Este ano tivemos o privilégio de conhecer e entrevistar o cantor João Alexandre, que é muito acessível e um excelente músico. Com ele aprendemos muito e gostaríamos de compartilhar com vocês!

João Alexandre, muito obrigada pela disposição e carinho conosco. Que o nosso Senhor continue lhe abençoando, ensinando e usando para a glória de Deus!

1. Como decidiu usar suas habilidades musicais para servir a Deus?

“Bem, na verdade esta é uma questão estranha de responder porque não fui eu quem escolheu minhas habilidades, foram elas que me escolheram. Desde menino tenho facilidade com música: sempre tive os ouvidos muito seletos, não ouvia qualquer coisa, sabia diferenciar o que era muito pobre de algo muito bom musicalmente, algo mais elaborado, trabalhado. Só não nasci na igreja porque não tinha culto, mas minha mãe me batizou na igreja Presbiteriana e depois na igreja do Evangelho Quadrangular, tanto por aspersão, quanto por imersão. Então, praticamente cresci dentro da igreja, onde comecei a tocar instrumentos. E antes de ser músico profissional, sempre toquei dentro da igreja.

Com 17 anos participei da missão “Vencedores por Cristo” e, depois, do “Milad” (Ministério de Louvor e Adoração) por dois anos, em que era missionário e viajava pelo Brasil. Quando sai desse grupo, deixei de ser missionário em tempo integral para ser músico, há uma grande diferença: não vivo de oferta, tenho meu cachê, tenho meu valor, tenho meu trabalho. Isso não significa que não toco de graça, tem alguns lugares onde vou por alguma oferta, peço um valor acessível para a igreja, até para desafiar a igreja a assumir a responsabilidade da vida do músico. Mas, muitas vezes não cobro nada, creio que somos abençoados na mesma proporção em que abençoamos.

Não estou com a vida ganha, não, mas já consegui várias vitórias: consegui comprar a minha casa, pagar o meu carro e estou seguindo em frente. Minha esposa e filho sempre me acompanharam sempre que possível. Hoje tenho três tipos de trabalho: voz e violão; voz, violão e percussionista; e voz e violão e a banda. Eu acho que o músico não é usado por Deus somente dentro da igreja, mas fora também, e estou sempre à disposição de Jesus para onde Ele quiser me levar”.

2. Em sua experiência ministerial com música, quais foram alguns desafios?

“A pessoa que se propõe a viver de música tem que aprender a viver com pouco. Isso não quer dizer que você não tem que ser um cara ambicioso, que não explora novos trabalhos, e tudo mais. Mas o músico sabe que, pra fazer uma música bem  feita, com compromisso, tem que pensar que nem sempre terá dinheiro para fazer isso. Isso é um desafio muito grande, produzir um CD exige dinheiro, fazer uma música com instrumento custa caro, quando você vai comprar um bom instrumento não é barato. E a sobrevivência também, no Brasil está muito caro para sobreviver, as vezes é preciso pagar aluguel, fazer compras, ter um plano de saúde, e por aí vai… Mas eu diria que o maior desafio é o paraíso do músico: ganhar bem (não ficar rico, mas ter um valor justo pelo seu trabalho), ser respeitado e tocar o que gosta. O músico, quando tem algumas dessas coisas, ele vai se apresentar, se tiver duas é uma maravilha, três então, é o paraíso! Por ser respeitado quero dizer ter um bom som para tocar, ser bem hospedado quando viajar, ter comida decente, se sentir em casa quando convidado; tocar o que gosta, fazer seu próprio repertório, sem se submeter ao que não gosta de tocar; e ganhar bem, um valor justo. Digo que é muito raro acontecer essas três coisas, isso requer tempo de estrada, requer um certo respeito, e não vem do dia para noite. Mas é algo que o músico eternamente precisa aprender a conviver, ganhar pouco e se contentar com aquilo que Deus providenciar para a vida dele. Outro desafio é o espiritual, recebemos muita crítica do povo de dentro da igreja em relação a tocar fora, por exemplo. Você nunca irá receber muita crítica do povo de fora por você tocar na igreja, muito interessante isso. Mas de dentro da igreja por tocar fora sim, como se o ambiente de fora não fosse um ambiente onde Deus esteja, como se Deus só habitasse dentro dos templos. Mas Ele não habita somente dentro dos templos, Ele está em todo lugar! Pelo contrário, se queremos ser igreja de Cristo, e igreja quer dizer “chamados para fora”, então eu acho que é fora dos ambientes eclesiásticos e religiosos que o cristão tem relevância, ou devem ter relevância, influenciar pessoas. Dito isso, quando você abraça qualquer profissão, você tem um desafio simples e complicado ao mesmo tempo: ou você influencia ou é influenciado, não tem outra escolha. Então, deve tomar muito cuidado em qualquer profissão, não só com a música não. Todas as profissões têm tentações, têm que dizer não, têm desafios, tristezas e alegrias. Então, neste ponto, o músico está sempre em exposição, talvez por isso, a vida dele seja mais complicada. Está sempre sob o olhar das pessoas. Então, por isso deve ter uma vida reta, justa. Deve ser cara centrado, não pode cair na tentação de achar que o que tem, ele merece, mas entender que tudo o que tem é graça de Deus. ”

