“O sacerdote queimará (a gordura do sacrifício) sobre o altar, em cima das ofertas queimadas do Senhor; assim, o sacerdote, por essa pessoa, fará expiação do seu pecado que cometeu, e lhe será perdoado.”

Costumamos ouvir e falar sobre Cristo como “o Cordeiro que tira o pecado do mundo”, aquele que “se ofereceu em nosso lugar”, que “morreu para nos purificar do pecado”, que “nos deu paz com Deus por seu sacrifício”, que “nos reconciliou consigo mesmo e com os outros”. Essas imagens não fazem sentido nenhum se não entendermos também as últimas duas ofertas, que eram obrigatórias: a oferta pelo pecado e a oferta pela culpa (ou restituição).

A oferta pelo pecado (Lv 4-5), ainda que o tipo de animal variasse dependendo da posição econômica e papel social de quem a apresentasse, deveria ser apresentada em dois tipos de situação: para expiação de alguém que houvesse pecado por ignorância (sem intenção) ou para purificação daquele que estivesse em condição impura.(1) O propósito desta oferta era duplo. Primeiro, a retirada do pecado – o ofertante colocava sua mão sobre a cabeça do animal antes que ele fosse sacrificado e sua morte pagasse o preço da ofensa. A frase “o seu pecado será perdoado” aparece oito vezes nestes dois capítulos! Em segundo lugar, essa oferta também servia para  purificação do pecador e do santuário. Há uma diferença aqui: se o pecado fosse cometido por indivíduos, incluindo os governantes, o sangue do animal era aspergido no altar, fora do Tabernáculo; mas se o pecado fosse cometido por um sacerdote ou pela nação de Israel, o sangue precisaria ir dentro do Tabernáculo, sendo aspergido na entrada do Santo dos Santos, onde Deus estava. Somente assim haveria purificação. 

Quando Jesus morreu na cruz, ele abriu um caminho para que o pecado fosse tirado de nós. Quando cremos nele, simbolicamente colocamos nossas mãos sobre Sua cabeça, transferindo nossa culpa e pecado, confiando que a nossa pena foi paga por Ele. Por causa disso, podemos ouvir de Deus “você está perdoado”. Mas o sangue de Cristo faz mais que isso, ele nos purifica. 

Deus não mora mais em uma tenda – Ele faz morada naquele que coloca sua fé em Cristo. Mas como isso é possível, se nosso corpo, o atual templo do Espírito, ainda sofre com o pecado? Por meio do sangue de Cristo. Hebreus 9.24 diz que “Cristo não entrou em santuário feito por mãos, figura do verdadeiro, porém no mesmo céu, para comparecer, agora, por nós, diante de Deus”. Seu sangue não foi colocado no altar apenas, mas levado à presença do próprio Deus! Pelo sacrifício de Cristo, temos acesso completo a Deus. O que os sacrifícios de Levítico faziam de forma imperfeita, Jesus completou com perfeição.

A oferta pela culpa (ou de restituição) é uma oferta um pouco mais complexa. Ela tem um propósito duplo, porque o pecado afeta não apenas o nosso relacionamento com Deus mas também com nós mesmos e com aqueles que estão à nossa volta.

Um dos principais efeitos do pecado é a culpa de quem pecou. A culpa é mais do que sentir-se mal (remorso), é temer a punição ou o custo da sua ofensa; é a antecipação da pena que você merece. Mas o pecado também afeta as pessoas – enquanto sofremos por antecipação a culpa por aquilo que fizemos aos outros, o sofrimento deles é real e presente. Por exemplo, se você contar falar mal de uma menina para os rapazes da igreja, talvez se sinta mal ou com medo de algum líder descobrir, mas ela sofrerá imediatamente o escárnio, o desprezo ou o isolamento de outros.

Por essa razão, a oferta pela culpa também é chamada de restituição, já que um dos propósitos dela era reparar, corrigir o dano, pagar a dívida da ação maligna. Enquanto o sacrifício no tabernáculo declarava àquele que pecou que seus pecados estavam perdoados e não havia mais razão para temer a punição, havia um ato de reparação que deveria ser feito pelo pecador. Ao ofertar, o ofensor também deveria pagar a reparação mais 20% de qualquer dano financeiro, físico ou pessoal ao ofendido. Assim, os três efeitos do pecado são atingidos com esta oferta: o relacionamento de Deus com o homem, o homem consigo mesmo e entre os homens.

