NOTA: Este é a segunda parte do artigo “O amor é cego?” Você pode conferir o anterior neste link. Mantenha em mente que esta série de artigos não é uma recomendação do reality show no qual se baseia. Se você gostaria de sugestões para passar o tempo, acompanhe as nossas dicas de leitura, que são selecionadas cuidadosamente com o objetivo de contribuir para a sua edificação.

Homens e mulheres em busca de um cônjuge aventuram-se em encontros às cegas. O objetivo? Estabelecer conexão emocional sem as distrações da aparência física. Para isso, os casais só podem se encontrar pessoalmente depois do pedido de casamento. Essa é a proposta de um reality show recente.

À medida que os encontros evoluem, é comum que os participantes, ao experimentarem conexão emocional uns com os outros, expressem nunca ter sentido isso antes. Isso chamou minha atenção e me fez refletir sobre como a nossa sociedade hiperconectada carece de laços humanos. Será que precisamos de um experimento como esse, que exclui por completo a atração física e as plataformas virtuais (os participantes ficam sem celular durante o período em que estão na casa) a fim de experimentarmos tal conexão emocional nos relacionamentos amorosos?

De fato, precisamos aprender a nos reconectar. Somos muito bons em nos conectar a telas — celular, tablet, computador e televisão. Fazemos isso de modo automático. E a tecnologia em si não é necessariamente negativa, mas creio que, como cristãs, precisamos reavaliar o lugar que ela ocupa em nosso dia a dia. De que maneiras o celular e as redes sociais abençoam e edificam a nossa vida e os nossos relacionamentos? (E aqui não consideremos apenas o relacionamento amoroso, mas também os relacionamentos com familiares e amigos.) De que maneiras o celular e as redes sociais podem se tornar (ou se tornaram) empecilhos que nos afastam da vida real e de outras pessoas de carne e osso? Será que precisamos reaprender a ouvir, falar e ter conversas profundas?

O seriado também me deixou pensativa acerca da atração física. Realmente, nossa sociedade é marcada por uma mentalidade distorcida a respeito de aparência e sexualidade. Porém, precisamos ser cautelosos para não jogar fora o bebê com a água do banho. A atração física faz parte da criação de Deus. (Ou você acha que, quando Adão conheceu Eva, tudo o que ele sentiu foi uma conexão emocional profunda?) E tudo o que Deus fez é bom, muito bom! A atração física tem, sim, um papel importante em um casamento. O problema é que, por conta da Queda, tudo o que era 100% bom se quebrou e ficou manchado pelo pecado.

Precisamos fazer essa distinção para não desprezarmos este aspecto do relacionamento conjugal. Digo “conjugal” porque, em última instância, é somente nele que a atração física deve ter o ápice de sua expressão, culminando na intimidade sexual. Quero ser bem clara aqui. Sou casada há quatro anos e me sinto muito atraída pelo meu marido. (Felizmente, é mútuo!) Na verdade, desde que o conheci, senti-me atraída por ele. E a atração foi crescendo com o relacionamento, explodiu em nossa lua de mel e continua bem viva e cheia de alegria ainda hoje!

Por que estou dizendo isso? Para que não caiamos no engano de que a atração física é um problema em si. Ela tem o seu lugar e é importante que cuidemos de nosso corpo e valorizemos a maneira como Deus nos criou. Ele nos fez com a capacidade de sentir uma “química” abençoada com o nosso marido, e essa é uma de Suas boas dádivas. Qual é o problema, então? O problema é o pecado, que nos inclina a idolatrar as boas dádivas de Deus, ou seja, elevá-las de seu lugar legítimo a um pedestal que lhes é impróprio. É importante atentar-se a isso porque a conexão emocional, tão valorizada no programa, pode, igualmente, tornar-se um ídolo.

Deus nos criou com a capacidade e o anseio por conexão emocional com outras pessoas e, de maneira especial, com o cônjuge. Isso é natural e bom, mas lembre, não vivemos em um mundo perfeito desde a Queda. Por isso, assim como a atração física, a conexão emocional também pode ser manchada pelo pecado, pelo egoísmo. E usar alguém pelos sentimentos que ele proporciona não é diferente de usá-lo pelo prazer visual ou físico que ele proporciona. Da mesma forma, trair ou abandonar um cônjuge com a desculpa de que ele não proporciona as emoções desejadas não é diferente de abandoná-lo ou traí-lo com a desculpa de que ele não proporciona o prazer visual ou físico desejado. Você percebe como nós, seres humanos, somos excelentes em distorcer as boas dádivas de Deus? Percebe como temos a inclinação de querer que as coisas girem em nosso redor?

Os participantes do reality querem fugir da superficialidade. Isso é ótimo! Realmente, a superficialidade é inevitável quando a atração física é a única conexão existente entre um casal. Porém, eles acabam olhando para a conexão emocional como o grande segredo de um relacionamento duradouro. Veja bem, não nego de forma alguma que a conexão emocional seja extremamente significativa em um casamento (e possa até aprofundar a atração física mesmo com o envelhecimento de nossos corpos), contudo, precisamos reconhecer que ela não deve ser o nosso alicerce nem a fonte suprema de nossa satisfação. Se transformada em algo que temos de ter, o que acontecerá nos momentos em que o cônjuge por algum motivo não atingir as nossas expectativas de intimidade emocional? O que faremos nas fases de vida em que a correria, o cansaço e os problemas parecerem sugar a nossa energia relacional?

É sábio ter bons critérios. Se você é solteira e deseja se casar, não há nada de errado em querer um cônjuge por quem você se sinta atraída e com quem você consiga conversar profundamente (desde que esses não sejam os seus únicos critérios, nem os principais). Porém, cuide-se para não ter uma atitude de “supermercado”, olhando para seres humanos criados à imagem de Deus como se fossem meros produtos em exposição nas prateleiras, com o potencial de suprir seus anseios (sejam físicos ou emocionais).

Não somos almas flutuantes, nem corpos ocos. Deus nos criou com a capacidade de sentir atração física e de nos conectar emocionalmente. E essas boas dádivas devem ser desfrutadas, dentro do contexto apropriado, mas não colocadas em um pedestal nem elevadas à condição de alicerce. 

O único alicerce suficientemente forte para o casamento é o amor, o verdadeiro amor, conforme Deus, a fonte do amor, o descreve. E esse amor, diga-se de passagem, não é nem um pouco cego. Na realidade, tem os olhos bem abertos para a glória de Deus e o bem da pessoa amada; é pronto para abrir mão de si e servir o outro; é marcado por compromisso, fidelidade, humildade, perdão, verdade, sacrifício e perseverança. De fato, esse amor não flui de nós naturalmente, mas, pela vida e obra de Cristo em nosso favor, podemos encontrar o perdão e a transformação de que precisamos. 

Pelo relacionamento restaurado com Deus no qual a fé em Cristo nos insere, podemos aprender a amar de verdade. Não pelas nossas próprias forças, mas pela graça de Deus que nos capacita. É esse o segredo de um relacionamento frutífero e duradouro. E é nesse tipo de casamento que o laço emocional e a conexão física terão as melhores condições de prosperar. Que o amor de Cristo seja o nosso combustível para amarmos como Deus nos chama para amar.