Ano passado conheci uma senhora divertida e agradável. Muito amada na igreja onde eu servia, seu amor pelas pessoas era visível e seu relacionamento com Deus, ainda mais impossível não perceber. Aos poucos fui conhecer sua história. Crescera numa boa família e estava na faculdade, mas aos 18 anos foi violentada e engravidou. Diferente da maioria das pessoas que passam por abuso sexual, não lhe foi possível esconder o que havia acontecido.(1) Para ela não havia dúvidas: ela teria o filho. Ela o criou, acabou se casando com um bom homem, também cristão, que adotou seu menino e eles viveram bem. Até que ano passado, depois de mais de um ano de luta contra o câncer, seu filho, já casado e pai de um garotinho, faleceu. Impossível descrever a dor que ela e o marido sentiram.

Este ano tive o privilégio de reencontrá-la e conversar com ela… quase um ano depois de perder seu filho. Perguntei-lhe como ele era. Lá se foi mais de uma hora de conversa, com algumas lágrimas, sobre um homem que amava a Deus e sua família, servia sua igreja, e que descansou nos braços do Seu Criador. Quis saber, então, como ela passa por tudo isso, o que a fortalece. Não é preciso de muito para saber, já que ela é bem verbal sobre isso: a certeza da presença de Deus com ela em todos os momentos, a garantia de que por causa do sacrifício de Cristo ela o verá novamente e o trabalhar do Espírito Santo em sua vida para mantê-la amável e não amarga. Recentemente ela postou no Facebook:

Dizem que não há dor como a dor de perder um filho, mas nunca me disseram como isso era superficial. Não existe um manual sobre como passar o resto da vida quebrado, tentando juntar todos os pedaços sem deixar que nenhum deles escorra por entre os dedos. E ainda assim, porque sabemos (eu e meu marido) onde nosso filho está, há sempre uma medida de alegria. Alegria misturada com amargor. Este é o copo do qual bebemos hoje. Fui abençoada em ser sua mãe pelos anos que ele andou conosco nesta terra. E ainda sou abençoada como sua mãe enquanto ele anda com toda a nossa família nos céus pela eternidade.”

Talvez seja assim que você se sente: quebrada, achando que nunca mais conseguirá juntar os cacos de sua vida, e talvez vá perder alguns por não poder mantê-los juntos. Infelizmente, acontece. Sinto ter de dizer que as Escrituras não existem para nos dar a razão de nossos sofrimentos e nem prometem que viveremos sem eles aqui na terra. De coração, queria poder te dar esta certeza, queria eu ouvir de Deus essa promessa. Mas Deus não costuma satisfazer nossas expectativas. Ele as reconstrói, ele vai muito além do que podemos pensar ou imaginar. Ele não é previsível nem dá respostas-padrão. Ao invés disso, Ele decidiu, antes mesmo de criar o mundo, que enviaria seu Filho Jesus, “o Cordeiro que foi morto desde a criação do mundo.” (Ap 13.8) para resolver o problema do sofrimento de uma vez por todas. E, enquanto Jesus não volta, deixou conosco o Consolador, o Espírito Santo de Deus, Deus em nós. Em meio a aflição, precisamos conhecê-lO.

O Pai que Age Soberanamente

Daniel, ao clamar por auxílio para revelar o sonho do rei Nabucodonosor, orou:

“Louvado seja o nome de Deus para todo o sempre; a sabedoria e o poder a ele pertencem. Ele muda as épocas e as estações; destrona reis e os estabelece. Dá sabedoria aos sábios e conhecimento aos que sabem discernir. Revela coisas profundas e ocultas; conhece o que jaz nas trevas, e a luz habita com ele.” (Daniel 2.20-22)

Davi, ao separar o material para a construção do Templo que seu filho Salomão iria construir, encoraja todo o povo a ofertar também e diz:

“Bendito sejas, ó Senhor, Deus de Israel, nosso pai, de eternidade a eternidade. Teus, ó Senhor, são a grandeza, o poder, a glória, a majestade e o esplendor, pois tudo o que há nos céus e na terra é teu. Teu, ó Senhor, é o reino; tu estás acima de tudo. A riqueza e a honra vêm de ti; tu dominas sobre todas as coisas. Nas tuas mãos estão a força e o poder para exaltar e dar força a todos. Agora, nosso Deus, damos-te graças, e louvamos o teu glorioso nome. Mas quem sou eu, e quem é o meu povo para que pudéssemos contribuir tão generosamente como fizemos? Tudo vem de ti, e nós apenas te demos o que vem das tuas mãos. Diante de ti somos estrangeiros e forasteiros, como os nossos antepassados. Os nossos dias na terra são como uma sombra, sem esperança.” (1 Crônicas 29.10-15)

