Eu sou uma amante das artes… Toda forma de arte: desenho, pintura, escultura, grafite, música, arquitetura, literatura e gastronomia. Há algo no potencial criativo do ser humano que me cativa. É fascinante ver as combinações de cores, formas, notas, palavras e sabores que alguém pode trazer à realidade. Particularmente, eu gosto muito de desenhar. Sempre o fiz, desde pequena, quando rabiscava as paredes da sala da minha mãe – o que, certamente não a deixava tão feliz. Fato é que não me recordo de um momento em minha vida em que a paixão por desenhar não estivesse presente. Amo o processo de construir uma imagem em minha mente e traduzi-la em linhas acessíveis às pontas dos meus dedos. Além do desenho, dentre todas as expressões artísticas que encantam, existem duas que se destacam para mim, as quais eu sou completamente incapaz de realizar. Uma é a pintura realista. Ao mesmo tempo em que este processo criativo não faz sentido para mim pela minha falta de habilidade para realizá-lo, é lindo ver a perfeição que algumas pinturas alcançam: o tom da pele, a luz e as sombras, as gotas de água, os reflexos. Poderia ficar horas apreciando um quadro desses e, ao mesmo tempo, contemplando minha incapacidade de compreender como faz. A outra arte que destaco aqui é da maestria em orquestrar as palavras de um autor em especial: C. S. Lewis. Ele é mais conhecido por ter escrito Nárnia, mas ele também escreveu outras obras sobre Deus, a vida e o cristianismo. À parte de suas obras de fantasia, suas leituras da vida e sua lógica ao usar ilustrações para seus argumentos são incríveis. E o que ele dizia sobre seu amor pela imaginação, é ainda mais fascinante, pois ele diferenciava imaginário de imaginativo: o primeiro limita-se a criar histórias, cenários e personagens que não são reais, que em nada se relacionam com a realidade e que não tem um objetivo de ser; já o segundo é a capacidade de criar histórias, cenários e personagens que trazem reflexões sobre a realidade e sobre as possibilidades de como esta poderia ser – e é com esta base criativa que Nárnia surge.

Mas por que eu estou falando tudo isso? Porque esse potencial criativo do ser humano é imensurável e suas expressões são peculiares a cada pessoa. Ainda que você se considere uma pessoa sem capacidade artística, isso não quer dizer que você não seja criativa. A própria capacidade de liderar, de resolver conflitos, de tomar decisões (e tantas outras atividades) envolve graus de criatividade e características de personalidade que são exclusivas de cada um. Ela está presente em todos nós e manifesta-se em diferentes tons, cores e formas. Agora, refletindo um pouco mais a fundo, eu te pergunto: o que a presença da criatividade em nós nos ensina sobre Deus? Que todas as expressões criativas são vislumbres dAquele que é em essência o que nós somos em partes. Ainda que ofuscados e imperfeitos, se temos a capacidade de amar é porque Ele é o amor em perfeição; se temos a capacidade de raciocinar é porque Ele é a razão em perfeição; se temos a capacidade de cometer atos de bondade é porque Ele é a bondade em perfeição… O mesmo se dá com a criatividade, se há em nós alguma capacidade de criar, é porque Ele é o criador em excelência. Ele nos deu de Si, comunicou a nós algumas de Suas características, ainda que essas características se expressem numa mente corrompida pelo pecado e numa escala muito menor. Mas, à parte do pecado, toda beleza presente em nós expressa que somos imagem e semelhança de Deus, e quando contemplamos a criatividade do ser humano em suas multiformas de se expressar, devemos também contemplar essas realidades espirituais e dar glória ao Senhor por isso.

