– Cuidado com Ela!

– Ela? Ela quem?

– Sim, cuidado! Tome muito cuidado com ela… Ela, que se vangloria de grandes coisas! Ela que é um fogo, um mundo de iniquidade, que contamina a pessoa por inteiro, que incendeia todo o curso da vida e é incendiada pelo inferno. Ela que não é domada por ninguém e cheia de veneno. Cuidado com Ela!

É com esses termos pesados e quase intragáveis que o capitulo 3 do livro de Tiago se refere à língua, ou seja, ao impacto devastador e pecaminoso que nossas palavras podem ter sobre as nossas vidas e sobre aqueles ao nosso redor. Isso somado à realidade que nos é apontada pelo evangelho de Mateus capitulo 12 versículo 34, de que aquilo que falamos simplesmente expõe o que está em nosso coração, nos leva a concluir que precisamos tomar muito cuidado com ela. Por entendermos a importância e a urgência desse assunto, a língua será o tema da série de Outubro aqui no CM. Para uma melhor abordagem, os pecados decorrentes dela serão divididos em quatro categorias: (1) Fofoca; (2) Murmuração; (3) Crítica e Julgamento e (4) Mentira.

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Assim, para começar, trataremos da boa e velha ‘Fofoca’! Há poucos dias li uma reportagem sobre uma jornalista de uma emissora brasileira que foi processada por uma personalidade global no valor de R$450 mil. O motivo? A jornalista fez comentários sobre o casamento do indivíduo e especulou sobre uma possível crise conjugal. Mas a questão financeira está resolvida, a emissora arcará com os custos do processo, e não somente deste, mas de tantos outros movidos contra a ré. Mas por que o canal de TV não a demite e pára de ter tanto prejuízo com os processos? Porque fofoca gera ibope. Porque polêmica gera ibope. A audiência conseguida às custas de calúnias e comentários sobre a vida dos famosos supera os pequenos detalhes judiciais e financeiros. Basta olharmos as quantidades de revistas e sites que giram em torno dos mexericos sobre a vida daqueles expostos às lentes da mídia. E não precisamos nem ir tão longe, muito provavelmente você já teve contato, foi alvo ou protagonizou alguma fofoca.

A fofoca está impregnada em nossa realidade porque é legal saber da notícia mais quente das últimas horas (mesmo que a procedência seja duvidosa), é legal ser popular e sempre ter algo a dizer (mesmo que isso custe a reputação de alguém), é legal criticar a beleza, a atitude ou o feito de alguém e fazer com que concordem com você (mas lá no fundo só você sabe o quanto a inveja motivou o comentário)… Provérbios 18.8 nos ensina que “as palavras do caluniador são como petiscos deliciosos; descem até o íntimo do homem”, ou seja, o homem natural, corrompido pelo pecado, encontra prazer nas palavras maldizentes.

Paul Tripp, em seu livro Guerra de Palavras faz uma importante constatação sobre esse pecado em nossas vidas:

“Precisamos humildemente confessar que há problemas em nossa fala. […] Não temos falado de um modo que mantém o padrão e o desígnio de Deus. Com frequência descemos ao padrão do Pai da mentira, aquele que engana, divide e destrói – o próprio Satanás. Armamos ciladas com nossas palavras. Nossa fala tem levantado dissensão. Falamos demais e sem pensar. Nossas palavras são precipitadas. Cedemos à fofoca e em nossa raiva nossas palavras tem sido maliciosas. Somos rixosos. Algumas vezes nos deliciamos com nossas opiniões. Cedemos ao escárnio. Traímos a confiança de outros com nossas palavras.” (Paul Tripp em “Guerra de Palavras”)

Infelizmente, por causa da natureza pecaminosa da qual ainda partilhamos (que pela graça de Deus está no processo de transformação à imagem de Cristo), nos depararemos com a tentação (e talvez até cederemos à ela) de fofocar. Este artigo é um convite à reflexão de como Deus trata esse assunto, de como a fofoca revela a pecaminosidade do nosso coração e de como as consequências podem ser catastróficas.

