Em todo o mês de agosto temos estudado o tema “serviço”. Em Cristo Jesus fomos libertas da escravidão do pecado para termos um novo Senhor e, como o artigo que abriu a série explicou, quando a Bíblia fala sobre sermos “servas” de Deus, o significado da palavra no original ainda denota escravidão, mas agora de um Bom Senhor. Escravo é aquele que pertence a alguém, que não tem vontade própria senão fazer a vontade de seu senhor. Nossa conversão nos traz a boa notícia de que trocamos de senhorio. Antes escravas do pecado, agora, escravas de um bom e amoroso Senhor que nos comprou por um alto preço (1 Co 6.20) e tem o melhor para nossas vidas (Rm 12.2). E essa mudança de senhorio tem implicações práticas para nossa vida, pois “quem não vive para servir, não serve para viver”.

Vivemos numa sociedade individualista que cada vez mais enfatiza o amor próprio e o bem estar individual a despeito do outro. A órbita do mundo pessoal de cada indivíduo tem sido seu próprio umbigo. As amizades e os relacionamentos são para satisfação própria, e quando estes não satisfazem mais, são jogados fora. Uma geração “mimimi” tem se consolidado, a qual não aguenta um não como resposta, não se importa com o bem do outro, não entende o que é amor sacrificial, não sabe lidar com situações difíceis. Isso resulta em relacionamentos frágeis e descartáveis. E mais uma vez o Evangelho nos convida a caminhar na contramão do sistema:

“Nada façam por ambição egoísta ou por vaidade, mas humildemente considerem os outros superiores a si mesmos.” (Fp 2.3)

Num mundo individualista e egoísta, Deus nos manda priorizar o outro. Num mundo cheio de pessoas difíceis de lidar (das quais eu, com certeza, faço parte), Deus nos manda servir o outro. Quando Jesus resume toda a vontade perfeita de Deus para nós Ele a direciona à dois âmbitos: Deus e o próximo (Mt 22.35-39), o tão priorizado “EU” nem aparece nessa lista porque isso nos é natural e, consequentemente, pecaminoso. O amor ao próximo deve ser nossa marca como cristãs, e diante do Senhor não existem desculpas plausíveis para não servirmos ou nos relacionarmos com determinadas pessoas por gostos pessoais, ou por dificuldades de relacionamento, ou porque tal pessoa é difícil, ou chata, ou inconveniente… O padrão de Deus é superior às nossas desculpas egoístas! O padrão divino é o próprio Cristo, como a sequência do texto demonstra:

“Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus, que, embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens. E, sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo e foi obediente até à morte, e morte de cruz!” (Fp 2.5-8)

Jesus abriu mão temporariamente de sua glória para assumir a forma humana e servir aos homens, como ele mesmo afirmou (Mt 20.26-28). Ele se doou por pessoas difíceis de lidar, as quais o rejeitaram, zombaram dele e colocaram-no numa cruz. À essas pessoas Jesus amou. E não pense você que está ilesa dessa acusação. Fazemos parte desse grupo. Embora não tenhamos estado lá fisicamente, nos é natural a rejeição a Cristo por causa do pecado. É somente pela ação sobrenatural do Espírito Santo em nós que viemos a reconhecer a necessidade de um Salvador. E foi por nós, miseráveis e egoístas pecadoras, que o próprio Deus se doou na Pessoa de Cristo, assumindo a forma de Servo Sofredor em obediência ao Pai para nos servir, e o fruto do seu serviço foi a nossa redenção (Is 53).

Agora eu pergunto à você, enquanto o faço a mim mesma: será que temos alguma desculpa para não servir às pessoas ao nosso redor quando Cristo, constrangedoramente, nos deu o maior exemplo de todos (a começar pelo seu perdão)? Será que existe alguma razão plausível e não pecaminosa para não nos doarmos pelas pessoas? Será que entendemos que quando servimos ao próximo, servimos, amamos e obedecemos à Deus?

Toda essa introdução para compreendermos o cerne da vontade de Deus para nós como servas nos conduz a aplicações práticas em nossas rotinas diárias. Em primeiro lugar, te pergunto: você sabe onde é o lugar mais difícil de servirmos? Nossa própria casa. As pessoas que convivem conosco mais de perto nos veem como somos. A convivência traz à  tona dificuldades de relacionamento que devem ser respondidas com um coração de serva humilde.  Quantas vezes por dia você se irrita com sua mãe ou com seu(a) irmão(a)? Será que sua irritação é fruto de um estímulo externo ou de um coração pecaminoso que se recusa a lavar uma louça ou a emprestar uma peça de roupa, porque não quer sair de sua zona de conforto? Porque você quer que, na verdade e bem lá no fundo, todos te sirvam? Citei aqui dois exemplos simples, mas sabemos bem quantos conflitos uma convivência rotineira pode trazer. Meu objetivo aqui é te levar a refletir sobre quantos desses conflitos poderiam ser evitados se a resposta do seu coração aos relacionamentos ao seu redor fosse sempre considerar o outro superior e servi-lo seguindo o exemplo de Cristo. Creio que a resposta a essa pergunta nos constrange, não é mesmo? A maneira com a qual lidamos com aqueles ao nosso redor também é uma maneira de servir (ou não) à Deus – e creio que a mais difícil e a que mais exige amor sacrificial da nossa parte, ainda assim é a vontade de Deus que gera em nós corações mais humildes e ensináveis.

