Este é o artigo que encerra a nossa série do mês de abril “Penso, logo creio”, por meio da qual buscamos demonstrar a importância da fé que crê porque raciocina, e não porque é alienada. Refletimos sobre argumentações a respeito do Jesus histórico que viveu aqui neste mundo e sobre a veracidade e credibilidade da Bíblia. E para o “grand finale”, um tema não menos polêmico: o problema do mal. Dada a dificuldade do tema, em alguns momentos vou me dirigir diretamente à você, leitora. Quero que seja pessoal. Quero que seja uma conversa sincera. E longe de mim querer dar uma resposta definitiva à questão. O problema do mal tem sido discutido há bem mais tempo do que minha própria existência, e com certeza não serei eu quem o resolverá. Não tenho condições de dar uma resposta que não permita desdobramentos ou outros questionamentos. Minha intenção é, no entanto, compartilhar a resposta que satisfaz e aquieta a minha alma. Também me vejo incapaz de fazê-lo fora de uma cosmovisão cristã, creio que tal questão precisa ser abordada a partir de uma plataforma de fé solidamente embasada nas Escrituras. Esta é minha missão aqui neste texto.

Antes de continuar, precisamos definir o que é o mal. O dicionário Priberam traz uma vasta lista de conceitos: (subs. masc.) 1. Tudo o que é oposto ao bem. 2. Infelicidade, desgraça. 3. Calamidade. 4. Dano, prejuízo. 5. Inconveniente. 6. Imperfeição. 7. Ofensa. 8. O que desabona. 9. Aflição. 10. Doença. 11. Lesão.(1) Todos eles envolvem dano a algo ou a alguém. De forma prática, podemos categorizar de duas maneiras: (a) o mal moral e (b) o mal natural. O primeiro se refere à toda maldade proveniente da perversidade humana, quando causada pelo exercício da vontade de agentes morais – podemos citar a guerra na Síria, o Holocausto da Segunda Guerra, os atentados terroristas, a fome na África, os crimes e homicídios todos os dias estampados nos jornais. O segundo diz respeito ao mal resultante de processos naturais pelos quais nenhum agente moral poderia ser responsabilizado pelos danos causados – e sobre isso podemos citar as catástrofes naturais e as doenças, como o Tsunami, o terremoto do Haiti e o câncer.

O mal existe. O sofrimento é real. Em maiores ou menores proporções, o mal toca nossa realidade, toca a minha, e tenho certeza de que em alguma medida, toca sua vida também. E em meio ao desespero da alma, proveniente da dor sentida física ou emocionalmente, ecoam gritos aflitos: “Onde está Deus?”; “Se Deus é bom e poderoso, por que ele não acaba com o sofrimento? Será, então, que Ele não existe?”; “Por que Ele não impediu que o gatilho fosse disparado?”; “Por que Ele não impediu que a criança fosse tocada?”; “Por que Ele não imobilizou a mão do agressor?”; “Por que Ele não calou as palavras opressivas?”; “Por que Ele não parou a fúria dos mares?”. Por quê? Muitos questionam a existência de Deus em virtude do sofrimento e, de fato, não é uma tarefa fácil lidar com a dor e as indagações do coração humano. Mas o cristianismo não deixa essas duras perguntas sem respostas.

Em Gênesis, capítulos 1 e 2, lemos que o mundo foi criado perfeito. Não existia lágrima, não existia dor, não existiam doenças, não existia morte. Adão e Eva alimentavam-se da árvore da vida e desfrutavam de toda a perfeição da criação. Mas como sabemos, no capítulo 3, o orgulho tomou conta do coração do homem que, tomando parte do livre arbítrio que lhe fora dado, cedeu à tentação.  A natureza humana foi corrompida, bem como toda a criação. As consequências do pecado foram a morte espiritual, a morte física, as doenças, o sofrimento, a perversidade do coração… E esta é a resposta do porquê do mal: o pecado.

Romanos, capítulos de 1 a 3, nos conta como a humanidade tem acesso ao conhecimento de Deus mas prefere voltar-se para sua própria sabedoria, para os seus próprios desejos distorcidos, e por conta dessa devassidão, Deus os entregou à perversidade do seu próprio coração. Sim, Deus é amor. Mas frequentemente esquecemos que Ele é justiça, e a corrupção do homem é merecedora da ira de um Deus santo que não pode tolerar o mal (Hc 1.13). Não existem justos nessa conta (Rm 3.10). Não podemos dizer que apenas um assassino ou um estuprador merece pagar pelos seu pecados, porque o mesmo pecado que habita neles habita em nós. Todos fomos corrompidos. Não existe quem sofra injustamente, porque todos somos pecadores, severos ofensores da santidade de Deus, e habitamos num mundo de aflições.

Por que a morte existe? Justa condenação que Deus proferiu contra Adão por conta de seu pecado.

