“Volto atrás quantas vezes for preciso!”, dizia a imagem no Facebook. “Prefiro destruir meu orgulho que ser destruído por ele.” A frase pode ser bonita, mas vivê-la é bem mais difícil que compartilhá-la nas redes sociais.

A verdade é que é muito mais fácil falar sobre perdão do que fazê-lo. Perdoar exige humildade, abandonar o orgulho e dispôr-se a deixar sentimentos de lado em prol da manutenção de relacionamentos. Cresci ouvindo muito sobre perdoar. O famoso 70×7 que Jesus fala aos seus discípulos em Mateus 18.22, mas acho que banalizaram o perdão. Ainda me lembro de ver na TV a mãe que perdera o filho assassinado num tiroteio numa igreja aqui nos EUA oferecendo perdão abertamente para o assassino de seu filho. Não acho que foi errado. Mas talvez estejamos ensinando um perdão muito superficial ou muito fácil de obter.

Meu desejo hoje é tratar os erros que cometemos ao oferecer perdão – e como isso pode ser ruim para o nosso relacionamento com as pessoas. Existem três instâncias no perdão: a disposição de perdoar, o ato de perdoar e o processo do perdão, e é possível cometer erros em qualquer etapa. Enquanto trabalhamos este assunto, gostaria que você trouxesse a memória alguém que tenha te ofendido e como, ou se, foi ofertado perdão. Talvez este artigo possa ser benéfico para o seu relacionamento com Deus ou com esta pessoa. Espero que ambos.

A Disposição de Perdoar 

Alguém te feriu. De uma piada sobre você aos mais diversos tipos de violência física, emocional e verbal. Isso dói. Algumas feridas atingem apenas o nosso orgulho, outras deixam marcas permanentes no nosso corpo e na nossa alma. A maneira como reagimos a essas circunstâncias depende de muitas coisas, desde a profundidade do nosso conhecimento de Deus à proximidade entre nós e o nosso ofensor, à nossa maturidade emocional e relacional. 

Ouvir um “Professora, você é gorda!” de seu aluninho de 4 anos na escola dominical é bem diferente de ouvir isso um “e aí, baleia?” quando você está na quinta série na escola, ou a constante repetição da boca de seus pais de que “Você precisa emagrecer! Nunca vai se casar gorda desse jeito”.

Ao aluninho, o perdão ocorre de maneira tão rápida, que compartilhamos a história com risadas, até mesmo com o nosso paquera. Ao colega de escola, precisamos de um empurrãozinho de nossos pais, e se repetitivos, os efeitos na nossa identidade, ou seja, como nos percebemos enquanto nos desenvolvemos, são profundos, e o processo de perdão mais longo. Aos pais que repetidamente nos ferem, mesmo mediante nossos protestos, a disposição de perdoar demora mais pra chegar.

Usei exemplos simples aqui, mas que são comuns a maioria de nós (você pode trocar o “gorda” por magra, alta ou baixa, ou qualquer outro adjetivo negativo comumente associado a você). Algumas situações que passamos nos atingem tão profundamente, que às vezes nem sabemos por onde começar nosso processo de cura. Minha sugestão é: reflita sobre o perdão de Deus. 

A Bíblia afirma que “quando ainda éramos pecadores, Cristo morreu por nós, o justo pelo injusto” (Rm 5.6-11). Todos nós nascemos em pecado (Rm 3.23), ou seja, naturalmente desejamos aquilo que é contrário à natureza e ao caráter de Deus. E o salário do pecado é a morte (Rm 6.23). Não havia nada de interessante em nós para que Deus se afeiçoasse de nós e as Escrituras deixam claro que estávamos debaixo de sua ira (Rm 5.9). Mas Cristo se humilhou, e assumiu sobre si a morte que era nossa (Fp 2.6-8), para nos reconciliar com Ele (2 Co 5.18). Deus se dispôs a perdoar aqueles que haviam pecado contra Ele, antes mesmo que estes reconhecessem seu erro, ou reconhecessem Sua importância e Seu caráter. Isso inclui cada uma de nós.