3. O que você pensa sobre segmentar música em sagrada e secular?

“Penso que não existe um ré menor profano e um mi maior divino, penso que a igreja, às vezes, “biblifica” e “mundanifica” muita coisa. Então, o que acontece é que as pessoas não gostam de algumas coisas e jogam nas costas do diabo aquilo que não gostam, como se ele fosse dono daquilo. Um cara não gosta de alguma coisa e diz “isso aqui pra mim é do Diabo! ” E isso para ninguém gostar também, o que no fundo, é um grande egoísmo sem fim. Penso até que se tirasse o Diabo da história de alguns cristãos, ia sobrar muito para eles, porque jogam nas costas do Diabo as coisas quando não gostam ou não querem. E na realidade não existe isso, existem dois tipos de música: música boa e música ruim, isso tanto dentro, quanto fora da igreja.  Então não existe essa coisa de música consagrada. Não consagramos músicas, instrumentos, ritmos, grupo musical. Consagramos nossa vida e, do que dela vier, será consagrado”.

4. Conte-nos uma história de uma música que foi resultado de um momento íntimo com Deus.

“Uma história muito interessante não aconteceu comigo, mas com a minha esposa. Ela compôs poucas músicas na vida, mas uma delas vale por todas que compus em toda nossa vida juntos, que é a música “Manhã”: Nem se fez manhã, eis-me aqui a Ti buscar. Essa música foi resultado de uma experiência real que a minha esposa teve com Deus. Ela perdeu o sono, começou a orar e lembrar de toda a vida dela (que ela perdeu a mãe muito cedo) e, nesse meio tempo, ela compôs uma melodia que gravou em um gravador de fitas. Depois, ela veio me mostrar, e eu tentei compor uma letra e não consegui, levei para um amigo, o Guilherme Kerr, um dos meus mentores que me ensinou muita coisa, e ele colocou essa letra, muito bonita, que descreve exatamente o que aconteceu. Teria muitas outras experiências para contar, mas essa é bem marcante para nós”.

5. Qual a importância da teologia para letras de músicas, segundo sua perspectiva?

“É vital, às vezes nem me incomodo muito com a qualidade musical de um artista, se é bom ou ruim. Mas me incomoda muito o quanto ele distorce um trecho bíblico a favor de um mercado, era para ele falar a verdade, e acabou criando uma letra positivista, humanista (você é vitorioso, você vai ganhar, Deus vai fazer tudo para você ganhar), e não é isso que a Bíblia diz. Jesus disse que no mundo teríamos aflições, e muitos cantam coisas positivistas para vender, então isso me incomoda muito. […] Ninguém deve acrescentar, nem tirar nada da Bíblia. O sentido bíblico deve ser mantido original para que as pessoas entendam a palavra de Deus de maneira correta, que ela seja ouvida, interpretada e entendida da forma certa, porque, numa dessas… entramos com a máxima que disse outro dia e sempre digo: a fé vem pelo ouvir e, se ouvirmos qualquer coisa, a fé vira qualquer coisa. E uma fé qualquer coisa gera canções qualquer coisa, então é muito complicado quando alguém se propõe a fazer música para Deus. Tem que fazer direito, com responsabilidade, não desprezando a inteligência das pessoas, fazendo de qualquer jeito porque ninguém entende nada mesmo. Não é assim não! A música deve engrandecer o sujeito enquanto ser, cidadão, pessoa inteligente, e cristão.

