Eu não estava bem!
Era o meu 16º dia de quarentena. Finalmente março acabara, mas abril não começava com boas notícias, o horizonte da normalidade social ficava cada vez mais turvo, era impossível saber se ou quando as coisas seriam como antes.
Talvez eu estivesse sendo dramática, tudo ia bem no emprego e, graças às tecnologias, o isolamento nem era tão severo assim, sem falar no meu lindo namorado que, aos finais de semana, sempre me resgatava do completo confinamento em meu apartamento e me leva para passar um tempo com a família dele, já que a minha família estava a milhares de km de distância.
É, apesar da situação caótica do mundo, em certo ponto, meu mundo estava até em ordem, mas o problema é que o mesmo não se passava com as minhas emoções.
Por causa da pandemia da Covid-19 tenho passado os meus dias em casa sozinha. Nos primeiros dias organizei uma “to do list”, para que pudesse utilizar o tempo livre de maneira mais proveitosa. Porém, não demorou para que as antigas ansiedades preenchessem boa parte do meu dia, trazendo até noites insones.
A princípio eu quis culpar a pandemia. O excesso de notícias, as “Fake News”, as incessantes mensagens de “WhatsApp” ou as incertezas do amanhã. Mas a verdade é que a quarentena só revelou lutas adormecidas em meu coração.
Eu estava entrando num ciclo vicioso de ociosidade e frustração, até que busquei a solução na palavra do Senhor e logo encontrei socorro.
No momento que vos escrevo, ainda estamos em quarentena e sem perspectiva de retomar a vida normal, aproveito para compartilhar algumas lições que tenho aprendido:

1. A culpa das suas emoções desordenadas não é da pandemia:


Desde o Éden somos propensos a apontar culpados pelas nossas emoções e comportamentos; quando indagados por Deus acerca de seu pecado, Adão e Eva rapidamente encontraram culpados: “foi a mulher que Tu me deste”, disse ele; “a serpente me enganou e eu comi”, disse ela (Gn 3:12-13). Mas nós não somos muito diferentes, somos?
Tente se lembrar da última vez que você pecou, (bem, se formos parecidas, não terá sido há tempo assim…) qual foi sua primeira reação, você examinou cuidadosamente as circunstâncias que te levaram a cair ou talvez tenha analisado bem os fatos e se dado conta de que se as coisas não fossem daquela maneira, se determinada pessoa não tivesse dito aquilo ou feito aquilo outro, você certamente não haveria pecado.
Ah-HA! Eis que o drama do Éden nos acompanha desde que o primeiro Adão pecou. A nossa tendência natural é buscar culpados para o pecado, é analisar as circunstâncias, enquanto a Bíblia nos alerta o tempo inteiro para o problema do coração (pois é, meninas, de novo esse danado)!
Quando a bíblia fala de coração, muitas vezes ela se refere à alma/consciência, ela aponta coração como sendo o centro de nossos desejos e emoções:

“Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto; quem o conhecerá? Eu, o Senhor, esquadrinho o coração, eu provo os pensamentos; e isto para dar a cada um segundo o seu proceder, segundo o fruto das suas ações.” (Jr 17:9-10)

“Não compreendeis que tudo o que entra pela boca desce para o ventre e, depois, é lançado em lugar escuso? Mas o que sai da boca vem do coração, e é isso que contamina o homem. Porque do coração procedem maus desígnios, homicídios, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos, blasfêmias.” (Mt 15:17-19)

Isso não quer dizer que as circunstâncias sejam irrelevantes, ou que tenhamos que ser insensíveis a elas. No entanto, as escrituras nos revelam que o problema é bem mais profundo, ele está no nosso âmago.
Ao tratar do tema no livro Mulheres Aconselhando Mulheres, Elyse Fitzpatrick comenta: “as situações que enfrentamos não são a causa das nossas reações emocionais. Nossos corações estão sempre ativos, pensando, desejando e planejando. (…) As situações simplesmente servem para expor as coisas sobre as quais estamos pensando, desejando e planejando”.
Por alguns dias eu me entreguei a pensamentos ansiosos e autocentrados. Fui dominada pelo desânimo e, enquanto as circunstâncias não podiam ser transformadas pela minha força, experimentei renovo.
Como isso se deu, conto daqui a pouquinho… 
Voltemos às lições de uma Pandemia.

