Estava no quarto quando ela entrou, sentou-se na cadeira olhando fixamente para frente.  Ela suspirou e falou: beijar na boa é bom, é bom demais. Fazia quase cinco meses que ela não ficava com um menino e estava se controlando com todas as forças para não cair nessa tentação. Uma menina linda que não precisava se esforçar muito para ser admirada.  Apenas lhe respondi: “o que aconteceu? Ficou com algum menino?” Ela só balançou a cabeça como se dissesse “sim”. Sabia que eu não ia gostar de saber que tinha se dado descontroladamente sem compromisso para outro rapaz depois de tanto se segurar. E de verdade, eu fiquei triste por ela, eram tantas recaídas que eu estava desesperançada.  Mas por que ela me contou se sabia que eu passaria um “sermão” nela? Ela podia ter escondido. Depois de conversar de novo sobre o que esse tipo de comportamento podia prejudicá-la e afetar seu relacionamento com Deus, ela deixou o quarto com o celular na mão e colocou músicas cristãs para ouvir. Ela se arrependia, arrependia de verdade, mas tinha dificuldade em ser “vitoriosa” em relação a essa área de pureza sexual.  Que sofrimento saber o que não deve fazer, mas recorrer ao erro!

A verdade é que Deus não nos tenta e não nos leva ao pecado (Tg 1.13,14), mas Ele permite que as Suas passem por isso. É difícil aceitar isso, porque queremos vencer o pecado de uma vez por todas e parar de sofrer e Ele é o único que pode nos responder a esse pedido.  Por que, então, Ele não faz isso? Por algumas razões…

