Em seu texto, “O que os cristãos devem saber sobre o socialismo?”, John Piper faz a seguinte afirmação: “O socialismo toma emprestados os objetivos compassivos do cristianismo em atender as necessidades das pessoas enquanto rejeita a expectativa cristã de que tal compaixão não seja coagida.”

Ainda que não se concorde com a posição política do Piper, não dá pra negar que este “empréstimo” não é algo novo em ideologias seculares: os ideais de compaixão, sacrifício, e justiça são “emprestados” da Bíblia por elas, enquanto o amor e a adoração a Deus atrelados a eles são frequentemente deixados de lado. 

O feminismo, por exemplo, empresta o valor e a dignidade da mulher de Gênesis, mas troca sua relação de dependência do Criador por uma independência idólatra – “empodere-se a si mesma”. Os defensores da “justiça social” secular também fazem isso – emprestam a denúncia da opressão e o dever para com os pobres e oprimidos, mas trocam a moral proveniente da Verdade objetiva, Jesus, por uma verdade subjetiva, a experiência humana. 

Há duas palavras hebraicas usadas na Bíblia para justiça: mishpat e tzadeqah. Mishpat significa “tratar as pessoas equitativamente”, por exemplo, duas pessoas que cometem o mesmo crime devem receber a mesma penalidade, ou duas pessoas que executam o mesmo ato heróico devem receber a mesma honraria, independente de sua raça, classe ou gênero. Tzadeqah é comumente traduzida como “ser reto”, e tem a ver com a maneira pela qual alguém vive a sua vida de maneira justa, equânime, piedosa, para com sua família e em sociedade.(2) Elas frequentemente aparecem juntas na Bíblia, o que não surpreende: a pessoa que busca um viver reto, justo, tratará as pessoas de maneira igual em sua família e na sociedade. 

 

O Bom Samaritano no Século XXI

Talvez o texto mais clássico sobre justiça prática nas Escrituras seja a parábola do Bom Samaritano em Lucas 10.

Um judeu é roubado, ferido e deixado para morrer na estrada. Passam por ele dois líderes judeus e não fazem nada. Passa então um samaritano que, para atendê-lo, carrega-o até uma estalagem, e gasta seu dinheiro e tempo com ele para que ele viva. 

Se você não sabe, nos tempos de Jesus, Samaria era este lugar intermediário entre os judeus no norte e no sul, cuja população havia miscigenado com pessoas de outros povos. Eles também adoravam a Deus em um lugar diferente – em Siquém, como Josué, ao invés de Jerusalém, como David. Além disso, os judeus e os samaritanos tinham grande preconceito um contra o outro, e a parábola mostra que apenas o samaritano entendeu o chamado de Deus de “amar ao próximo” de Deuteronômio 6:5, sem preconceito.

Frequentemente somos como aquele que pergunta “quem é meu próximo?” para nos esquivar de certas situações: “Se existe alguém que não é meu próximo e eu não o ajudo, então não fiz nada errado”. Isso é ainda mais relevante quando passamos a vida toda com um grupo étnico, de cor ou posição econômica semelhante à nossa – fica difícil ver o outro como nosso próximo, mas é necessário que os vejamos assim. 

Uma questão que me faço, no entanto, é sobre as injustiças sistêmicas (ou institucionais). A história nos mostra que pessoas em poder acabam usando este poder de maneiras grotescas para com aqueles que lhe são diferentes, aqueles que eles não consideram “próximos”, e ainda que as leis tenham sido modificadas para abarcar a todos, na prática, as coisas dificilmente são niveladas. Como podemos lutar contra essas injustiças?

“Os justos levam em conta os direitos dos pobres, mas os ímpios nem se importam com isso.” Provérbios 29:7

Em primeiro lugar, não iremos todas lidar com isto da mesma maneira. Eu posso ser devota à causa da adoção e da luta contra o aborto enquanto você pode ser devota à justiça criminal e o problema da lotação prisional, lutando pela aplicação correta e equânime das leis e contra o aprisionamento indevido de pessoas inocentes.  Nem todo mundo é bom em tudo e nem todo mundo é chamado para servir da mesma maneira, na mesma área. Só lembrar de 1 Coríntios 12 – há uma multitude de dons usados para a edificação da igreja. Da mesma maneira, nossos dons e interesses nos direcionarão a tipos diferentes de aplicação prática da justiça bíblica. 

A nossa cultura continuará mudando, o significado de coisas como amor e respeito também, mas muitos cristãos derivam sua identidade e sua bondade dessas definições culturais ao invés das definições imutáveis das Escrituras. Aqui nos EUA, no momento, se uma pessoa branca não declara que “Vidas Negras Importam” ou pede perdão pelas maneiras que seu “privilégio branco” lhe beneficia, ela é cancelada. Então é comum ver muitos cristãos brancos comprando ideias e posturas culturais seculares ao invés de permitir que o Evangelho direcione sua maneira de agir para com todos os categorias de pessoas. É fácil cair no ativismo por razões equivocadas. No entanto, podemos deixar que a Verdade do Evangelho e o Espírito Santo de Deus guiem nosso coração a um agir justo.

“Os homens maus não entendem a justiça, mas os que buscam o Senhor a entendem plenamente.” Provérbios 28:5

Eu sugiro que você separe um tempo esta semana para pensar sobre este assunto. Em que áreas você precisa crescer em conhecimento da justiça? Por muitos anos evitei ler ou ver questões sobre pobreza e violência na periferia. Vi minha mãe servir numa missão de serviços paraescolares com crianças de comunidades na Penha, em São Paulo, quando eu era uma adolescente. Muitas vezes me juntei a ela, mas não entendia de fato o que estava acontecendo. Foi durante a minha prática em uma unidade do CREAS com jovens infratores nos anos da universidade que finalmente conheci a realidade da pobreza e da violência. Além de conhecimento e compaixão, tive a chance de ver meus preconceitos com clareza e aprender a olhar para aqueles jovens como meu próximo e tratá-los com respeito e consideração, com esperança até, enquanto e após servi-los.

Que preconceitos você tem que precisam ser abandonados? Nossa luta contra a injustiça começa em nós e continua em nossos relacionamentos e na maneira com que agimos em sociedade: o modo como servimos, trabalhamos, votamos, voluntariamos. Busque ao Senhor e você saberá como praticar a justiça bíblica.

 

  1. John Piper. O que os cristãos devem pensar sobre o socialismo? Disponível em: https://voltemosaoevangelho.com/blog/2015/10/o-que-cristaos-devem-pensar-sobre-o-socialismo-john-piper-responde/
  2. Você pode ler mais sobre a visão bíblica de justiça em https://coalizaopeloevangelho.org/article/perguntas-frequentes-o-que-os-cristaos-devem-saber-sobre-justica-social/