Será que a vida se resume a…

“(…) pagar boletos, fazer dieta e …”. Bem, você já deve ter visto esse meme e pode preencher o último item com uma atividade que se repete exaustivamente em sua vida – no meu caso poderia ser, por exemplo, guardar brinquedos espalhados pela casa (mãe, rs).

Tenho uma amiga que há uns bons anos atrás namorava um cara, gente fina, crente e tal. Funcionário público, tinha o ensino médio completo e só. Gostava de morar na cidade em que nasceu e cresceu, dos velhos amigos de infância, amava a igreja onde se converteu e servia com disposição. Queria se casar com ela, ter filhos, um cachorro e uma casa por ali. Ela achava pouco.  Era estranho pensar numa vida que se resumisse a isso. Terminaram. 

Olha, não estou aqui para falar minha opinião sobre o relacionamento que eles tiveram. Cada um seguiu seu rumo. Mas por um bom tempo essa história me intrigou.

Recentemente comecei a ler um livro que reacendeu alguns lampejos em minha mente e coração. Logo no primeiro capítulo, ele traz a problemática:

“Corriqueira com certeza é uma das palavras mais solitárias do nosso vocabulário hoje em dia. Quem quer um adesivo de carro que anuncia às pessoas que ‘Meu filho é um aluno comum na Escola de Primeiro Grau Riacho Borbulhante”. Quem deseja ser aquela pessoa simples que vive numa cidade comum, é membro de uma igreja normal, igual às outras, tem amigos nada especiais e trabalha num emprego maçante? Nossa vida tem de valer à pena! Temos de deixar nossa marca, nosso legado, fazer diferença. Tudo isso deve ser algo que se pode gerenciar, manejar, medir e manter. Temos de viver de acordo com nosso perfil do Instagram. Essa é uma das versões mais modernas de salvação pelas obras”.

  Já foi voluntária na África ou entre os refugiados no Oriente Médio? Não? Mas pensa em ir, né? Está pensando em emendar a gradação numa pós, certo? Já teve aquela grande ideia que vai impactar o mundo? Quando foi a última vez que seu coração bateu acelerado e você soube que estava fazendo exatamente aquilo para o que nasceu?

Com a onda do coach muita gente começou a pensar que é incrível, poderosa, super capaz, que tem um grande propósito nessa terra que somente ela pode realizar porque é única e insubstituível. 

Veja bem, eu sou esposa de pastor e missionário. Sim, deixei meus lugares e pessoas preferidas para ir para um local distante, morar e trabalhar para Deus em meio a diversos desafios e incertezas. Ufa, consegui realizar algo grande para Deus – eu pensei. Porém, dias antes da mudança, descobri que estava grávida. Pronto. Nove meses depois, estava eu com uma vida super incrível de serviço ao Senhor (contém ironia): limpando bumbum, enxugando baba, lavando, passando, cozinhando, acalmando choro, você entendeu.  

Foi nessa época que aprendi uma das lições mais importantes a respeito da vida cristã:

Nós nunca estamos esperando nada, de que dependamos, para realizar obras que glorifiquem a Deus.

Para nós, cristãs, ter um filho é ser incumbida de uma MISSÃO. E tudo o que envolve essa missão é importante para Deus! O “problema” é que é requerido de nós muita renúncia para o cumprimento dessa missão. E o meu coração é egoísta. Além disso, grande parte do esforço que envolve essa missão, não é visto nem reconhecido por ninguém. Não há ninguém para aplaudir uma mãe ao final de um dia comum, em que ela fez coisas comuns que envolvem a rotina de um lar. Ninguém escreve um livro nem lança um filme sobre a vida da mulher que criou seus filhos, cuidou da casa e auxiliou seu marido no dia a dia normal. 

No caso do ex-namorado da minha amiga, ele certamente também seria mais um “joão-ninguém”, experimentando um profundo senso de satisfação pessoal com sua vida pouco empolgante. 

É tão difícil atendermos ao chamado daquilo que é rotineiro e cotidiano. Nós relutamos em nos contentarmos com o viver o nosso dia a dia. Queremos grandes oportunidades. Viver grandes emoções. Fazer algo grande e impactante para Deus. Porém nossa vida não é vivida nos grandes momentos – eles são raros. Nossa vida é vivida no dia a dia. E é ali, onde Deus nos colocou, que devemos fazer tudo para a glória dEle.

Entenda. Não estou dizendo que não há lugar para a ambição na vida cristã, tampouco pretendo incentivar qualquer tipo de conformismo ou mediocridade. Mas acredito que muito da beleza da grande obra que Deus está a realizar no mundo encontra-se naquilo que é ordinário e simples, nos detalhes, no anonimato, no comum. Pode ser muito bom e excelente doar suas férias para um projeto missionário transcultural. Tão bom e excelente quanto passar as férias em casa servindo os mesmos familiares, vizinhos e igreja de sempre.  

Está escrito:

“Assim, quer vocês comam, bebam [coisas normais, rotineiras, nada de espetacular em comer e beber – necessidades fisiológicas] ou façam qualquer outra coisa, façam tudo para a glória de Deus” (1Co 10.31)

E ainda:

“Tudo o que fizerem, façam de todo o coração, como para o Senhor, e não para os homens, sabendo que receberão do Senhor a recompensa da herança. É a Cristo, o Senhor, que vocês estão servindo” (Cl 3.23-24)

Pode até parecer que ninguém está vendo ou reconhecendo todo o seu esforço, mas Aquele que lhe incumbiu de sua missão, que lhe colocou onde você está, enxerga você perfeitamente. Para Ele, cada detalhe da missão é importante e compensadora. 

Portanto, reconheça a soberania e sabedoria de Deus em te colocar onde você está e seja grata, submissa à vontade dEle e diligente. Não tenha vergonha de estar satisfeita com a sua vida. O mundo tem gerado uma grande pressão nos jovens, de que eles têm que estar inquietos e superocupados em busca de crescimento pessoal.  Mas essa não é a vontade de Deus para os jovens. 

Resista à tentação da comparação, inveja e murmuração. Veja a graça. Sim, a graça. Tudo o que temos, somos e realizamos vem do Senhor, assim como tudo o que aquela pessoa que você admira tem, é e realiza. Deus administra dons, talentos, oportunidades e chamamentos como Ele quer de acordo com a sua graça e para a glória dEle.  

Seja uma observadora atenta e adoradora fiel. Devemos louvar a Deus por todas a suas obras, não somente pelas que nós consideramos grandiosas. Há tantos motivos de louvor nas coisas corriqueiras, não menospreze nenhum dos feitos do Senhor. 

A Bíblia já deixou um grande spoiler sobre a vida. Na verdade, a vida se resume a:

“Tema a Deus e guarde os seus mandamentos, pois isso é o essencial para o homem.” (Eclesiastes 12.13)