Paulo, após discorrer sobre aspectos profundos da salvação, justificação, pecado, justiça e predestinação, não contém seu louvor, ao dizer:

“Ó profundidade da riqueza da sabedoria e do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e inescrutáveis os seus caminhos! ‘Quem conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi seu conselheiro?’ ‘Quem primeiro lhe deu, para que ele o recompense?’ Pois dele, por ele e para ele são todas as coisas. A ele seja a glória para sempre! Amém.” (Romanos 11:33-36)

Você percebe alguma semelhança entre estes discursos? Há discursos como esses em toda a Escritura. Em momentos de necessidade, em momentos de confusão, em momentos de decisão, é no caráter de Deus que todos buscam força. É em Sua imutabilidade que eles se apoiam. Seu caráter soberano é lembrado no momento de angústia. Seu poder é o consolo frente ao inimigo.

“Sabemos que Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam, dos que foram chamados de acordo com o seu propósito. Pois aqueles que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, também chamou; aos que chamou, também justificou; aos que justificou, também glorificou. Que diremos, pois, diante dessas coisas? Se Deus é por nós, quem será contra nós? Aquele que não poupou seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós, como não nos dará com ele, e de graça, todas as coisas?” (Romanos 8.28-32)

O Filho que Se Entrega Voluntariamente

Para o mundo, o maior sofrimento deve ser, provavelmente, o estupro ou a perda de um filho. No entanto, o maior sofrimento possível é passar a eternidade sem bem algum, afastado de Deus, o bem supremo. O inferno é isto. E é isto que está reservado àqueles que escolhem manter-se rebeldes para com Deus. Mas nós fomos salvos.

“Mas Deus demonstra seu amor por nós: Cristo morreu em nosso favor quando ainda éramos pecadores. Como agora fomos justificados por seu sangue, muito mais ainda seremos salvos da ira de Deus por meio dele! Se quando éramos inimigos de Deus fomos reconciliados com ele mediante a morte de seu Filho, quanto mais agora, tendo sido reconciliados, seremos salvos por sua vida!” (Rm 5.8-10)

Quando o homem pecou no Éden, o sofrimento foi trazido para toda a humanidade. Ao escolher honrar a si mesmo e rebelar-se contra Deus, o homem permitiu que o pecado criasse uma barreira entre ele e Deus. Ninguém poderia ter assumido o nosso lugar e eliminado de nosso coração a rebeldia e o orgulho que nos separa de Deus, senão Ele mesmo. E é por isso que, desde a eternidade, este era o plano amoroso de Deus. É por isso que Cristo veio morrer: para unir-nos de novo a Deus e permitir-nos desfrutar do amor e da bondade do nosso Criador, para sempre.

“Se nos perguntarmos novamente a questão ‘Por que Deus permite que o mal e o sofrimento continuem a existir?’ e olharmos para a cruz de Jesus, ainda assim não saberemos a resposta. No entanto, agora sabemos o que não é resposta. Não pode ser que Ele não nos ame. Nem pode ser que seja indiferente ou desconectado de nossa condição. Deus leva nossa miséria e sofrimento tão a sério, que Ele estava disposto a tomá-la sobre si.” (2)

Não que o fato de Jesus ter levado sobre Si as nossas dores elimine toda a nossa dor, mas isto nos dá esperança que é ainda maior que qualquer sofrimento: somos amados por Deus com um amor que, segundo o apóstolo Paulo, “excede todo conhecimento” (Ef 3.19). Por causa Dele mesmo, de Seu amor e de Sua disposição em pagar o preço que não poderíamos nunca pagar, fomos reconciliados com Deus. Essa é a maior alegria que podemos conhecer, a única alegria que ultrapassa qualquer sofrimento que venhamos a experimentar nesta terra. Isso não muda o fato de que ainda passaremos por dificuldades nesta vida, mas isto deveria mudar nossa perspectiva.