Para começar, precisamos definir o que é fofoca. Confesso que fiquei impressionada com a abrangência do termo e fiz um resumo com todas as palavras relacionadas a ele para compreendermos melhor:

FOFOCA

  • Ato de querer saber para ir contar a outro;
  • Fato ou coisa contada em segredo, sem o conhecimento do visado ou sem conhecimento real ou efetivo.
Caluniar Falsa acusação. Atribuir de má fé um ato a outra pessoa.
Fuxicar A origem da palavra tem a ver com um indivíduo que não merece ser levado em consideração.
Xeretar Deriva da palavra cheiro, pois a pessoa anda como um cachorro procurando qualquer “cheiro” de informação que possa passar adiante.
Mexerico Origina-se em “mexer”. Tem a ver com mexer em informações alheias.
Boatos Do latim, “mugido, grito”. Ou seja, barulhos sem importância.
Bisbilhotar Procurar, meter-se em informações alheias = intrometer-se.
Maledicência Junção das palavras “mal”+”dizer”.
Insinuação Proveniente do latim, tem a ver com “trazer por vias tortas”.
Mentira Do latim, “enganar, dizer falsidade”.
Dicionário Priberam Fonte de consulta: origemdapalavra.com.br

Com base nos termos acima relacionados, creio que uma boa definição alternativa para fofoca seria “fazer um comentário sobre alguém que não seria feito na presença do mesmo, seja esse comentário um fato real, uma constatação, uma insinuação ou uma calúnia explícita”. Bem abrangente, não? A questão da fofoca é que, independente do teor verdadeiro ou não da informação passada, ela é feita em segredo, sem o consentimento da pessoa contemplada pelos comentários. A própria necessidade de ser feita em secreto, já revela que os efeitos são devastadores. Toda fofoca contamina a reputação de alguém, denigre a imagem da pessoa diante dos outros.

1. Como Deus trata desse assunto

Quem muito fala trai a confidência, mas quem merece confiança guarda o segredo. Pv 11:13

Quem vive contando casos não guarda segredo; por isso, evite quem fala demais. Pv 20.19

Em primeiro lugar, a Bíblia diz que alguém que fala demais e fica constantemente “contando casos”, ou seja, falando da vida dos outros, não é digno de confiança, é uma pessoa que deve ser evitada. É impossível falar demais e falar apenas o que é sábio, quem fala demais acaba tropeçando no falar e o livro de Provérbios ressalta quanta sabedoria há no silêncio e em dominar-se nas palavras para que se fale o que edifica e agrada a Deus.

Há seis coisas que o Senhor odeia, sete coisas que ele detesta: olhos altivos, língua mentirosa, mãos que derramam sangue inocente, coração que traça planos perversos, pés que se apressam para fazer o mal, a testemunha falsa que espalha mentiras e aquele que provoca discórdia entre irmãos. Pv 6.16-19

Importante ressaltar que dos sete pecados listados como odiosos diante de Deus, três deles são relacionados diretamente à língua, sendo que os dois últimos são desdobramentos da fofoca. A fofoca semeia discórdia e isso é abominável aos olhos do Senhor.

Semelhantemente, ensine as mulheres mais velhas a serem reverentes na sua maneira de viver, a não serem caluniadoras nem escravizadas a muito vinho, mas a serem capazes de ensinar o que é bom. Tt 2:3

As mulheres igualmente sejam dignas, não caluniadoras, mas sóbrias e confiáveis em tudo. 1 Tm 3.11

Além disso, aprendem a ficar ociosas, andando de casa em casa; e não se tornam apenas ociosas, mas também fofoqueiras e indiscretas, falando coisas que não devem. 1 Timóteo 5:13

Nos ensinos de Provérbios, o princípio é direcionado à todos. Mas há algo interessante a ser ressaltado: o ensino do NT quanto ao domínio da língua é direcionado às mulheres. Quando Paulo escreve as cartas às igrejas daquele tempo, ele estava tratando problemas existentes e ensinando a sã doutrina, e provavelmente entre as mulheres estavam sendo disseminadas fofocas e divisões. Isso não quer dizer que os homens não lidam com a tentação da fofoca, mas é curioso e um alerta para nós que esse ensino tenha sido direcionado às mulheres. Em geral, nós mulheres falamos mais, observamos mais, comentamos mais e a Palavra nos alerta: “quando são muitas as palavras o pecado está presente, mas quem controla a língua é sensato”. Pv 10:19.

O três textos relacionados acima tratam o controle das palavras como dignidade e reverência, ao passo que, em contraste, a língua caluniadora tem a ver com indiscrição e um estilo de vida que não se deve viver.

2. Como a fofoca revela a pecaminosidade do nosso coração

É preciso tomar cuidado para não cairmos no legalismo. Então, não podemos conversar sobre ninguém? Será que notícias e novidades sobre alguém não podem ser contadas a terceiros mediante uma preocupação e um cuidado legítimos? Claro que sim! A questão gira em torno da motivação do seu coração.

