A ideologia “Tempo é dinheiro” da Revolução Industrial não está longe da sociedade atual. Os anos passaram, mas a mentalidade de produção em menos tempo atinge até os estudantes de vestibular do século XX. Estes são influenciados a estudar intensamente para entrarem em uma faculdade o mais rápido possível objetivando o bem estar futuro. A correria a que são submetidos os afeta psicológica, mental e espiritualmente. A própria palavra vestibular que vem do termo grego vestibulum, cujo um dos significados é portal[1], já demonstra a pressão dos envolvidos: os jovens passam a ingressar no mundo de trabalho. Este rito moderno da sociedade de forma sútil, porque trata a intensa carga de estudo como natural de uma fase, abala a fé e o relacionamento com Deus dos adolescentes e jovens cristãos. Como um adolescente crente lida com seu tempo no vestibular?

Lembro-me de quando estava nos dois últimos anos do ensino médio: estudava de manhã na escola prestando atenção ao máximo nas aulas e procurando responder questões difíceis de exames de vestibular de grandes universidades. Ao chegar em casa, almoçava, dormia meia hora e me sentava em uma cadeira com livros do lado. Ali, muitas vezes, fiquei focada por mais de quatro horas sem levantar. Acreditava que se a cada hora, fizesse um intervalo de 10 min, em quatro horas teria perdido 40 min preciosos de estudo. Eu lanchava e voltava a estudar até umas 21h da noite. Minhas horas de estudo de um dia chegavam perto de 11 e como eu queria que um dia tivesse mais de 24h para eu estudar mais, pois nunca achava que eu dominava um assunto.

Meu desejo de ingressar em uma faculdade de medicina fez com que eu educasse a minha mente a pensar de forma produtiva, parecia uma máquina: não podia perder tempo. Apesar do meu aparente sucesso escolar, minha mentalidade mundana foi ultrapassando a bíblica de forma que nem pude perceber, pois todos os adolescentes ao meu redor, inclusive cristãos, estavam vivendo da mesma forma: superando a cada dia os limites da mente. Os fins de semana também serviam para estudar, nada de perder tempo. Para mim, descanso era sinônimo de ociosidade. Acordei cedo em muitos sábados para estudar.

Os meus pecados ocultos por trás dessa péssima mordomia do tempo, aos poucos começaram ter consequências físicas e uma das piores foi a perda de sono. Minha cabeça estava tão “ligada” para estudar que eu não conseguia mais dormir, cerca de quatro dias da semana eu dormia depois das duas horas da manhã e levantava as seis. Como era horrível ficar acordada tanto tempo sozinha! Muitas vezes eu chorei de desespero, queria desligar minha mente! Mas isso não acontecia nem nas férias…

Sei que fui um dos casos extremos de mordomia do tempo, remi tanto meu tempo para estudar que deixei de ir para programações de igreja, fazia minha devocional muito rápida e não priorizei cultivar amizades, só se elas viessem até mim. Existe por outro lado, o caso de pessoas que não aproveitam o tempo para estudar: deixam suas tarefas para fazer na última hora, ficam até tarde na internet, passam o dia mexendo no celular e na frente da televisão e nem se preocupam em estudar para a prova do vestibular. Os dois extremos demonstram falta de sabedoria para administrar o tempo.

Em Efésios 5.15-17 está escrito: “Portanto, vede prudentemente como andais, não como néscios, e sim como sábios, remindo o tempo, porque os dias são maus. Por esta razão, não vos torneis insensatos, mas procurais compreender qual a vontade do Senhor.”

Administrar bem o tempo é tarefa de todo cristão e isso incluí os vestibulandos. Sim, mais horas de estudo são necessárias nesse período de vida, mas elas não podem consumir um adolescente, seu tempo deve ser equilibrado: horas de estudo, horas de lazer, horas de dormir, horas de fazer atividade física, etc. O rendimento intelectual até será maior se sua mente estiver equilibrada e o seu relacionamento com Deus será melhor. Quantos pecados não estão ocultos, para não dizer bem explícitos, quando estudamos demasiadamente ou minimamente. Preste atenção em alguns:

  • ANSIEDADE – O desejo de controlar todo o tempo para estudar faz com que o adolescente acredite que seus próprios esforços o levarão a passar na prova do vestibular. Contudo, Deus é soberano e é a vontade dEle que predominará no tempo que lhE aprouver (Ec 3.1; Fp 4.7,8; Pv 19.21; Pv 12.25);
  • EGOÍSMO – Todo o tempo do vestibulando gira em torno dele mesmo, suas horas de estudo. Diz que não tem tempo para ir as reuniões da igreja, dias de evangelismo, saída com os amigos, etc. Todavia, o dever de todo cristão é servir aos outros. Sim, o vestibulando precisa cumprir suas responsabilidades de estudo, mas ele também precisa cumprir suas responsabilidades como cristão também. Nenhum sucesso intelectual terá vantagem se houver um fracasso espiritual (2Co 5.15; Fp 2.4; Gl 6.2; 1Jo 3.17);
  • PREGUIÇA – O adolescente que não se importa com o vestibular e não estuda também está pecando com relação a má administração do tempo. Ele pode não estar ansioso, mas continua sendo egoísta e preguiçoso. Seu tempo é gasto com o que lhe agrada, ele continua sendo sua prioridade (Pv 6.6-8);
  • ORGULHO – O vestibulando nota 10 não contenta-se com nota baixa porque sua imagem não pode parecer com a de um jovem que não se esforça, que não é estudioso. Ele acaba competindo com os outros nerds da sua sala para ver quem tem a nota mais alta ou simplesmente para saber quem domina mais o assunto. Às vezes, começa a ser odiado pelos outros porque sempre insiste para o professor de alguma forma dificultar os exercícios e as provas. Reclama muito dos professores, do cursinho e da escola porque não são bons o suficiente para prepara-lo. No entanto, apesar de achar que está correto, fazendo sua parte, esse vestibulando não nota como está inflamando seu orgulho e não está se tornando mais parecido com Cristo (1Co 4.7; Lc 17.10; Pv 2.6; Pv 16.5; Pv 16.18; Fp 2.5-11);