Outro lugar onde devemos ser servas e refletir a imagem e exemplo de Cristo é o lugar onde estudamos ou trabalhamos. Nesses lugares, provavelmente, você lida com pessoas que não tem a Cristo como Salvador e você é como uma carta de apresentação de quem Cristo é (2 Co 3.1-3). O seu testemunho deve falar mais alto para que essas pessoas possam glorificar a Deus através de você (Mt 5.16). Ali você também tem um compromisso de servir às pessoas. Na escola ou faculdade você pode servir ajudando alguém numa matéria difícil, sendo amiga de alguém que sofre bullying por ser diferente, não entrando em rodas de fofocas; ou no trabalho, cumprindo suas funções mesmo quando seu chefe não está olhando, dando o melhor de si naquilo que lhe cabe, não passando por cima de ninguém para conseguir alguma coisa… Enfim, a lista seria exaustiva, mas o principal é saber que o filtro que deve guiar sua maneira de agir no trabalho, faculdade ou escola, diante de pessoas incrédulas, ainda é o exemplo humilde, amoroso e sacrificial de Jesus, por mais que as pessoas com as quais você tenha que lidar no seu dia a dia sejam muito difíceis. Lembre-se que Cristo foi o servo justo que serviu a e morreu por injustos como eu e você.

Por fim, outro lugar onde devemos servir é na igreja local da qual fazemos parte. Se você não tem um ministério, é muito importante que você se envolva porque é assim que Cristo nos direciona a viver em comunidade, cada um servindo com seu dom para edificação da igreja. Eu já trabalhei em igrejas de grande e pequeno porte, e por incrível que pareça, os que trabalham são poucos e sempre os mesmos. Não seja desses crentes que apenas vão aos cultos “esquentar o banco da igreja”. Não é essa a vontade de Deus para nós. Há muita necessidade de pessoas que se voluntariem para servir. Quando nos envolvemos, somos moldadas por Deus, aprendemos a exercer nossos dons com amor e a lidar com pessoas – irmãos em Cristo e família de Deus – que pensam diferente de nós. Se você já serve, seja no ministério infantil, no louvor, na cantina, em eventos, no ministério de intercessão, ação social ou em quaisquer áreas, lembre-se que o foco do seu serviço é a glória de Deus e a edificação do outro (Ef 4). O nosso serviço nunca deve ser voltado à nossa própria promoção ou glória, porque isso mancha nosso relacionamento com Deus, mas voltado para o outro. Quando servir, sirva com todo o seu coração e clame a Deus que o orgulho nunca seja a motivação de seu trabalho. Uma oração que faço com certa frequência é que no fim da minha vida eu possa olhar para trás, para todo trabalho que exerci em vida e na igreja e perceber, humildemente, que tudo foi aceitável ao Senhor. Que o meu e o seu empenho, e o meu e o seu suor ao por as mãos à obra no serviço do Senhor nunca sejam invalidados pelo nosso orgulho.

Será que você compreendeu o título desse artigo? É uma frase com um tom de humor que contrasta com a tendência da sociedade moderna e que traz consigo uma preciosa lição: devemos colocar o outro em foco e entender que o produto final de nosso serviço é sempre a edificação do outro em detrimento de nossa própria glória, ou até mesmo, bem estar. É isso o que Deus quer de nós. Talvez você esteja pensando que viver tudo isso é muito difícil. Sim, é! Mas só conseguiremos viver a essência de tudo o que foi tratado aqui na dependência de Deus e capacitados por Sua graça. Querida leitora, Que Deus te abençoe e conserve em você um coração humilde para servi-lo por completo. Lembre-se que quando você serve as pessoas ao seu redor – sua família, colegas da escola, faculdade ou trabalho, irmãos da igreja – você serve ao próprio Deus. Servir é uma das razões pela qual você foi feita uma nova criação em Cristo (Ef 2.10).

Por isso, que um dos lemas de sua vida seja “quem não vive para servir, não serve para viver”!