2. O entretenimento pode ser o maior instrumento de satanás na sua vida

É possível ser cristão sem vida devocional?Eu não sei vocês, mas a prática devocional é o meu termômetro. Bastam poucos dias negligenciando a meditação na Palavra e a oração, para que o velho homem ressurja das profundezas do meu ser.
Despojar-se do velho homem é um processo diário, a santificação é uma luta constante, incessante, a carne milita contra o espírito – SEM TRÉGUA (GL 5:17).

O comércio parou, o trânsito está um amorzinho, o transporte público anormalmente vazio, as ruas estão desertas, muitas pessoas em casa, o mundo parou, entretanto as nossas lutas interiores não cessam!
Os desafios da quarentena não são diferentes dos desafios da vida comum para o cristão. Continuamos aprisionados num mundo que jaz no maligno (1 Jo 5:19), seguimos sendo tentados pela nossa própria cobiça (Tg 1:14). Neste momento em que temos vivido dias difíceis, devemos nos lembrar do exortação de Jesus no Getsêmani aos seus discípulos:

“Vigiai e orai, para que não entreis em tentação; o espírito, na verdade, está pronto, mas a carne é fraca.” (Mt 26:41).

Talvez muitas de nós tenham se entregado ao cansaço, algumas estão trabalhando mais neste período de isolamento do que antes, seja no âmbito coorporativo, artesanal, intelectual ou do lar. O problema é quando buscamos refúgio nas fontes erradas. A “Netflix” não é capaz de trazer o renovo de que necessitamos para enfrentar a crise, para manter a nossa fé nas alturas.

Não estou aqui querendo advogar pela proibição do entretenimento, mas fui lembrada, nessa quarentena, a desfrutar dele com cautela.

Sim, o entretenimento (netflix, whatsapp, facebook, youtube, livros, músicas, exercícios, etc…) pode ser um instrumento de satanás na sua vida! Não nos esqueçamos, o diabo não está em quarentena, ele é o príncipe desse mundo e está ao nosso derredor, o seu grande objetivo é te afastar de Deus, roubar-te da graça de da maravilhosa comunhão com o Criador (1 Pe 5:8).

Nesta quarentena, tenho sido tentada a gastar mais tempo do que deveria com o entretenimento, e todas as vezes que cedi a esse ímpeto, só colhi mais preguiça e desânimo. Mas garças a Deus pelo seu misericordioso cuidado para conosco! Confesso que, mesmo lutando diariamente contra meus ímpetos preguiçosos, tenho colhido bons frutos do tempo investido em comunhão com Deus.

Apesar de o foco deste artigo não ser dar dicas para sobreviver ao isolamento social, deixo o incentivo para que vocês busquem meios de se manter vigilantes em oração e leitura bíblica. Além dos meus estudos sozinha, fazer devocionais online com amigas e com meu namorado tem me ajudado bastante a manter esse compromisso, e atesto, todas as vezes que busquei refúgio no Senhor, fui renovada… não fiquem sozinha com suas angústias, elas são péssima companhia!
Façamos como o salmista:

“Os meus olhos se elevam continuamente ao Senhor, pois ele me tirará os pés do laço. Volta-te para mim e tem compaixão, porque estou sozinho e aflito.
Alivia-me as tribulações do coração; tira-me das minhas angústias.
Considera as minhas aflições e o meu sofrimento e perdoa todos os meus pecados.
Considera os meus inimigos, pois são muitos e me abominam com ódio cruel.
Guarda-me a alma e livra-me; não seja eu envergonhado, pois em ti me refugio.
Preservem-me a sinceridade e a retidão, porque em ti espero.
Ó Deus, redime a Israel de todas as suas tribulações.” (Sl 25:15-22)