Da mesma maneira que Deus está disposto a perdoar aqueles que pecaram contra Ele, nós devemos estar dispostas a perdoar aqueles que pecam contra nós. E essa atitude deve ser repetida 70×7 – ou seja, devemos estar dispostas a perdoar sempre que alguém nos ferir, porque muito mais foi perdoado de nós do que haveremos de precisar perdoar a alguém. 

Em Mateus 18.21-35, Jesus conta uma parábola sobre um homem que devia muito dinheiro ao Rei e que, por causa disso, seria colocado junto com sua família sob o jugo de escravidão. Sua dívida era maior do que o que ele conseguiria acumular em toda uma vida de trabalho, mas ainda assim o Rei lhe perdoou quando ele, se pondo de joelhos, implorou perdão. No entanto, quando saiu do palácio, o jovem recém-perdoado encontrou alguém que lhe devia o que poderia ser pago em um ano mais ou menos, e que se comparado com sua impagável-mas-recém-perdoada dívida, era meramente uns trocados. As Escrituras dizem que, apesar do rapaz pedir-lhe um prazo maior para pagar a dívida, este lhe foi negado porque “ele não estava disposto” (v.30). 

Comparado com aquilo que nos foi perdoado por Deus em Cristo na Cruz, qualquer perdão que tivermos de conceder será pequeno – até mesmo crimes hediondos. Mas a graça da Cruz é que ninguém merece perdão. Perdão é graça e misericórdia. Graça porque é algo  bom que recebemos sem merecer, e misericórdia porque não recebemos o mal (a punição) que merecíamos.

Creio que há dois tipos comuns de erros quanto à nossa disposição. Em primeiro lugar,  podemos não estar dispostos a perdoar porque cremos que há questões nesta terra que são imperdoáveis para nós. Ainda que eu concorde que há ofensas bem difíceis de perdoar, nada se compara à nossa afronta a Deus e, portanto, tudo é possível de ser perdoado dentro da ótica divina. A segunda tem a ver com nossos sentimentos.

Porque o perdão depende de uma atitude de humildade, e esta mexe com nossos sentimentos de amor, paciência, respeito, orgulho, é possível que a disposição de perdoar ocorra na mente, antes que as emoções as acompanhem. Por isso que o perdão não é uma ação única, mas um processo. Falaremos sobre isso mais adiante. O importante aqui é lembrar que, porque fomos perdoadas por Cristo, ainda que nossas emoções não estejam alinhadas com aquilo que sabemos precisar fazer, devemos nos dispôr a perdoar.

No entanto, não quero que confundamos a disposição de perdoar com o ato de perdoar. 

O Ato de Perdoar

Se você ler bem o Novo Testamento, vai encontrar repetidas vezes menções ao amor de Deus por nós e sua disposição em nos perdoar – a razão pela qual Ele mandou Seu Filho Jesus ao mundo. No entanto, o perdão de pecados acontece apenas quando o pecador: a) se arrepende; b) confessa seu pecado; 3) pede perdão.

Se confessarmos os nossos pecados, Ele é fiel e justo para nos perdoar.” 1 João 1.9

Deus está sempre disposto a perdoar o pecador arrependido, conquanto que ele se arrependa e peça perdão.

Assim, o ato de perdoar é a troca que acontece quando o ofensor arrependido se volta para a pessoa a quem ofendeu e, após confessar o seu pecado, pede perdão, e o recebe da pessoa que foi ofendida e está disposta a perdoar.

Em seu livro “O Pacificador”, Ken Sande afirma o que é necessário para o ofensor durante uma confissão: 

  • Abordar todos os envolvidos
  • Evitar as palavras se, mas e talvez
  • Admitir seus erros de maneira específica
  • Reconhecer a dor causada
  • Aceitar as consequências
  • Alterar seu comportamento
  • Pedir perdão

Veja, o pedido de perdão deve vir acompanhado de todas estas atitudes. Então, quando você receber um pedido de perdão, avalie se há arrependimento genuíno e disposição do outro para aceitar consequências e mudar atitudes. Quando oferecemos nosso perdão a alguém que não está arrependido nem pronto para confessar seu erro, banalizamos a ofensa. Se Deus não faz isso, por que deveríamos? 

