Ao apresentar sua fé cristã protestante na sala onde estudava, uma jovem teve de lidar com piadas como “Você também acredita em papai Noel? E no coelhinho da páscoa?” Muitos enxergam os evangélicos como fanáticos religiosos que têm uma fé irracional, que creem no que ouvem na igreja sem raciocinar. Não se pode negar que, muitas vezes, como cristãs estudamos pouco sobre a Bíblia e até mesmo sobre assuntos seculares (política, ciência, ambientalismo) e não sabemos argumentar contra esses comentários. De certa forma, também esquecemos de usar nossa mente e raciocinar o evangelho. E não é preciso ter medo disso, a Bíblia, bem aprendida, não é confusa ou contraditória. As dúvidas são necessárias para o crescimento e, se levam a uma crise de fé, muito provavelmente, tal pessoa precisa de ajuda para entender com clareza. Não há vergonha em crise de fé, mas deve haver em escondê-la e “lutar” sozinha. Porém, também não se deve parar de raciocinar para não as ter.

Sobre saber argumentar: isso não é vencer um debate, por isso, a postura de quem o faz não é a de um advogado de Deus e da Bíblia (como se precisassem) que fala alto a fim de vencer um júri ou um juiz. Pelo contrário, deve ser sábia, amorosa e justa. Em uma argumentação sábia, os objetivos são dar respostas para quem pergunta sobre sua fé (1Pe 3.15) e usar a mente apropriadamente, pois isto é cumprir com sua responsabilidade como cristã (2Co 10.4,5). O objetivo não é defender para que sua boa reputação seja preservada, mas para que a verdade sobre a Bíblia não seja deturpada e para que as ideologias não te convençam e a outros. Não se pode ser silenciosa. Nesse sentido, argumentar sobre a fé em Deus é conversar moderada, sábia e intelectualmente, o que também só é possível com o estudo da Palavra de Deus e com o Espírito Santo.

“Opiniões são mais fortes que exércitos. Opiniões, se embasadas na verdade e na justiça, no final prevalecerão contra as baionetas da infantaria, o fogo da artilharia e os ataques da cavalaria” Lorde Palmerston, 1849 [1]

Devido à importância de dialogar sobre a fé racionalmente, visto que opiniões são tão influentes, gostaria de explanar algumas doutrinas que demonstram que o homem tem o dever de pensar.

Criação

“A Bíblia declara e retrata tal fato desde o começo da criação do homem. Em Gênesis 2 e 3 vemos Deus se comunicando como homem de uma forma como ele não comunica com os animais. Ele espera que o homem coopere com ele, de forma consciente e inteligente, preservando e guardando o jardim onde ele o colocou, e que discrimine – racional e moralmente – o que é permitido do que é proibido fazer. Mais ainda, Deus convida o homem a dar nome aos animais, simbolizando o senhorio dele sobre o que foi dado; e Deus cria a mulher de tal forma que o homem imediatamente reconhece a compatibilidade que tem com a parceira e, como resultado, surge espontaneamente o primeiro poema de amor jamais composto!” [2] Diferente dos animais, o homem desde sua criação se comunicava com Deus de uma maneira exclusiva, possuindo condições de pensar, aprender e refletir. No livro de Salmos, inclusive, Deus dá uma ordem de o homem usar seu entendimento, diferente dos animais que usam o instinto:

“Não sejam como o cavalo ou o burro, que não têm entendimento mas precisam ser controlados com freios e rédeas, caso contrário não obedecem.” Salmo 32.9

Revelação

Em uma pesquisa, a correspondência entre o que está sendo investigado e a mente do investigador é a racionalidade. Da mesma maneira, quando Deus criou o universo e se revelou por meio da natureza de maneira geral, Ele se permitiu ser conhecido por meio da razão do homem (Sl 19.1-4; Rm 1.19-20), ao observar a criação e questionar sua origem. O mesmo acontece com a leitura das Escrituras e, com uma revelação que o demonstra de maneira mais específica, pois se sabe quem Ele é. “A comunicação (de Deus) por palavras (pela Bíblia) pressupõe uma mente que possa entender e interpretar essas palavras, pois elas são símbolos insignificantes até serem decifradas por um inteligente.” [3]

Redenção

Deus permitiu aos homens serem salvos de seus pecados por meio da morte de Jesus Cristo em favor deles, os redimindo. Contudo, como demonstra o versículo abaixo, apesar de Deus se permitir ser conhecido, não dispensou totalmente a racionalidade humana, por meio de uma pregação divinamente ordenada. E, os que são renovados, o são também no modo de pensar (Ef 4.23).

“Visto que, na sabedoria de Deus, o mundo não o conheceu por meio da sabedoria humana, agradou a Deus salvar aqueles que creem por meio da loucura da pregação.” 1Coríntios 1.21

Julgamento

Deus julgará os homens por seu conhecimento e resposta ou não a Sua pessoa (Jr 7.25,26; 11.4,7-8; 25.3,4; 32.33; 44.4,5; Jo 12.48; Mt 7.24-27).

Dessa forma, percebe-se que tanto no Antigo Testamento quanto no Novo há muita ênfase na racionalidade do homem. Mais uma vez, sabemos que, apesar de a fé ser a certeza daquilo que esperamos e a prova das coisas que não vemos (Hb 11.1), por ela, ENTENDEMOS, refletimos, pensamos que o universo foi formado pela palavra de Deus (Hb 11.3a). E tanto mais podemos entender por meio dela. “Fé não é credulidade. Ser crédulo é ser convencível, ser completamente acrítico, incapaz de discernir e até raciocinar sobre as próprias crenças. No entanto, é um grande erro supor que a fé e a razão são incompatíveis. […] Ao contrário, a verdadeira fé é essencialmente racional, pois ela confia nas promessas e no caráter de Deus. […] Fé é confiança racional – uma confiança que se apoia de forma refletida e segura na fidelidade de Deus.” [4]

Assim, percebe-se que ser cristã não é ser uma fanática religiosa que aceita doutrinas sem refletir, sem conhecimento. Pelo contrário, para entendê-las, precisa-se pensar. Logo, também se entende que a fé não é credulidade irracional, mas uma confiança reflexiva, que pensa. E dessa forma, ser crente não é ser burra. E fé não é ausência de razão. Por isso, como cristãs, precisamos usar bem nossa mente, e não de forma restrita a assuntos de fé, mas para que todas as nossas ações sejam condicionadas pelo que agradável ao Senhor, com uma verdadeira adoração, com uma vida de santidade e com pensamentos racionais, não dominados por nossas emoções.

“Portanto, irmãos, rogo-lhes pelas misericórdias de Deus que se ofereçam em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus; este é o culto RACIONAL de vocês. Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela RENOVAÇÃO da sua MENTE, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.” Romanos 12.1,2

 

PENSE

– Você é boa aluna, aprendendo da sua melhor maneira no ambiente acadêmico?

– Você confia nas promessas de Deus racionalmente? Sabe quais são elas? Se não, que tal pesquisá-las?

– Você argumenta com sabedoria com aqueles que lhe perguntam sobre sua fé?

– Você se informa também sobre assuntos seculares, usando apropriadamente a mente que Deus lhe deu? Lê ou assiste jornais?

– Você procura estudar a Bíblia e suas doutrinas?

– Você ora por sabedoria para saber argumentar sobre sua fé?

 

 


[1] STOTT, Jhon. Crer é também pensar. Pág 29

[2]  IDEM. Págs 29,30

[3]  IDEM. Pág 34

[4] IDEM. Págs 51,52