Lembro-me de que, quando eu era criança, não conseguia entender o porquê de meus pais não comprarem determinado produto no mercado e escolherem outro por ser R$0,50 mais barato. Minha cabeça gritava: “são só R$0,50!”. Não entendia, também, quando ia com minha mãe comprar um presente para uma amiga que fazia aniversário, e ela me dizia: “filha, nada acima de R$20,00”. Em minha mente eu reclamava: “poxa, R$20,00? Não tem nada legal que eu possa comprar com R$20,00!”.

Os anos se passaram, tornei-me responsável pelo meu próprio dinheiro e tudo aquilo que meus pais faziam começou a fazer sentido. Hoje, R$0,50 fazem diferença e R$20,00 é muito dinheiro.

Quando recebemos nosso próprio dinheiro e temos contas para pagar, tudo é contadinho. O grande problema é que racionalizamos tanto nosso dinheiro a fim de desfrutarmos dele para nosso próprio benefício, que acabamos deixando algo muito importante de lado: a generosidade. Em minha vida, percebi isso quando saí com um amigo que estava passando por uma dificuldade financeira. Eu estava muito feliz em levá-lo para comer algo que ele amava, mas, ao mesmo tempo, estava pensando em tudo o que eu poderia fazer com aquele dinheiro. Que luta interna!

Foi após aquele tempo juntos e algumas observações sobre a sociedade em que vivemos hoje que percebi que a generosidade está fora de moda. Ninguém mais quer ajudar ninguém. Todos querem olhar só para o seu próprio umbigo e, aqueles que agem com generosidade, o fazem para tirar foto e postar nas redes sociais (Oi?? Isso é realmente generosidade?!).

Se pesquisarmos no Google o que é “generosidade”, a primeira definição que aparece é “virtude daquele que se dispõe a sacrificar os próprios interesses em benefício de outrem”. Este significado é verdadeiro, no entanto, quando olhamos para as Escrituras, percebemos que ser generoso é muito mais profundo do que isso. E, para nos aprofundarmos neste tema, vamos voltar lá para o início das leis do Senhor:

“Não furtarás” (Ex 20.15).

Os 10 mandamentos foram leis dadas por Deus a Moisés, escritos em tábuas, para que chegasse até o povo do Senhor. Eles tinham (e ainda têm) o objetivo de direcionar seu comportamento em três áreas da vida: (1) no relacionamento com Deus (primeiro, segundo, terceiro e quarto mandamento); (2) no relacionamento com a família e casamento (quinto, sétimo e décimo mandamento); e (3) no relacionamento com a comunidade (sexto, oitavo, nono e décimo mandamento). O oitavo mandamento – “não furtarás” – é uma das leis que se encaixam na postura do cristão em relação à comunidade com a qual convive.

Esse mandamento não é só uma lei que ordena que não tomemos para nós algo que não nos pertence, ela é muito mais profunda do que isso. Ela abrange, como explica o Pastor Marcelo Berti, quatro aspectos: a dignidade humana, a honestidade, o direito à propriedade e, por fim, o religioso.

Dignidade Humana

“Aquele que sequestrar alguém (roubar um homem) e vendê-lo ou for apanhado com ele em seu poder, terá que ser executado” (Ex 21.16).

Sequestrar é roubar alguém, e o oitavo mandamento também quer ensinar que não devemos desrespeitar a dignidade do próximo.

Honestidade

“Portanto, cada um de vocês deve abandonar a mentira e falar a verdade ao seu próximo, pois todos somos membros de um mesmo corpo” (Ef 4.25).

Ser honesto é praticar a verdade. Quando não fazemos isso, nós estamos furtando a verdade. Por isso, esse aspecto também se encaixa no oitavo mandamento. Um exemplo de alguém que não obedeceu a esse mandamento foi Jacó, pois ele “enganou Labão, o arameu, por não lhe dizer que estava fugindo” (Gn 31.20). Faltar com a honestidade não é somente mentir, mas enganar, assim como Jacó fez e, também, omitir informações, como: sonegar impostos, não pagar funcionários devidamente, não cumprir com responsabilidades, etc.