Muitos outros pecados estão envolvidos com a péssima mordomia do tempo como o medo, temor a homens, idolatria, insatisfação, ingratidão, murmuração, descontrole, etc. A péssima mordomia no tempo tem consequências físicas também. Muitos adolescentes estudantes do ensino médio ou frequentadores de cursinho tem tido diagnósticos psicológicos e psiquiátricos como síndrome do pânico e depressão. Uma pesquisa realizada em Porto Alegre, em quatro pré-vestibulares, mostrou que dos 1046 estudantes avaliados[2]:

  • 456 (43,6%) apresentavam nível mínimo de ansiedade;
  • 343 (32,8%) apresentavam nível leve;
  • 185 (17,7%) moderado;
  • 61 (5,8%) grave.

Alguns dos sintomas resultantes dessa péssima administração de tempo e dos “pecados ocultos” são: dormência ou formigamento, sensação de calor, tremores nas pernas, incapacidade de relaxar, medo de que aconteça o pior, tontura, aceleração dos batimentos cardíacos, falta de equilíbrio, nervosismo, falta de ar, perda de peso, indigestão, descontrole alimentar, dores de cabeça e abdominais, perda de sono, etc. Se a administração de tempo deles e seus pecados tivessem sido devidamente tratados, não teriam essas “doenças”.

É comum, mas não normal, pensar que você controla o seu tempo, mas na realidade, ele pertence a Deus (Tg 4.13-15). Você pode montar a sua agenda da sua maneira, mas Deus é quem vai direcioná-lo durante seu dia (Pv 16.9). Assim, cabe a você organizar o seu tempo, mas não ficar preocupado ou ansioso se em algum momento precisar ser flexível e fazer alterações. Não deixe de conversar com pessoas para estudar, nem de comer ou dormir o necessário. Separe um tempo:

  • Para estudar – entendendo que sua prioridade de vida é a vontade de Deus. Não viva para estudar, mas enquanto viver estude! Limite-se ao seu horário de estudo;
  • Para descansar – distraía sua mente, faça intervalos a cada hora de estudo. Ouça música, converse com alguém, mecha seu corpo, faça um alongamento. Além de ser fisicamente saudável, melhora seu rendimento intelectual. Estar atarefado estudando o tempo todo pode não ser sinônimo de eficiência e descansar não é sinônimo de ociosidade. Se o seu tempo tiver um propósito, mesmo que seja o descanso, não é desperdiçado.
  • Para dormir – não suprima suas horas de sono em prol do estudo. Tente dormir pelo menos oito horas por dia;
  • Para fazer atividade física – tente fazer pelo menos meia hora todo dia ou mais de trinta minutos pelo menos três vezes por semana;
  • Para frequentar as programações da igreja – as programações da igreja não são atividades extracurriculares as quais você não tem compromisso. Pelo contrário, são prioridades da sua vida como cristão.
  • Para fazer devocional – comprometa-se a não restringir seu crescimento intelectual somente com disciplinas escolares, priorize sua devocional antes dessas atividades. Tenha um tempo de qualidade com Deus. Se o seu relacionamento com Deus estiver afetado, seus relacionamentos horizontais também estarão e até mesmo seus estudos estarão prejudicados.
  • Para os amigos – não deixe que a sua agenda de estudo impeça de ajudar um amigo (a), ajude-os até mesmo com atividades do colégio. Dê atenção a eles também, não reserve seu tempo todo para você. Cultive suas amizades, elas têm valor eterno.

Quando era vestibulanda, recebia muitos elogios pelas minhas notas e pela minha disciplina de forma que meus pecados eram justificáveis e eu alimentava a minha mentalidade de estudante máquina. Contudo, meu coração não estava agradando a Deus e meu corpo estava pedindo para descansar. Quando se obedece a Deus, é beneficiado de todas as formas e o maior benefício é ter um bom relacionamento com Ele. Quando minha devocional se tornou prioridade na minha vida e quando percebi que precisava dar atenção para outros, além de mim e de meus estudos, minhas insônias foram diminuindo. Às vezes, ainda as tenho, mas com pouca frequência. Aprendi que obedecer a Deus, nos pequenos detalhes como a mordomia do tempo, é o melhor e que eu preciso da ajuda dEle para isso também.

“Ensina-nos a contar os nossos dias para que alcancemos coração sábio”. Salmo 90.12


[1] RODRIGUES, G. Daniel; PELISOLI, Cátula. Ansiedade em vestibulandos: um estudo exploratório. Acesso em 22/09/214Encontrado em: www.hcnet.usp.br/ipq/revista/vol35/n5/171.htm
[2] RODRIGUES, G. Daniel; PELISOLI, Cátula. Ansiedade em vestibulandos: um estudo exploratório. Acesso em 22/09/214Encontrado em: www.hcnet.usp.br/ipq/revista/vol35/n5/171.htm