Um texto que me faz refletir sobre a criatividade de Deus é Jó 38. Em sua soberania, Deus permitiu que Jó passasse por lutas profundas em sua vida para provar sua fé. Jó perdeu sua fortuna, seus dez filhos e ficou doente a ponto de coçar-se com cacos de vidro. Somado à isso, sua esposa o aconselhou a amaldiçoar a Deus e seus amigos queriam convencê-lo de que o motivo de tanta desgraça estar acontecendo era porque ele estava em pecado. A Bíblia diz que Jó não pecou em nenhum momento durante seu sofrimento, mas ele questionou a Deus sobre o porquê de tudo aquilo. Numa amorosa repreensão, Deus lhe pergunta: “Onde você estava Jó quando eu coloquei os alicerces da Terra, quando medi e estabeleci os limites do mar, quando eu estabeleci o dia e a noite? Que conselhos você me deu para que eu definisse o caminho da luz e dos relâmpagos, para que eu estabelecesse os reservatórios de neve, ou para que eu fizesse brotar vegetação no deserto? Você conhece as leis dos céus, das constelações, das chuvas? (…)” (Jó 38-39) Por fim, Deus questiona: “Você vai pôr em dúvida minha justiça? Vai condenar-me para justificar-se?” (Jó 40.8). E rendido, Jó responde aquele texto tão conhecido: “Sei que podes fazer todas as coisas; nenhum dos teus planos pode ser frustrado. Tu perguntaste: ‘Quem é esse que obscurece o meu conselho sem conhecimento?’ Certo é que falei de coisas que eu não entendia, coisas tão maravilhosas que eu não poderia saber. Tu disseste: ‘Agora escute, e eu falarei; vou fazer-lhe perguntas, e você me responderá’. Meus ouvidos já tinham ouvido a teu respeito, mas agora os meus olhos te viram. Por isso menosprezo a mim mesmo e me arrependo no pó e na cinza (Jó 42.1-6).

Quando leio esses versículos, algumas preciosas lições vem à minha mente. Primeiramente, a Majestade de Deus em toda a criação. Todo o potencial criativo existente na mente de Deus é avassaladoramente deslumbrante. É impossível conceber um mundo sem alicerces, sem mar, sem noite e sem dia, sem estrelas, sem chuva, vegetação ou animais… Quando penso na beleza e nas cores do céu, na beleza das flores e dos mares… Quando considero a complexidade do corpo humano, a capacidade de raciocínio, os órgãos e células trabalhando em sintonia, fico maravilhada. Tudo tão perfeitamente concebido na mente do Grande Artista. E por sua Graça ele permite que algumas pinceladas de toda essa capacidade de concepção e criação estejam presentes na humanidade. Até mesmo quando contemplo algo que não sou capaz de fazer, isso me leva a glorificá-lo, porque Ele é o todo desses respingos de criatividade encontrados nas pessoas. Outra lição que me ocorre é a lembrança de todas as vezes em que questionei a Deus, que reclamei de algo, que considerei que do meu jeito seria melhor. Coloco-me no lugar de Jó e me sinto humilhada… Onde eu estava quando Deus mediu os mares com a palma de suas mãos? Quem sou eu para questionar a soberania do Senhor? Quando Contemplo a criação de Deus e olho para meu coração corrompido, coloco-me no meu lugar, meus pés tocam o chão, minha insignificância face à grandeza de Deus vem à tona. Faço minhas as palavras de Jó que, além do reconhecimento de sua pequenez, expressam um relacionamento com um Deus supremo que se permitiu ser conhecido, que rege a história da vida dos seus e que não encolheu a mão para abençoar a vida dele depois de sua rendição.

Deus, com todo o potencial criativo que lhe é inerente, está no controle de nossas vidas. Mesmo quando não entendemos, quando sofremos, quando as coisas parecem fugir do controle, quando a frustração bate à porta, Ele está no controle. É como se observássemos de longe um artista pintando uma tela. No início, é uma série de borrões e rabiscos que não fazem sentido. Depois algumas cores que parecem um tanto sem graça são acrescentadas. Perplexos observamos, não entendemos mas ainda assim opinamos, criticamos… Mas o fato é que a mente do artista já visualiza o resultado final, enquanto nós somos incapazes de prever como será a próxima pincelada. Aos poucos, as mesclas de cores vão se formando, as nuances de sombra, de luz, de vida vão se formando sobre a tela e os olhos observadores arregalam-se numa mistura de espanto e admiração. Mas não os olhos do pintor, Ele sempre soube como seria o final. Confie e descanse no controle e na sabedoria dAquele que mediu o mar com a palma de suas mãos quando você ainda nem existia. O Grande Artista usa da mesma criatividade expressa nas cores do pôr-do-sol para dar cor aos seus dias.

Thais Urel