria a eternidade para passear. Se aqui se sentia sozinha, lá reveria muitas pessoas que ama e, mesmo os que foram casados na terra, não se casariam lá de novo (Mt 22.30), pois status não definirá o caráter de ninguém. Se aqui não aprendia o que desejava em sua faculdade, lá teria tempo de sobra para descobertas incríveis. Um lugar sem a tristeza, o enfado e o desânimo do pecado. Um lugar sem lágrimas, morte e dor (Ap 21.4). Um lugar brilhante como jóias, sem noite, iluminado tão somente pela glória dEle (Ap 21.11,23,25). E as árvores? Bem, uma delas dará até frutos de vida (Ap 22.2). Comunhão. Motivação. Realidade. E mil outros substantivos são a verdade sobre o céu que ela não lembrava sempre.

As árvores continuavam chacoalhando quando enxergou o egoísmo de seus pensamentos. Era verdade que estava pensando sobre a eternidade e em todos os benefícios que aqueles que acreditam em Deus desfrutarão, mas os pensamentos ainda eram sobre ela, o que teria ou não. Envergonhada, pediu perdão a Deus e que lhe ensinasse a viver a vida da forma que Ele queria, para que quando O encontrasse, não fosse somente o céu que lhe agradasse, mas também a presença dAquele que proporcionou tudo isso só por amor.

Finalmente entendeu de que modo o sofrimento presente deveria transformá-la: não na garota desmotivada pelas frustrações da vida comum e egoísta, mas fortalecida com um caráter que a aproximasse do Criador, para encontrá-lO e enxergá-lO de maneira que Ele lhe baste completamente, a despeito de todos os privilégios (1Pe 1.6-9, Tg 1.2-3). E até concordou que, para tudo isso, precisava sofrer muito mais… Os sofrimentos que sentia não seriam nada comparados com a abundância de vida, alegria e amor incontáveis, imensuráveis e infinitos que somente Ele pode oferecer a ela depois de tê-la moldado.

Ergueu-se do banco do carro bem motivada a viver uma vida real, mesmo sem as belezas e facilidades que tanto queria, porque, afinal de contas, não importavam, desde que pudesse terminar sua vida sem correr atrás do que não podia dar a paz e que pereceria. As palavras que lera uma vez, em um livro (1), despontaram em sua mente e ela as adaptou como o seu desejo mais sincero para com Jesus: “sou uma garota comum, com pensamentos comuns e vivi uma vida comum. Não há monumentos dedicados a mim, e o meu nome, em breve, será esquecido. Mas amei uma pessoa com toda a minha alma e coração e, para mim, isso sempre bastou.”  

Não queria viver satisfeita com uma salvação, sem desenvolvê-la com temor e tremor (Fp 2.12), somente para alcançar o céu como tantos outros cristãos por aí. Certamente queria prosseguir para o alvo, a fim de ganhar o prêmio celestial do chamado de Deus, em Cristo Jesus (Fp 3.14), mesmo com todas as frustrações e cansaço.  Passou a sonhar em viver terrena e ordinariamente para pudesse seguir ao infinito e além extraordinariamente. E seguiu para o banco da frente, colocou suas mãos no volante e ligou o carro, grata, muito grata por todas as suas decepções.

“Meus irmãos, considerem motivo de grande alegria o fato de passarem por diversas provações, pois vocês sabem que a prova da sua fé produz perseverança. E a perseverança deve ter ação completa, a fim de que vocês sejam maduros e íntegros, sem lhes faltar coisa alguma.” Tiago 1.2,3

(1) Noah Calhun em “O Diário de uma Paixão”, Nicholas Spark.