Minha mãe tinha sérios problemas de visão. Há mais de dez anos, com os avanços da tecnologia, ela fez a cirurgia a laser e hoje sua visão é quase perfeita, sofrendo, apenas, com os avanços da idade. Mas há quase sessenta anos atrás não havia outro caminho a seguir a não ser os tão falados óculos fundo de garrafa. Suas lentes eram muito grossas devido ao grau elevado. Ela conta que, quando criança, começou a sentir dificuldades na escola por conta de sua vista, então minha avó a levou para uma consulta. Depois do diagnóstico, ela colocou os óculos pela primeira vez e lembra-se nitidamente de enxergar as folhas das árvores, ao longe, pela primeira vez. Ela percebeu que nunca tinha enxergado direito, via borrões, mas como não tinha com o que comparar, aquilo era a realidade para ela até então.

Creio que seja esse tipo de clareza que o sofrimento é capaz de nos trazer. É como se ele nos oferecesse um óculos que podemos escolher colocar ou não. Se optamos por não fazê-lo, enxergamos apenas o que está perto, e desfalecemos em nossas dores por perdermos a capacidade de olhar ao redor, porque o que está adiante são apenas borrões. Mas se esforçamo-nos por colocá-lo, é como se, por meio das lutas, nossas vistas se esticassem para enxergar com clareza o que está mais adiante, o que, em termos espirituais, significa ajustar o foco para a eternidade. A carta de Paulo aos Coríntios explica essa verdade:

“Por isso não desanimamos. Embora exteriormente estejamos a desgastar-nos, interiormente estamos sendo renovados dia após dia, pois os nossos sofrimentos leves e momentâneos estão produzindo para nós uma glória eterna que pesa mais do que todos eles. Assim, fixamos os olhos, não naquilo que se vê, mas no que não se vê, pois o que se vê é transitório, mas o que não se vê é eterno.” (2Co 4.16-18)

O apóstolo não está dizendo que nosso sofrimento neste mundo é sem importância, o próprio Paulo passou por prisões, por açoites, por perseguições e necessidades, mas ele considera todo esse sofrimento leve em contraste com a glória que experimentará. Eles são breves porque se limitam a esta vida aqui, para a qual não fomos criadas e na qual não encontraremos plena satisfação, pois somos peregrinas em terra estrangeira (1Pe 2.11; Fp 3.20), numa jornada para casa, que só chegará ao destino final quando entrarmos na eternidade. Mas para sermos consoladas por essa verdade, precisamos entender que um dos propósitos do sofrimento é não permitir que nos apeguemos às coisas deste mundo por melhores que elas sejam, pois até as coisas boas que desfrutamos aqui não são um fim em si mesmo, mas bênçãos que o Senhor nos permite desfrutar em nossa peregrinação. A dor nos direciona a manter os nossos olhos espirituais fixos lá na frente, no que não se vê concretamente, apenas pela fé: o nosso porto de chegada. Romanos 8 também reafirma essa ideia, dizendo:

“Considero que os nossos sofrimentos atuais não podem ser comparados com a glória que em nós será revelada. A natureza criada aguarda, com grande expectativa, que os filhos de Deus sejam revelados. Pois ela foi submetida à futilidade, não pela sua própria escolha, mas por causa da vontade daquele que a sujeitou, na esperança de que a própria natureza criada será libertada da escravidão da decadência em que se encontra para a gloriosa liberdade dos filhos de Deus. Sabemos que toda a natureza criada geme até agora, como em dores de parto. E não só isso, mas nós mesmos, que temos os primeiros frutos do Espírito, gememos interiormente, esperando ansiosamente nossa adoção como filhos, a redenção do nosso corpo.  Pois nessa esperança fomos salvos. Mas, esperança que se vê não é esperança. Quem espera por aquilo que está vendo?” (v. 18-24)

Agonizamos em dores de parto porque aguardamos a redenção do nosso corpo. Se colocarmos os óculos fornecidos pelo sofrimento, seremos capazes de perceber que as lutas, frustrações e decepções que vivemos aqui estão mostrando para nós que há algo mais para ser vivido, que este mundo de dores não é a estação final. Quando os filhos de Deus forem revelados não haverá mais pecado, e sem pecado, também não haverá mais sofrimento. Receberemos corpos redimidos que desfrutarão de e serão plenamente satisfeitos no Senhor. Quando tudo isso acontecerá? Até quando esperaremos?

“Não se perturbe o coração de vocês. Creiam em Deus; creiam também em mim. Na casa de meu Pai há muitos aposentos; se não fosse assim, eu lhes teria dito. Vou preparar-lhes lugar. E se eu for e lhes preparar lugar, voltarei e os levarei para mim, para que vocês estejam onde eu estiver.” (Jo 14.1-3)

Aguardaremos até o retorno de Cristo que virá para nos buscar e nos levar consigo. Nessa certeza permanecemos! Quando você ajustar os óculos que as dores desta vida lhe permitem colocar para enxergar adiante, poderá ser consolada pela verdade de que muito além do sofrimento, há a esperança do retorno de Cristo, a redenção completa do pecado e a vida eterna com Deus para a  qual fomos criadas. Lá, sim, nossas almas serão plenamente saciadas. E se nossos sofrimentos evidenciarem ainda mais a glória por ser revelada, que Deus nos dê força para passarmos por eles confortadas pela esperança que as dores trazem disfarçadas de lágrimas.