Direito à Propriedade

“O que furtava não furte mais; antes trabalhe, fazendo algo de útil com as mãos, para que tenha o que repartir com quem estiver em necessidade” (Ef 4.28).

Este é o sentido mais pregado sobre o oitavo mandamento, que é sobre furto de propriedade, isto é, algo que é próprio de alguém.

“Israel entendia que a propriedade é uma extensão da “identidade” de seu dono, de modo que o roubo de propriedade é uma violação da pessoa, não apenas da riqueza de uma pessoa”.[1]

Religioso

“Ele nos perdoou todas as transgressões, e cancelou o escrito de dívida, que consistia em ordenanças, o qual se nos opunha. Ele o removeu, pregando-o na cruz” (Cl 2.14).

O oitavo mandamento também quer nos ensinar que, quando desobedecemos a Cristo, nós estamos furtando Sua glória.

Cristo morreu por nós, cancelando a nossa dívida, para que vivêssemos para Ele! Mas, infelizmente, a tendência pecaminosa de nossa carne é viver para nós mesmas. Ele morreu e ressuscitou para que adorássemos somente a Ele, mas nós adoramos muitas outras coisas. Ele veio ao mundo para que fôssemos capazes de imitá-lO, mas roubamos Sua dignidade. Todos nós não cumprimos o oitavo mandamento porque deixamos de dar a Ele o que lhe é devido!

Diante desses quatro aspectos, percebemos que “furtar” vai muito além do que imaginávamos, não é mesmo? Então, como cumprir o oitavo mandamento?

Generosidade Irracional

 “Do Senhor é a terra e tudo o que nela existe, o mundo e os que nele vivem” (Sl 24:1).

“Dele… são todas as coisas” (Rm 11.36).

Estes dois textos citados nos deixam claro que tudo o que temos e somos não é nosso, mas dEle! E dizer que o que temos é nosso é o mesmo que desobedecê-lo, ponto final. Quando focamos somente em nossa vida (nossa dignidade, nossa honestidade, nossa propriedade e nosso relacionamento com Deus), deixamos de ser generosos com o próximo e passamos a viver concentrados em nossos umbigos. No entanto, quando entendemos que tudo é dEle, nós agimos com generosidade.

Há algumas semanas, um amigo a quem admiro muito por sua generosidade, disse-me a seguinte frase: “a generosidade é irracional”. Esta afirmação faz todo o sentido quando associada ao oitavo mandamento, pois quando racionalizamos demais o que temos e somos, não nos doamos ao próximo. A afirmação dele também me lembrou de Cristo e o que Ele fez por nós: “Mas Deus demonstra seu amor por nós: Cristo morreu em nosso favor quando ainda éramos pecadores” (Rm 5.8). Não merecíamos uma vida com Deus por causa de nossos pecados, no entanto, Ele superou a razão e demonstrou Seu amor morrendo na cruz. Por causa disso, hoje podemos desfrutar de Sua generosidade – que é ter um relacionamento com Ele.

Assim sendo, querida leitora, seja generosa, pois quando não agimos com generosidade  furtamos de Deus o que é dEle e desobedecemos ao oitavo mandamento. Lembre-se que ser generosa não é somente dar dinheiro a alguém, mas também dar atenção, tempo, honra, dons, propriedades, etc.

Quanto de seu tempo você tem dado a alguém, dando-lhe atenção para ouvir, conversar, rir, se divertir? Quanto do seu dinheiro você tem compartilhado com aqueles que passam por necessidade? Ou qual tem sido sua atitude até mesmo com quem não tem passado necessidade, mas a quem você pode presentear com um mimo? Quanto você compartilha de sua casa, carro, comida para abençoar a outros? E quanto de seus dons você tem dividido para servir ao próximo?

Se pudéssemos reescrever o oitavo mandamento em uma frase afirmativa, ele seria “seja generoso”. Por isso, a reflexão de hoje termina com esse incentivo de significado tão profundo:

na dependência da graça de Deus, seja generosa!

[1] Terence E. Fretheim, Exodus, p.235