3. Faça o que tem que fazer, mas faça tudo pra glória de Deus

“Os dias da nossa vida sobem a setenta anos ou, em havendo vigor, a oitenta; neste caso, o melhor deles é canseira e enfado, porque tudo passa rapidamente, e nós voamos. Quem conhece o poder da tua ira? E a tua cólera, segundo o temor que te é devido? Ensina-nos a contar os nossos dias, para que alcancemos coração sábio”. (Sl 90:10-12)

O que queremos fazer com a vida que cristo nos confiou? Essa pergunta não saia da cabeça do jovem pastor Jonathan Edwards (pastor congregacional, teólogo calvinista, missionário, um dos maiores filósofos norte-americano do século XVII), que aos 18 anos iniciou a redação de duas 70 resoluções, que eram como um norte para sua vida centrada na busca por autodisciplina e santidade pessoal.
Em sua disciplina espiritual, Edwards se recusava a viver de uma maneira desorganizada, compromisso que expressou, por exemplo, nas Resoluções 5, 6 e 7:

5. Resolvi jamais desperdiçar um só momento do meu tempo; pelo contrário, sempre buscarei formas de torna-lo o mais proveitoso possível.
6. Resolvi viver usando todas minhas forças enquanto viver.
7. Resolvi jamais fazer alguma coisa que eu não faria, se soubesse que estava vivendo a última hora da minha vida.

Por algum acaso de Deus eu havia começado a ler “As Firmes Resoluções de Jonathan Edwards” pouco antes das determinações de isolamento social, e que abençoador tem sido para a minha vida estudar sobre um cristão tão comprometido como ele foi.
A pandemia trouxe situações novas para todas nós, já conversamos sobre os seus “efeitos” nas nossas emoções e sobre os desafios de estar em casa. Por fim, compartilho esta última reflexão/exortação sobre a maneira que temos utilizado o nosso tempo.
A produtividade para o cristão não pode estar dissociada das questões do reino. Talvez nos cobremos em demasia para ser mais produtivas, fazer mais coisas e coisas, criamos cronogramas totalmente autocentrados e nos sentimos frustradas quando os nossos planos não são milimetricamente executados.

“Portanto, quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a Glória de Deus.” (1Co 10:31)

Somos chamados a viver para a glória de Deus em tudo que fazemos, em todo o tempo. O distanciamento social me trouxe muito tempo “livre”, mas esse tempo não é meu, nada é meu e nada é para mim. Somos mordomos daquilo que Deus graciosamente nos deu, principalmente do nosso tempo.

A vida de Edwards me exortou a utilizar o tempo “extra” nesta pandemia para a glória de Cristo, de maneira intencional e disciplinada. Acordar todos os dias no mesmo horário, orar, tomar o meu café da manhã, conferir as demandas do trabalho, preparar o almoço, descansar um pouco depois do almoço, dedicar-me às leituras, ao curso de aconselhamento bíblico, cuidar da casa, praticar exercícios físicos, fazer devocionais em grupo (por hora online) ou no silêncio do meu quarto, essa tem sido a minha rotina para a glória de Deus.
Não importa quais atividades você tem de executar nessa pandemia, faça tudo para a glória de Deus e a sua rotina será diferente, será alegre, não penosa, terá propósito, não peso e, quando pesar, refugie-se no Senhor e não te faltarão forças para enfrentar o dia mau (Sl. 25).
E se, depois de todas essas reflexões, você ainda estiver com dificuldades de encontrar o seu propósito e alegria nesses dias sombrios, imagine como seria Jesus na pandemia, busque fazer que ele faria, ser como ele seria.

“nada faço por mim mesmo; mas falo como o Pai me ensinou. E aquele que me enviou está comigo, não me deixou só, porque eu faço sempre o que lhe agrada” (Jo 8:28b-29)

– Vitória Maria Carvalho –