Uma coisa é conceder desculpas quando um acidente acontece – por não existir intenção de dano ou negligência por trás do acidente, a pessoa fica desculpada, ou seja, a culpa não recai sobre ela, nem sobre ninguém. Mas desculpar o ato intencional e doloso de outra pessoa é tirar a culpa que lhe é devida. 

Ao nos resgatar, Jesus não apenas tomou sobre si o nosso castigo. Ele levou sobre si a nossa culpa. Isso não significa que ninguém mais é culpado, antes, Jesus se fez culpado em nosso lugar e tomou sobre si as consequências do nosso erro, a morte.

A pessoa que nos ofendeu há de sofrer as consequências de seu erro, seja em seu relacionamento com Deus, com outras pessoas, consigo, ou até mesmo enfrentar a punição da lei. Um homicida, um estuprador ou uma pessoa violenta, mesmo que perdoadas por Deus e/ou pelas pessoas que ofenderam, ainda precisam sofrer as consequências da lei. 

Pense por um momento em alguém que lhe ofendeu recentemente. Ainda que o seu coração esteja disposto a conceder o perdão, se esta pessoa não lhe procurar para pedi-lo, confessando exatamente onde errou contra você, ou caso ela não demonstre arrependimento quando confrontada, você não é obrigada a fazer a troca, ainda que disposta em seu coração a fazê-la.

[Adicionado pela autora]: Caso não tenha ficado claro, não há desculpas bíblicas para guardar mágoa contra quem te ofendeu. Como veremos na parte final do artigo, a disposição de perdoar deve nos levar a um comportamento diferente para com a pessoa. Aquele que reconhece o quanto foi perdoado por Cristo não pode se dar o luxo de não estar disposto a perdoar a outrem. Resumidamente, não dizer as palavras “Eu te perdoo” para alguém que não deseja o seu perdão, pois não reconhece o próprio erro. Assim como o perdão de Cristo está disponível a todos, mas só é aplicado a aqueles que se achegam a Ele arrependidos e pedem perdão, assim o nosso perdão para com os outros.

O processo do perdão

Por último, gosto muito como Ken Sande descreve a prática do perdão – não como um momento único em que você diz ao outro “eu te perdôo”, mas como uma constante que envolve decidir:

  1. Não pensar mais sobre a ofensa
  2. Não trazer mais a ofensa à tona ou usá-la contra a pessoa
  3. Não compartilhar a ofensa com outras pessoas
  4. Não permitir que a ofensa permaneça entre você e a outra pessoa, ou que prejudique o relacionamento de vocês.

É muito fácil cair no pecado de agir como se não tivesse perdoado. Continuamos a falar sobre a ofensa, seja com o ofensor tecnicamente “perdoado” por nós ou com outras pessoas, trazemos a ofensa “perdoada” à tona quando a pessoa nos ofende novamente, ainda que em algo completamente diferente – agimos como se não tivéssemos perdoado nada! Mas a disposição em perdoar deve ser seguida pelo ato de perdão, e este ato deve ser confirmado pelo processo do perdão.

Como você pode ver, esse tipo de coisa não acontece em um dia. É necessário esforço, dedicação contínua e uma busca diária de ser como Cristo, de perdoar como ele perdoa, de não carregar a ofensa sobre si. Lembre-se que perdoar é um mandamento, então, como Cristo lhes perdoou, perdoem.

“E quando estiverem orando, se tiverem alguma coisa contra alguém, perdoem-no, para que também o Pai celestial lhes perdoe os seus pecados.” Marcos 11:25

“Suportem-se uns aos outros e perdoem as queixas que tiverem uns contra os outros. Perdoem como o Senhor lhes perdoou.” Colossenses 3:12-17.

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* Voce encontra essas informacoes no livro “O Pacificador” de Ken Sande, da CPAD ou no livro “Conflitos no Lar e as escolhas do pacificador”, da Nutra Publicações, ou uma leitura mais curta deste artigo da Coalização pelo Evangelho.