“Por qualquer que seja a razão pela qual Deus escolheu criar as pessoas como elas são – limitadas, sofredoras e sujeitas à tristeza e morte – ele teve a honestidade e a coragem de tomar de sua própria medicina… Ele não espera de nós nada que não tenha esperado de si mesmo. Ele mesmo passou por toda a experiência humana, das irritações insignificantes da vida familiar às restrições incômodas do trabalho duro, da falta de dinheiro aos piores horrores de dor e humilhação, derrota, desespero e morte. Quando Ele foi homem, Ele viveu como homem. Nasceu em pobreza e morreu em desgraça e considerou que tudo isto valeu a pena.” (3)

Isaías 53 diz que Jesus foi “desprezado e rejeitado pelos homens”, que era “homem de tristeza e familiarizado com o sofrimento”, que “tomou sobre si as nossas enfermidades e sobre si levou as nossas doenças.” Ainda mais, na cruz “o Senhor fez cair sobre ele a iniqüidade de todos nós. Ele foi oprimido e afligido, contudo não abriu a sua boca… embora não tivesse cometido qualquer violência nem houvesse qualquer mentira em sua boca.” Jesus “derramou sua vida até à morte, e foi contado entre os transgressores”, pois “ carregou o pecado de muitos, e intercedeu pelos transgressores” (vv.1-12).

Este é Jesus, filho de Deus, que “embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens. E, sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo e foi obediente até à morte, e morte de cruz!” (Filipenses 2:6-8).

Como passamos pelo sofrimento? Somente pela fé em Cristo Jesus, Sua morte e Sua ressurreição, Sua promessa de retornar para nos buscar e nos levar para a glória, onde desfrutaremos de Sua presença e Seu amor para sempre, com todos aqueles que Nele crerem, e “Ele enxugará dos seus olhos toda lágrima. [Na nova Jerusalém] Não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor” (Apocalipse 21.4).

O Espírito que Consola Continuamente

Jesus prometeu aos seus discípulos que, quando Ele voltasse aos céus, o Pai enviaria o Espírito Santo para ajudá-los, de diversas maneiras, a viver uma vida que agradasse a Deus.

“Mas aquele Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas, e vos fará lembrar de tudo quanto vos tenho dito.” (João 14.26)

“Ainda tenho muito que vos dizer, mas vós não o podeis suportar agora. Mas, quando vier aquele Espírito de verdade, ele vos guiará em toda a verdade; porque não faltará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido, e vos anunciará o que há de vir. Ele me glorificará, porque há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar.” (João. 16.12-14)

Veja, desde o início, a promessa do Espírito Santo é a de um consolador. Na verdade, este é o próprio significado da palavra usada neste texto. Consolador aqui é Paracleto, que significa “chamado para o lado de alguém” ou “aquele que anda ao lado de”. Isso significa que Ele está ao nosso lado ou, na linguagem de 1 Coríntios 6.19, “habita em nós”.

Quando sofremos por causa de nosso pecado, é Ele quem sonda os nossos corações (1 Co 2.10), nos exorta e convence do pecado (Jo 16.8), nos capacitando a pedir perdão e a viver corretamente (Hb 10:16). Em meio à dor Ele nos faz lembrar das promessas e do amor do Pai (Jo 14.26), intercedendo por nós quando não sabemos nem mesmo o que dizer a Deus (Rm 8.26,27).

Há algo mais que gostaria de dizer.. Em João 20.22 lemos que “Jesus soprou em seus discípulos e disse-lhes: recebei o Espírito Santo”. O verbo “soprou” usado nesse texto é o mesmo verbo usado em Gênesis 2.7, onde diz que Deus soprou no nariz de Adão o fôlego de vida e o fez alma vivente. Isso significa que Jesus estava lhes dando o Espírito a fim de lhes produzir vida – a nova vida daquele que conhece a Cristo. Assim como soprou no homem lhe dando vida física, Deus também soprou nos discípulos para lhes trazer vida espiritual. Ele continua nos vivificando hoje por meio do Espírito: “Vocês estavam mortos em suas transgressões e pecados… todavia, Deus, que é rico em misericórdia, pelo grande amor com que nos amou, deu-nos vida juntamente com Cristo” (Efésios 2.1,4,5).