  1. Ele quer que respondamos adequadamente ao pecado. A atitude correta ao olhar para o pecado não é de remorso, depressão e drama. É verdade que é difícil querer lutar contra e cair no pecado de novo, e isso dói, mas esse tipo de tristeza pecaminosa leva ao desânimo e a desistência da luta. A melhor atitude é de arrependimento, de confessar o pecado e pedir socorro para Ele. É reconhecer que somente porque Ele é imensuravelmente grande que podemos ser melhores mesmo sendo vulneráveis e pequenas. Isso nos leva a uma alegria e renova nossas forças (1Tm 1.15-16; 1Jo 1.9; At 3.19; Lc 15.10, 2Co 12.10);
  2. Ele quer que sejamos gratas. Quando reconhecemos que Ele é gracioso, paciente com nossas recaídas e que ainda nos segura pela mão de perto, mesmo imundas de pecado, só podemos ser gratas e ficar em paz mesmo nas horas difíceis (Fp 4.4, 10-11);
  3. Ele quer que tenhamos olhos misericordiosos. Quando nos damos conta da dificuldade de manter a santidade, temos misericórdia do próximo que caiu em pecado, seja qual for. Muitas vezes podemos nos pegar pensando que nunca faríamos tal “coisa”, mas o pecado não deve nos surpreender. Ele ou o receio de cometê-lo deve nos levar aos pés da cruz para olhar para Cristo e nos dar conta de que somente por ele podemos nos achegar ao Pai e não cometer qualquer pecado. Somos humildes e misericordiosos com o próximo. Entendemos que, assim como o Pai nos perdoa, devemos perdoar também (Mt 8.21-22, Mc 11.25-26, Cl 3.13);
  4. Ele quer nos transformar a cada dia. A caminhada cristã é um processo, basta relembrar as histórias de homens que foram fiéis a Deus, como Davi, Paulo, Pedro. Embora eles tenham sido homens de destaque, também viveram pecados horríveis durante sua vida toda.  Paulo falou sobre um espinho da carne que o atormentava, mas Deus não lhe tirou, pelo contrário, foi sua força (2Co 12.7-10). Ele mesmo escreveu também sobre o conflito de querer fazer o certo, mas não conseguir (Rm 7.15). Isso, porque Deus nos transforma conforme Sua vontade, em Seu tempo. E Ele quer nos transformar até partimos e estarmos com Ele durante toda a nossa vida.  Seremos apenas livres do pecado em Sua presença (2Co 3.12-18);
  5. Ele quer que entendamos o sofrimento. Sim, o pecado pode parecer prazeroso em alguma medida, mas ele nos faz sofrer, em especial, quando queremos vencê-lo a nossas custas. E o cristão nunca será livre do sofrimento, ele é uma realidade (2Tm 3.12). Contudo, existem aspectos da beleza de Cristo que só entendemos quando sofremos. Como escreveu C.S. Lewis: Deus sussurra em nosso prazer e nos grita na nossa dor.  E como C.H. Spurgeon escreveu: aqueles que mergulham no mar de aflições trazem pérolas raras para cima. O sofrimento gera intimidade com Deus (Jó 42.5), demonstra que somos Suas e que somos abençoadas (1Pe 4.14, Fp 3.8-11). Nesses momentos, precisamos relembrar de que o sofrimento não começou nem terminará em nós (1Pe 5.9) e Ele o permite porque um dia ele será exterminado para Sua glória (Ap 21.4). E ainda haverá recompensas para os que sofreram (Cl 3.23,24). Dessa perspectiva, o sofrimento é um privilégio e precisamos ver sua parte positiva e nos alegrar (1Pe 4.13), pois nos ensina mais sobre o Deus de graça e misericórdia;
  6. Ele quer que dependamos dEle. Orar por um pecado, quebrantar-se diante dEle por vários dias, meses, não instantaneamente, nos torna dependentes dEle. Passamos a entender que Ele é quem pode nos dar a força necessária para reagirmos contra o pecado e nos manter fiéis mesmo depois de recaídas. Ele é quem pode transformar o nosso coração, não nós mesmas. Ele é o responsável pela mudança genuína, porque sem Ele nada podemos fazer (Jo 15.1-8, 2Co 2.4); 
  7. Ele quer que aprendamos a descansar nEle. Depois de conhecer a Sua Palavra e de aplicá-la, de saber que fizemos também a nossa parte com relação ao arrependimento do pecado e a persistência na luta contra ele, devemos descansar nEle. O descanso é um convite dEle para as Suas filhas, mas é um exercício que demanda esforço, porque com o coração agitado e autossuficiente, esquecemos que ele também vem dEle. Precisamos desfrutar da calmaria da comunhão com Ele, por meio da oração, da reflexão, da leitura de bons livros, de momentos de prazer e relaxamento também (Hb 4.9-11; Mt 11.28-30);
  8. Ele quer que aprendamos a viver em comunidade. “A caminhada cristã não é solitária, a vida do cristão não é privada.” Foi essa frase que ouvi em uma aula. O que meu professor nos ensinou com ela é que temos nossos irmãos na fé como mais uma benção dEle para aprendermos uns com os outros e pedirmos ajuda também. Mas, a vida em comunidade depende da nossa disposição em revelar nossa vulnerabilidade. Claro que devemos fazer isso com sabedoria e não sair por aí nos expondo aleatoriamente, mas a ideia é de que o nosso pecado e a luta contra ele não precisa ser um sofrimento de autosalvação e solidão. Podemos contar com o apoio de amigas sábias que, às vezes, até podem ter a mesma luta que a nossa. E caso não tenham, Deus coloca pessoas “fortes” em área que somos “fracas” para nos ensinar. Que privilégio poder fazer parte da igreja dEle (Pv 19.20; Rm 12.4-5; Hb 10.25; Hb 3.13; 1Ts 5.11); 
  9. Ele quer que experimentemos Sua graça. Ele é o único que pode nos ajudar a descansarmos nos dias difíceis, a termos forças sobrenaturalmente quando aparentemente elas se esgotam. É o único capaz de nos livrar da nossa vergonha e da nossa culpa.  É quem pode permitir que nos momentos desérticos, ainda desfrutemos oásis de paz, alívio, renovo e alegria. Ele está sempre conosco, mesmo quando não merecemos. Ele nos dá descanso de nós mesmas, das nossas crises. E nos capacita a ser, fazer e ter tudo. Isso é graça: não merecer nada, mas receber tudo nEle [salvação, perdão, bençãos, dons] (Pv 19.23, Sl 32.5, Sl 51.2, Is 40.29-31, Fp 2.13, Sl 37.4, Fp 4.19, Mt 6.33)!

