Eu, Paulo […] apelo em favor de meu filho Onésimo, que gerei enquanto estava preso. Ele antes lhe era inútil, mas agora é útil, tanto para você quanto para mim. Mando-o de volta a você, como se fosse o meu próprio coração. Gostaria de mantê-lo comigo para que me ajudasse […] Mas não quis fazer nada sem a sua permissão […] Talvez ele tenha sido separado de você por algum tempo, para que você o tivesse de volta para sempre, não mais como escravo, mas, acima de escravo, como irmão amado. Para mim ele é um irmão muito amado, e ainda mais para você, tanto como pessoa quanto como cristão.

Antes de mais nada, deixe-me dizer que Filemom é um dos menores livros da Bíblia — contém apenas 25 versículos. Por isso, sugiro que você faça uma pausa para ler o livro inteiro; assim, poderá entender e aproveitar melhor esta e as próximas devocionais.

Agora, vamos ao contexto. Filemom é uma carta do apóstolo Paulo a um cristão da cidade de Colossos chamado Filemom. Provavelmente essa carta foi escrita na mesma época que a carta aos Colossenses, durante a primeira prisão de Paulo em Roma [1]. O assunto principal é um apelo em favor de Onésimo, um escravo de Filemom que havia fugido e, tendo encontrado o apóstolo, ouviu a pregação do evangelho e se converteu a Jesus Cristo. Na carta, Paulo se coloca como mediador entre Filemom e Onésimo, visando à reconciliação entre eles. Antes de prosseguirmos, gostaria de fazer um parêntese sobre o delicado tema da escravidão:

“Nenhum dos escritos do Novo Testamento condena abertamente a escravatura e esta é uma degradação horrível da dignidade humana; apesar disso, as prescrições tanto de Paulo como de Pedro impõem aos senhores de escravos cristãos padrões tão altos que fazem a abolição parecer quase óbvia” [2]

Qual era o padrão para os senhores de escravos cristãos? Eles deveriam ser justos e imparciais no tratamento de seus escravos. Não tinham respaldo divino para ameaçá-los, maltratá-los ou abusar da autoridade que exerciam sobre eles. O padrão cristão para o contexto de escravidão existente na época era que ambos, escravos e senhores cristãos, tinham o mesmo Senhor no céu, a quem deviam obediência total. Sendo assim, ambos seriam castigados se cometessem injustiças, e recompensados se praticassem o bem. Não haveria exceções nem favoritismo, nem de um lado, nem de outro (Efésios 6.5-9; Colossenses 3.22-4.1). Tendo estabelecido esse breve contexto, na devocional de hoje vamos focar na vida de Onésimo, em especial no contraste de sua vida antes e depois de Cristo.

O nome “Onésimo”, no grego, significa “útil” [3], mas Onésimo, como escravo, não havia sido muito útil ou digno de confiança no passado, visto que fugira e possivelmente roubara seu senhor. Porém, Cristo operou tamanha mudança em sua vida que, agora, Onésimo se tornara de fato útil, alguém digno de confiança e desejável como cooperador. E foi assim que Paulo passou a enxergá-lo — inclusive pedindo que Filemom também o enxergasse dessa forma — não mais como um escravo inútil, mas como um irmão amado e cooperador no serviço do Reino de Deus. Em Cristo, a identidade e o caráter de Onésimo foram completamente transformados.  Uma das consequências dessa transformação foi o fato de que, com o auxílio de Paulo, Onésimo deu passos para acertar as contas com seu senhor. Embora o apóstolo o quisesse como cooperador, seu passado não poderia simplesmente ser ignorado; a prioridade era que Onésimo e Filemom se reconciliassem.

Da mesma forma que Onésimo, nosso passado antes de Cristo não nos define mais. Ainda não somos quem um dia seremos, mas já não somos quem um dia fomos. E ainda que continuemos pecando, não somos mais definidas por nossos pecados, nem por nada que façamos ou deixemos de fazer, mas pela nova identidade que ganhamos em Cristo Jesus. Por causa dEle, temos acesso à maravilhosa graça de Deus que nos perdoa e transforma. Como Onésimo, muitas vezes teremos de lidar com consequências de pecados e dar passos, na dependência de Deus, para buscar restauração, mas ainda assim, uma vez que estamos em Cristo, Deus não nos vê mais como pecadoras rebeldes, mas como filhas amadas, parte de Seu povo santo e escolhido [4]. Quanto amor! Quanta misericórdia! Quanta graça!

Oração: Senhor, meu Deus e Pai, obrigada por teu amor e perdão, que me alcançaram onde eu estava. Obrigada por ter me reconciliado contigo e me adotado como filha em Jesus Cristo. Ajuda-me, Pai, a viver de maneira coerente com essa nova identidade, em alegria e obediência.

[1] Carlos Osvaldo Pinto. Foco e desenvolvimento no Novo Testamento. São Paulo: Editora Hagnos, 2008, p. 476

[2] Idem, p. 477

[3] Idem, p. 479

[4] Veja, por exemplo: João 1.12; 2 Coríntios 5.17; Efésios 1.4-8; 5.1; Colossenses 3.12; 1 Pedro 2.9; 1 João 3.1.