Comece a observar suas palavras e por quê você fala o que você fala. Você gosta de comentar sobre a vida dos outros porque não gosta de ser a última a saber das coisas ou gosta de mostrar que está sempre por dentro de tudo? Isso revela o orgulho do coração. Você critica a roupa, a aparência, os pertences, a festa de outra pessoa porque, silenciosamente, sente inveja? Isso revela um coração insatisfeito. Você fala sobre a deplorável situação de vida em que alguém se encontra, porque lá no fundo você compara sua vida e quer mostrar que você não está tão mal, ou mesmo, usa a crítica ao outro para evidenciar disfarçadamente seu sucesso? Isso é pecado… Percebe como a fofoca está intimamente ligada à motivações pecaminosas? A fofoca não é simplesmente comentar sobre a vida de alguém, mas é fazê-lo com intenções erradas.

3. As consequências podem ser catastróficas

Certa vez ouvi uma ilustração que me marcou. Um pastor havia sido vítima de uma fofoca devastadora que se espalhou e causou divisões em seu ministério. Depois de um tempo, a pessoa responsável por espalhar o boato se arrependeu e pediu perdão ao pastor que graciosamente o concedeu. No entanto, ele tinha uma importante lição a ensinar àquela pessoa. Ele pegou um travesseiro de penas, entregou nas mão daquela pessoa e pediu que ela o chacoalhasse até rasgar. Logo incontáveis pequenas penas se espalharam por todo o canto, deixando o cômodo onde estavam recoberto e esbranquiçado… Então o pastor pediu que aquela pessoa juntasse tais penas, mas ela respondeu que ainda que passasse horas ali seria impossível juntar todas. Com pesar, mas de maneira amorosa, ele disse que esse era o alcance das palavras maldosas que foram espalhadas. É impossível mensurar o estrago de palavras venenosas que são disseminadas de maneira impensada.

Queridas, precisamos pôr guarda às nossas palavras. Elas podem ser altamente destrutivas e causar estragos irreparáveis. Há igrejas e famílias inteiras que se dividem por intrigas originadas em boatos, fofocas e comentários insensatos. Isso causa dor, mágoas profundas, mancha a imagem de Cristo em nós e é um péssimo testemunho num mundo carente por ver a luz de Cristo.

Para concluir, Efésios 4:29 nos ensina a colocarmos um filtro em nossas palavras. Toda vez que você for fazer um comentário sobre alguém, pergunte a si mesma em silêncio: o que eu vou dizer edifica? É necessário? Transmite graça a quem ouve? Se a resposta for sim, fale na certeza de que suas palavras glorificarão a Deus. Se for não, louve a Deus com seu silêncio. Não comente impressões, não passe a diante informações de procedência duvidosa, não abra sua boca para compartilhar nada se a intenção do seu coração for duvidosa. E o mais importante, essa é uma luta contra a sua carne e você não está sozinha! É somente pela Graça de Cristo atuando em nós e na humilde dependência dEle é que poderemos expressar a redenção que nos alcançou através daquilo que falamos e, assim, abençoar ao outros com o que falamos. Termino este artigo com mais dois trechos do livro do Paul Tripp já mencionado aqui. Que Deus te abençoe e te capacite a guardar suas palavras para a glória dEle!

“A fala saudável do corpo de Cristo no lar, na igreja ou no trabalho fundamentam-se nas realidades gloriosas do Evangelho. A Palavra veio e trouxe tudo o que precisamos para viver uma vida de fala piedosa. Por que Ele veio, podemos ter esperança que nossas palavras seguirão o padrão do grande orador em vez do grande enganador. Ele veio para nos livrar do terrível dano da queda, quando o maravilhoso dom da comunicação se tornou um terrível mundo de problemas. Cristo veio pra domar aquilo que o homem nunca iria conseguir. […] Ele veio para nos prover com riquezas gloriosas e poder incomparável para que nossas línguas possam ser usadas como seus instrumentos de retidão.

Vencer a guerra significa escolher as nossas palavras com cuidado. Nós não queremos dar qualquer ocasião em nossa fala para as paixões e desejos da natureza pecaminosa. Em nossa arrogância e inveja, não queremos provocar outros a pecar. Nós não queremos nos morder e devorar uns aos outros com palavras. Ao contrário, estamos comprometidos a servir os outros em amor com toda a nossa fala. Nós queremos falar em sincronia com o que o Espírito está produzindo em nós e nos outros. […] Um compromisso de vencer a guerra de palavras nos chama para escolhermos bem as nossas palavras. […] Escolher suas palavras não significa escrever um roteiro para cada conversa. Ao contrário, ser intencional de maneira redentora. Se meu propósito (intenção) é funcionar como um representante de Deus, então preciso investir tempo para considerar o que isso significa praticamente naquela circunstância, com aquela pessoa. Muito do dano que causamos ocorre porque não nos preparamos desse modo.” (Paul Tripp em “Guerra de Palavras”)