Dessa forma, percebemos que está tudo bem em cair, repetir a queda e cair de novo, desde que sempre levantemos cientes de que Ele quem estende Seus braços e nos ajuda sermos santas. Ser santa como Ele é santo é (Mt 5.48) justamente entender que somos imperfeitas e estar sempre prontas a reagir contra o pecado, não importam quantas quedas aconteceram, em dependência dEle. Depender na prática é orar, nos debruçar sobre a Palavra, desfrutar dela e ainda aplicá-la. É caminhar dia a dia com Ele, submissas a Sua vontade. 

De forma geral, Ele permite a dureza dessa caminhada de tombos e crescimento espiritual porque quer forjar em nós a imagem de Seu Filho (Rm 8.28,29) e trabalhar a HUMILDADE em nosso coração (Pv 22.4). E Ele sempre nos perdoará quando nos aproximarmos dEle quebrantadas (Sl 25.11,18; Sl 32.1,5). Mas isso não deve nos levar ao comodismo de viver no pecado, pois o pecado tem suas consequências e cada vez que afundamos mais, mais difícil de nos livrarmos dele e de manter o relacionamento com o Pai (Gl 5.13, 6.8).  Isso deve nos levar a uma vida de oração, de conhecimento e prática das Escrituras para continuarmos fortes quando fracas, gratas e misericordiosas. E, pensando sobre tudo isso… cair e levantar com Ele é bom, é bom demais.

Se você está lendo isto e se sente fraco, por favor encoraje-se […]. Embora Deus não tenha criado essa sua luta nem tente você a isso, ele o chamou para caminhar com Ele. Deus lhe designa essa luta e lhe mostra Seu amor quando o chama a passar através dela. […] Não existe nenhum pecado debaixo do sol que surpreenda a Deus e o afaste de você.  […] Pecado é pecado, e estamos todos no mesmo barco, não importando o foco de nossos desejos pecaminosos. As raízes do pecado e do nosso coração são iguais, ainda que as manifestações exteriores variem imensamente. Muitas vezes, Deus realiza seus mais magníficos trabalhos naqueles que consideram seus pecados os mais vergonhosos. […] Se você está em Cristo, você é querido, é lavado, é limpo e está envolvido com as vestes perfeitas de sua bondade. Onde quer que você tenha pecado e continue pecando, Jesus obedeceu em seu lugar. Isso significa que você é livre para lutar e fracassar, livre para crescer lentamente, livre, às vezes, para não crescer, livre para se entregar à misericórdia de Deus por toda a vida. Derrotas repetidas não significam que você não foi salvo ou que Deus esteja cansado e desapontado com você. Significa que Ele o chamou para uma batalha dura e o segurará quando estiver caindo e o trará em segurança para casa. Você tem uma grande razão para ter esperança. Deus está trabalhando fielmente em você, e ele muda realmente o seu povo. Deus pode mudar seus desejos ou amenizar sua batalha ou pode lhe dar paz e alegria em meio a pensamentos e desejos que não mudam. […] Está sempre a seu favor, nunca contra. Você também é um troféu da graça e brilhará por toda a eternidade na divina vitrine celestial, como um dos ornamentos que decorarão os corredores do céu para trazer glória a Deus para sempre. Como Tullian Tchividjian disse:

Porque Jesus foi forte por mim, sou livre para ser fraco.

Porque Jesus venceu por mim, sou livre para perder.

Porque Jesus era Alguém, sou livre para ser ninguém.

Porque Jesus era extraordinário, sou livre para ser ordinário.

Porque Jesus venceu por mim, sou livre para fracassar.”