Mas sabemos muito bem que qualquer reparação que tentarmos não é perfeita. Não traz a reputação de volta, não elimina a dor do ofendido, não repara o relacionamento a ponto de trazer de volta a confiança mútua, e muito menos traz um morto de volta à vida. Também não tira a culpa completamente da consciência – consegue imaginar alguém que matou um amigo, ainda que não intencionalmente, quantas vezes ele ofereceria sacrifício por causa da culpa na sua consciência?

Por isso precisávamos de Jesus. Só Ele tira de nós toda a culpa, e nos muda para que, através de nós, os efeitos do pecado sejam minimizados aqui na Terra, e permanente retirados na eternidade – Ele nos renova. Hebreus 10.22 diz que a nossa consciência foi purificada pelo sangue de Jesus. A presença do Espírito em nós é a nossa constante certeza de que nossa culpa foi removida. Ele nos muda radicalmente para que busquemos reparação com todas as nossas forças, e também trabalha no coração das pessoas para restaurar o que foi partido por nós. O melhor? Ele não adiciona 20% – Ele faz tudo novo. “Eis que faço novas todas as coisas (Apocalipse 21:5).

“No segundo ano após a saída dos filhos de Israel do Egito, no primeiro dia do segundo mês, o Senhor falou a Moisés, no deserto do Sinai, na tenda do encontro, dizendo…” Números 1.1 

Funcionou. Lembra de Levítico 1:1? Deus falou com Moisés DA tenda. Deus dentro, Moisés fora. Agora, Deus fala com Moisés NA tenda. Moisés pode entrar. 

Oração: Senhor, quantas vezes deixei de ler certas partes da Bíblia por achá-las difíceis, sem buscar entender aquilo que o Senhor escreveu pra mim. Cria em mim amor por Tua Palavra, cada versículo. Ajuda-me a entendê-la, pois só assim verei com clareza a imagem que pintastes do Teu amor por mim, Teu desejo de estar conosco e Tua obra para que estejamos contigo. Obrigada por Jesus e Seu sacrifício na Cruz por mim. Obrigada pelo Espírito que constantemente me auxilia a manter-me pura. E obrigada por Teu amor, que me escolheu e me tornou santa para viver eternamente contigo. Amém. 

  • Pureza/impureza é um conceito muito específico na Lei Hebraica. Impureza é definida como “ausência de santidade”, e se santidade é “vida, “vitalidade”, ou seja, aquilo que vem da fonte de toda a vida, o Criador, aquilo que está distante ou separado de sua fonte é “morte”, “impureza”. Assim a pureza/impureza cerimonial de Levítico está relacionada à contaminação ou correlação com a morte. Um homem poderia estar impuro por uma doença como a lepra, ou uma mulher em seu período menstrual, ou alguém que houvesse tocado um cadáver – coisas que representam ou refletem a ausência de vida ou vitalidade. Ainda que isso não faça completamente sentido para nós, é importante entendê-lo para compreender o nível de santidade, o quão separado, distinto, está Deus do homem. Esse conhecimento também nos ajuda a contemplar a humilhação de Jesus em deixar sua glória para viver em um corpo perecível e, ao final, enfrentar a morte e ser sepultado. É pra chorar mesmo.

Pós-texto:

Quando a Lei foi dada ao povo, Deus já fez nela provisão para que entendêssemos a profundidade do nosso pecado e a necessidade de um sacrifício perfeito. Quanto mais você estudar a Torah (Êxodo a Deuteronômio), mais verá conexões entre a lei e a obra de Cristo. O autor de Hebreus usa muito do livro de Levítico para explicar a obra salvífica de Cristo nos capítulos de 5 a 10. 

Há muito a se estudar neste livro, e confesso que minhas escolhas para essa devocional se resumiram apenas a um aspecto dele (capítulos de 1-7 e 17). Encorajo você a continuar seu estudo de Levítico e procurar Jesus nos capítulos que não estudamos, como os referentes às festas judaicas, por exemplo. Creio que o estudo deste livro aprofundará o seu amor por Jesus e a sua gratidão pelo seu sacrifício.