Antes que houvesse pecado, antes que o homem fosse formado, antes mesmo do Universo ser criado, o plano já estava estabelecido (1 Pe 1.20; At 2.23; 4.27-28; 2 Tm 1.9). O preço pela ofensa à santidade de Deus foi determinado antes da fundação do mundo: a morte do Filho pela vida de muitos. Em nuances de entendimento muito maiores do que nossa limitada mente possa chegar, Deus determinou a morte de Seu Filho unigênito em resgate daqueles a quem haveria de criar. Assim, Deus criou o homem mesmo sabendo que este viria a cair e isto não frustrou Seus desígnios para a obra de criação que estava realizando. À parte de questões existenciais do “porquê” Deus agiria dessa forma, basta-nos saber que por mais profundo que nossa mente possa divagar procurando respostas, a sabedoria de Deus é insondável (Rm 11.33-34; Jó 38). Se a Bíblia diz que Deus criou, que o homem pecou e que, ainda assim, o Pai é soberano sobre todas as coisas, nisto cremos como verdade absoluta.

No Jardim do Éden, Deus presenteou o homem com todos os frutos das árvores que criara, exceto uma (Gn 2.8-9; 2.16-17). Deu-lhe tudo, só havia uma restrição, presenteou-lhe com bênçãos, mas o homem focou naquilo que, aos seus olhos, lhe faltava. Ao invés de contemplar tudo o que havia recebido pela perspectiva da abundância, o homem focou naquilo que não tinha. A despeito da graça, olhou através dos óculos da escassez. Insatisfação. Orgulho. Desobediência. Morte. Adão pecou e por sua representatividade da raça humana, todos pecaram, foram concebidos em pecado e nasceram em pecado (Sl 51-5). Adão tinha a escolha de não pecar, mas tomado pela perspectiva da escassez, sucumbiu em sua ofensa contra Deus.

Por um só homem, o pecado entrou no mundo e corrompeu a imagem que Deus imprimiu em Suas criaturas. A vida foi tomada pela morte. A comunhão entre Deus e o homem (para a qual fomos criados) foi rompida e estilhaçada. A santidade de Deus é expressa no fato de que Ele é tão puro de olhos que não pode contemplar o mal (Hb 1.13), e o pecado manchou tudo o que Deus contemplava em Sua criação. Diante disso, ou o homem estaria desesperadamente perdido à parte da graça, ou precisaria desesperadamente de um salvador. Por amor, graça e misericórdia havia um preço a ser pago, um preço de sangue, o qual carrega a vida (Lv 17.11). Havia um desígnio eterno e satisfatório que cobriria toda a morte gerada pelo pecado. Havia um sacrifício a ser realizado por alguém em quem a humanidade pudesse ser representada – como o foi em Adão (1 Co 15.22; 15.45), mas também alguém em quem não houvesse pecado, para que a justiça pagasse o preço pela injustiça. Havia um Salvador. A resposta divina foi o Filho, Deus homem, o Justo pelos injustos. Assim, a Graça salvadora de Deus foi manifesta àqueles que não a mereciam, que não a buscaram, que só a desprezaram.

O Cordeiro Santo de Deus foi enviado ao mundo com um desígnio eterno a ser cumprido. Quando o povo de Israel, o povo escolhido de Deus, foi liberto do Egito sob a direção de Moisés, a festa da Páscoa foi estabelecida como um memorial que relembra a libertação gloriosa (Ex 12), mas também como uma sombra, um anúncio da obra que seria efetivada em Cristo. Séculos depois, quando os judeus cumpriam sua tradição e imolavam seus cordeiros para a celebração da festa com suas famílias, o Verdadeiro Cordeiro que tira o pecado do mundo estava sendo levantado no madeiro (Jo 19.14), sem que os homens se dessem conta do que acontecia ali. Eram nossas ofensas, nossa sujeira, nossa obstinação que estavam sobre Cristo. Muito mais do que a dor dos açoites e cortes na carne, o peso da ira santa e justa de Deus pelo pecado era derramado em Jesus, céus e terra demonstraram a grandiosidade e profunda dor daquele momento (Mt 27.51-54). Ele foi traspassado, moído, ferido por nossas transgressões para que pudesse nos oferecer o Perdão (Is 53). Essa mensagem precisa constranger nossos corações. Não é só mais uma história, é “A HISTÓRIA” sobre a sua e a minha vida! Naquela Cruz, por amor, Cristo assumia nossas mentiras, nossas paixões infames, nossos pensamentos obscuros, nosso orgulho, nossos julgamentos, nosso coração duro e obstinado… E mesmo consciente de tudo o que dispunha contra nós, Ele rendeu Sua vida voluntariamente para nos resgatar das garras do pecado (Rm 5.8; Jo 10.18; Mt 27.50). Aleluia!