6. Quais cantores e compositores você admira e recomenda?

“Posso estar sendo injusto com muita gente. Mas, eu diria que no Brasil tem uma galera muito séria, fazendo música com responsabilidade, com carinho, com vistas ao Reino de Deus e não ao mercado. E eu diria que qualquer músico, compositor que visa isso, deve ser valorizado e ouvido. Citaria alguns nomes: Jorge Camargo, Gerson Borges, Tiago Viana, Glauber Plaça, Gladir Cabral, Marcos Almeida, Estêvão Queiroga, Os Arrais, por aí vai…. Essa nova geração da música adventista tem feito um trabalho muito bonito também. Então, sobre grupos, têm poucos que eu possa citar hoje que valha a pena ser ouvido. Mas qualquer um, qualquer música que valorize o conteúdo bíblico, a verdade, sem tirar nem pôr, sem enfeitar, sem adoçar, sem salgar demais, deve ser ouvido, seja qualquer grupo ou cantor for”.

7. Qual conselho relacionado com música você deixaria para jovens?

“Não se permita ouvir qualquer coisa, porque a fé vem pelo ouvir. Se você ouvir qualquer coisa, há um sério risco de a sua fé virar qualquer coisa, e uma fé qualquer coisa não te aproxima de Deus, ela te distancia de Deus. Deus não é qualquer coisa, Deus é Deus. Então é preciso uma fé consciente, uma fé cuja explicação seja a verdade, não uma que seja difícil de ser vivida e explicada. Uma fé que não temos vergonha de mostrar para as pessoas uma vida bonita, uma vida em que não nos preocupamos de mostrar uma vida santa, digna, separada. Precisamos ouvir músicas que nos desafiem, mais do que nos deixem no lugar comum. Música não pode acomodar, ela tem que incomodar. Qualquer música que acomoda é muito perigosa. E também aconselho a não ouvir apenas músicas que “tiram o pé do chão”, mas que “colocam o pé no chão”, de vez em quando é bom”!

8. Qual sua perspectiva sobre o atual quadro musical brasileiro? O que pode melhorar ou o que está bom?

“Minha perspectiva sobre o mercado brasileiro é a mesma sobre qualquer outro lugar do mundo. Existem músicas feitas para vender, essas são aquelas que se preocupam em encantar as pessoas com aquilo que as pessoas gostam de ouvir; e existem músicas que não são feitas para vender, e essas se preocupam em cantar o que as pessoas precisam ouvir. Nem tudo o que eu gosto de ouvir é o que eu preciso ouvir, e nem tudo que eu preciso ouvir é o que eu gosto de ouvir. Então, no mundo inteiro é assim. Existe a mídia, a internet, e as pessoas querem ter o seu lugar solo, no sentido de aparecer e tudo mais. E hoje em dia está muito complicado, porque antigamente o sujeito era bom, quando não havia internet, e porque era bom, ele se tornava um sujeito conhecido. Hoje, só porque um sujeito é conhecido, parte-se do princípio que ele é bom. Hoje se julga se alguém é bom ou não pelo número de “views”, “likes”, de curtidas que tem no “facebook”, na internet, no “youtube”, e nem sempre é assim, tanto que os maiores porcarias da internet são os que têm mais visualizações. Então não é assim, temos que tomar cuidado e selecionar o que ouvimos. Já falei antes e digo de novo: não é porque todo mundo gosta de determinada música que ela é legal para ouvir, não é porque todo mundo gosta de determinado cantor que esse cara tem uma vida correta, entendeu?! […]. Todo mundo tem defeitos, pecados, inclusive eu, pecado é uma coisa comum, eu tenho, eu peco, tu pecas, ele peca; mas toma cuidado né? Precisamos selecionar tudo na vida, como selecionamos as decisões, selecione inclusive o que vai ouvir. Não vai na moda, não é porque todo mundo ouve que a minha igreja tem que ouvir, o meu grupo tem que cantar, ou que eu tenho que cantar. Não porque todo mundo gosta que eu tenho que gostar. Precisa ter um senso crítico apurado para julgar, examinar tudo e reter para mim o que é bom de tudo!