Responsabilizar rima com trabalhar. Rima pobre, mas é rima. Nessa série vimos que a vida nos impõe responsabilidades das quais não podemos fugir, ainda que nos pareçam assustadoras, entediantes ou tão ordinárias, que aparentemente não merecem nossa atenção e empenho. Disfarçar, deixar para depois, empurrar a culpa para outros… nada disso é suficiente para blindar-nos das dificuldades da vida. Por que, então, Deus não fez as coisas mais fáceis para nós? Se essa é a pergunta que não quer calar, há esperança! Porque “sim”, Deus fez as coisas mais fáceis, mas nós insistimos em mantê-las difíceis. Porém, não confunda “mais fáceis” com “automáticas”. Quando falamos sobre “mais fáceis”, queremos dizer que Deus planejou uma parceria conosco, em que nos responsabilizamos e trabalhamos com todo o empenho, mas recebemos dEle toda a força de que precisamos, até mesmo para termos vontade de começar tudo o que há a ser feito. Palavras do apóstolo Paulo:

Trabalhem com afinco a sua salvação, obedecendo a Deus com reverência e temor. Pois Deus está agindo em vocês, dando-lhes o desejo e o poder de realizarem aquilo que é do agrado dele. (Fp. 2.12,13)

1. Deus trabalha

Embora Paulo mencione em primeira mão a nossa responsabilidade de agir em benefício da salvação que recebemos, a conclusão do seu raciocínio nos aponta a verdadeira ordem das coisas: Deus trabalhou primeiro e continua a trabalhar em nós. Nossa ação é, em última análise, uma reação. O importante é percebermos como o trabalho de Deus nos alcança e nos beneficia.

Deus trabalhou em favor de inimigas e pecadoras (cf. Rm 5.8). Nosso currículo era péssimo quando o Pai, movido por Seu amor compassivo, entregou o Filho para responsabilizar-SE por nossa culpa. Não podemos reclamar direitos, nem nos orgulhar de nenhuma realização que tenha chamado a atenção do Todo-Poderoso para o nosso “inestimável valor”. Foi pura graça!

O poder de Deus venceu o domínio de Satanás sobre nós (cf Ef 2.1-3). Estávamos presas à rebeldia e à desobediência porque seguíamos as ordens do inimigo de Deus. Estávamos mortas. Pelo trabalho obediente do Filho recebemos nova vida e liberdade. Agora, sim, temos condição de escolher a Quem serviremos e por Quem trabalharemos.

O Espírito de Deus está trabalhando e continuará a trabalhar para que a transformação em nossa vida seja visível e traga mais glória ao nome do Senhor até que venha a eternidade (cf. Fp 1.6; 2 Co 3.18). É pela força do Espírito Santo que nos engajamos na luta contra o pecado diariamente, para subjugarmos nossa vontade egoísta à boa e perfeita vontade de Deus. É por intermédio do Espírito Santo que habita em nós que somos despertadas para a prática das boas obras que testemunham do amor do Criador à humanidade (cf Gl 5.22,23).

2. Eu devo trabalhar também

Paulo não disse que nossa salvação será desenvolvida “num passe de mágica”, mas que devemos trabalhar para vê-la frutificar. A vida cristã responsável é o que a Bíblia chama de “piedade”. Podemos compreender melhor o significado de piedade pela definição do seu antônimo “impiedade”. No livro “Pecados Intocáveis”, de Jerry Bridges, lemos o seguinte:

Impiedade pode ser definida como viver sem pensar – ou pensar pouco – em Deus, ou na vontade de Deus, ou na glória de Deus, ou na dependência de Deus. Não é difícil notar que a pessoa pode ter uma vida decente e ser ímpia, uma vez que Deus é irrelevante no seu dia a dia. […] São pessoas simpáticas, educadas e caridosas, mas Deus está longe de seus pensamentos. Talvez até passem uma hora por semana na igreja, mas vivem os outros dias como se Deus não existisse.[…] A tristeza é que muitos de nós que são cristãos vivem o dia a dia sem pensar muito em Deus, ou nem sequer pensamos. É até possível que leiamos a Bíblia e oremos por alguns minutos pela manhã; mas, logo em seguida, já nos detemos com nossos afazeres, e vivemos basicamente como se Deus não existisse. Dificilmente levamos em conta nossa dependência de Deus ou nossa responsabilidade para com ele. [1]

Assim compreendemos melhor o que Paulo tinha em mente ao nos convocar para trabalhar: é um paradoxo entre “agir” e “depender”. Agimos resistindo ao pecado quando somos tentadas, mas só o fazemos em dependência absoluta da força de Deus para nos fazer desejar viver em obediência aos Seus preceitos. Agimos na busca por justiça e assistência aos desamparados, mas só o fazemos movidas pelo amor que recebemos de Deus e que nos capacita a amar e nos compadecer do próximo. Agimos defendendo a fé contra ideologias que pretendem nos enredar para desonrarmos a Deus, mas só o fazemos mediante a sabedoria que procede do Pai das luzes para clarear o nosso entendimento.

Deus nos criou para as responsabilidades, porém não nos largou desamparadas para nos assistir sofrer como um sádico. Antes, ofereceu-nos o recurso da dependência, que nos leva a equilibrar a responsabilidade pessoal de realizar com o poder de Deus para nos capacitar. A verdade é que sem Deus, não podemos fazer o que Ele nos chama a fazer. A boa notícia é que, com Ele, podemos. Façamos, então, a nossa parte, sempre contando com a maravilhosa graça capacitadora do nosso bom Deus.

[1] BRIDGES, Jerry. Pecados Intocáveis. São Paulo: Vida Nova, 2012. p. 54.