John Stott diz que “na cruz o amor e a justiça divinos foram reconciliados.” Ali, o preço satisfatório exigido pela santidade de Deus foi sanado (propiciação – Rm 3.25; Hb 2.17; 1 Jo 2.2; 1Jo 4.10) e o sangue de Jesus cobriu definitivamente o pecado daqueles que a Ele se rendem (expiação – Hb 9.26). Por amor ao mundo, Deus exerceu Sua justiça em Cristo, para que nEle fôssemos reconciliados e retornássemos à comunhão com nosso Criador (Jo 3.16; Rm 5.10; 1 Pe 1.3). Pelo sacrifício de Cristo, hoje, podemos nos achegar ao trono da Graça (Hb 4.16), temos acesso direto ao Pai (Hb 10.19-22), temos o perdão dos nossos pecados (Hb 9.26, 1 Jo 1.9) e o desfrute da plenitude de uma vida vivida em Sua presença está disponível a nós. Uno-me aqui às palavras de Paulo quando contempla a obra de salvação que Deus vem realizando através da história da humanidade: “ó profundidade da riqueza da sabedoria e do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e inescrutáveis os seus caminhos! (…) A ele seja a glória para sempre! Amém.” (Rm 11.33,36).

Minha oração é que nosso coração seja constrangido diante do amor demonstrado na morte de Cristo (2 Co 5.14). A cruz é o símbolo do cristianismo, mas que ao olharmos para ela nós possamos lembrar que é um símbolo de fraqueza, de dor, de loucura… Houve um preço, um alto preço para que recebêssemos uma vida que não merecíamos. Esse constrangimento, pela ação do Espírito, deve nos levar a uma vida responsiva, que luta contra o pecado e busca uma conduta de santidade que glorifica a Deus. Essa conduta santa se manifesta na maneira como tratamos nossos pais, na forma com que nos submetemos aos nossos chefes e líderes, em nossos pensamentos “protegidos” pelo silêncio da mente, nos comentários que fazemos sobre as pessoas, no modo como pensamos e agimos com nossos namorados ou com outros meninos, naquilo que fazemos quando ninguém nos vê, na maneira com que lidamos com dinheiro e “nossas comprinhas básicas”. E não somente na luta contra o pecado, mas também na perseverança em meio às lutas e dificuldades.

Está difícil continuar? Lembre-se do sofrimento que Cristo suportou e que Ele mesmo renova as forças necessárias, lembre-se que os sofrimentos deste mundo são passageiros e que existe uma glória futura a ser revelada sem pecado, sem dor e sem prato, na plenitude do conhecimento e da presença eterna do nosso Deus. Convido você a, neste sábado de Páscoa, olhar para sua vida e olhar para a cruz. Você tem partilhado dos sofrimentos de Cristo? Lute contra toda a forma de mal e glorifique o nome do seu Senhor! Persevere em oração em toda e qualquer circunstância! Que esta não seja só mais uma história que não encontra eco numa consciência cauterizada.

A morte de Cristo nos traz as boas novas da purificação do nosso pecado, mas nossa esperança manifestada na Obra de Cristo ainda vai além (1 Co 15.19-20). A ressurreição nos traz as boas novas da justificação e da posição que assumimos em Cristo (Rm 4.25). Amanhã, mais um artigo que nos leva a refletir o que a celebração da Páscoa deve relembrar aos nossos corações: se Cristo não tivesse ressuscitado, será que alguma coisa seria diferente hoje? Que Deus te abençoe! Feliz Páscoa!