“… até que volte à terra, visto que dela foi tirado; porque você é pó e ao pó voltará”. (Gn 3.19)

Por que as doenças existem? Elas ilustram a ação do pecado em nossa alma doente. O texto de Isaías 53 não é literal, ele não está se referindo às doenças físicas, ele aponta para uma realidade espiritual. Na cruz, Cristo levou sobre si a enfermidade de nossas almas, ou seja, nos proveu a redenção.

“Certamente ele tomou sobre si as nossas enfermidades e sobre si levou as nossas doenças…” (Is 53:4)

Por que as catástrofes naturais existem? Porque a natureza também caiu, foi corrompida pelo pecado. Não havia morte, não havia presa nem caça, não haviam desastres. A criação geme por restauração.

“A natureza criada aguarda, com grande expectativa, que os filhos de Deus sejam revelados. Pois ela foi submetida à futilidade, não pela sua própria escolha, mas por causa da vontade daquele que a sujeitou, na esperança de que a própria natureza criada será libertada da escravidão da decadência em que se encontra para a gloriosa liberade dos filhos de Deus. Sabemos que toda a natureza criada geme até agora, como em dores de parto.” (Rm 8.19-22)

Por que o coração do homem é perverso? Porque a imagem de Deus impressa em si foi manchada pela corrupção do pecado. Um ser que foi criado para refletir a Glória do Senhor, voltou-se orgulhosamente para si e seus sujos desejos. A humanidade geme pela restauração.

“E não só isso, mas nós mesmos, que temos os primeiros frutos do Espírito, gememos interiormente, esperando ansiosamente nossa adoção como filhos, a redenção do nosso corpo. Pois nessa esperança fomos salvos.” (Rm 8.23-24)

A realidade espiritual da humanidade é que ela está morta em delitos e pecados (Ef 2.1-3). Sem vida. Incapaz de perceber a realidade de podridão em que está presa  e por isso tamanha perversidade assola este mundo tenebroso. Mas a história não para aqui. Por que existe Graça. E, pela Graça, Deus salva aqueles que são seus. Pelo sacrifício de Cristo fomos salvos da condenação eterna e de uma vida sem a consciência de nossa ofensa contra Deus. É pela capacitação do Espírito Santo que discernimos espiritualmente sobre a vida  em Cristo (Ef 2.4-10) e lutamos por uma vida de transformação e santidade (Rm 6.22; 2 Co 7.1), enquanto gememos pela restauração futura (Rm 8.23). Mas enquanto habitarmos este mundo, a perversidade ainda estará em nós, e a única coisa que nos diferencia daqueles que cometem crimes hediondos, é que a justiça de Cristo nos cobre e, pela graça e comunhão com o Espírito, nos ensina a renegar as paixões que nos são naturais.

Tudo isso te parece muito duro? Ainda mais dura é nossa condição de ofensa diante da santidade de Deus. O que vivemos aqui são os penosos desdobramentos da escolha orgulhosa que a humanidade fez, representados por Adão. Todos somos indesculpáveis (Rm 1.20) e, por isso, carentes da justiça de Cristo. Jesus nos avisou que este seria um mundo de dores, e que iríamos sofrer (Jo 16.33). Mas esta palavra não vem sem esperança. O sofrimento deste mundo tem uma causa, o pecado. Mas em Cristo, ele também ganha propósitos: nos ensinar e moldar à imagem de Cristo (Rm 8.28-29) bem como evidenciar a glória que está por vir, quando seremos restaurados à condição de glória pela qual gememos, quando toda lágrima de nossos olhos será enxugada para sempre, quando todo o sofrimento terá fim (Rm 8.15-18; 2 Co 4.17; Ap 21.4).

Onde está Deus em meio ao sofrimento humano? Ao lado dos seus filhos. Onde está Deus quando, em minha rebeldia, decido pecar e machuco outras pessoas? Ao meu lado. Ele não me impede de pecar – isso só demonstra a justa condição em que me encontro pela minha corrupção. Mas ele me oferece seu perdão por meio da justiça de Cristo (1 Jo 1.9).

Se eu já sofri porque o pecado de outros me machucaram? Sim, profundamente. Mas aprendi que em todo tempo Deus é bom, sábio, soberano e nunca esteve indiferente à minha dor. Ele provê toda paz e consolo de que minha alma anseia, Ele me ensina a não amar este mundo pois não fui criada para me sentir completa aqui, Ele aponta para esperança futura e segura ao Seu lado. Se meu coração aperta ao ver alguém querido sofrendo com uma doença grave, ou quando ouço sobre mortes provocadas por catástrofes naturais? Avassaladoramente! Mas sou consolada pelo verdade espiritual de que gememos pela realidade perfeita para qual fomos criados. Enquanto habitarmos neste mundo, o problema do mal estará presente, mas não sem respostas ou razão de ser. Ele não nega a existência de um Deus bom, simplesmente evidencia a triste realidade daqueles que se rebelaram contra Ele.

 

(1) “mal”, em Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008 – 2013,  https://www.priberam.pt/dlpo/mal  [Consultado em 17-04-2018].