E esta é a ação do Espírito Santo em nós, produzir vida espiritual, porque o homem natural não consegue por si mesmo produzir fruto digno de arrependimento, isto é obra do Espírito Santo. E o fruto do Espírito é amor, que nos permite ofertar perdão a quem nos feriu; alegria, quando nosso coração está partido; paz, quando o sofrimento nos traz confusão e conflito; longanimidade, a paciência para perseverar em meio às dificuldades; benignidade, uma disposição interior de pensarmos o melhor sobre os outros e agirmos com bondade; fé, a capacidade de continuar confiando em Deus na dor; mansidão, agindo em submissão a Deus, humildade e consideração para com Deus e com as outras pessoas; e domínio próprio, ou autocontrole, que nos permite lutar diariamente contra nossas vontades pecaminosas e vencê-las através do poder de Deus que opera em nós, especialmente para reagir corretamente às circunstâncias adversas que surgem em nossa vida (Gálatas 5.22).

Por último, lembre-se que, antes de Jesus subir aos céus em Mateus 28.18-20, Ele prometeu que estaria sempre conosco, até o fim dos tempos. O Espírito Santo que age em nós, e que nos dá poder para vencer o pecado, testemunhar e frutificar, o mesmo Espírito que nos consola em nossas fraquezas, estará conosco até Jesus Cristo voltar.

O Que Se Vê

O sofrimento é, também, uma questão de perspectiva. Paulo disse que sofrera muito mais que outros (2 Co 11.23-28) mas que essas tribulações eram leves e momentâneas (2 Co 4.16-18). Compare os dois textos e diga-me se faz sentido que eles tenham vindo da mesma pessoa.

“São eles servos de Cristo? — estou fora de mim para falar desta forma — eu ainda mais: trabalhei muito mais, fui encarcerado mais vezes, fui açoitado mais severamente e exposto à morte repetidas vezes. Cinco vezes recebi dos judeus trinta e nove açoites. Três vezes fui golpeado com varas, uma vez apedrejado, três vezes sofri naufrágio, passei uma noite e um dia exposto à fúria do mar. Estive continuamente viajando de uma parte a outra, enfrentei perigos nos rios, perigos de assaltantes, perigos dos meus compatriotas, perigos dos gentios; perigos na cidade, perigos no deserto, perigos no mar, e perigos dos falsos irmãos. Trabalhei arduamente; muitas vezes fiquei sem dormir, passei fome e sede, e muitas vezes fiquei em jejum; suportei frio e nudez. Além disso, enfrento diariamente uma pressão interior, a saber, a minha preocupação com todas as igrejas.” (2 Coríntios 11.23-28)

“Por isso não desanimamos. Embora exteriormente estejamos a desgastar-nos, interiormente estamos sendo renovados dia após dia, pois os nossos sofrimentos leves e momentâneos estão produzindo para nós uma glória eterna que pesa mais do que todos eles. Assim, fixamos os olhos, não naquilo que se vê, mas no que não se vê, pois o que se vê é transitório, mas o que não se vê é eterno.” (2 Coríntios 4.16-18)

Você consegue comparar aquilo que vive ao que ele experimentou? No entanto, a perspectiva de Paulo estava correta, alinhada à grande história. Ele sabia que o que ele viveria aqui na terra era passageiro comparado ao que o aguardava no porvir – lhe era preferível sofrer aqui por amor a Cristo do que sofrer sem Cristo na eternidade.

Pode ser que Deus não te proteja de cada coisa ruim que venha a acontecer, tenha que acontecer ou que poderia acontecer com você, mas você está salva. O maior livramento, a maior vitória, o mais presente e a maior prova de amor de Deus já foi dada a nós por meio do sacrifício de Seu Filho Jesus Cristo, a quem Ele deseja que nos assemelhemos. Se Ele não nos amasse, se não fosse bondoso para conosco, se não estivesse soberanamente agindo para o nosso bem, Deus não teria enviado Cristo para nos salvar nem o Espírito Santo para nos consolar. Este é o Deus a quem servimos, um Deus que está conosco sempre, até a consumação dos séculos, mesmo em meio à dor.

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  1. Não quis dizer que o certo seja esconder, mas que, infelizmente, esta é a realidade da maioria das pessoas que passa por abuso sexual.
  2. Tim Keller, The Reason for God: Belief in an Age of Skepticism. New York: Dutton, 2008. p. 30.
  3. Dorothy Sayers, Letters to a Diminished Church: Passionate Arguments for the Relevance of Christian Doctrine. Nashville: Thomas Nelson, 2004. p.2.