Temos vivido com intensidade cada vez maior uma sociedade individualista. O senso do bem comum tem se perdido, os relacionamentos tem se tornado descartáveis e superficiais, ninguém confia mais em ninguém, e as pessoas tem se enclausurado em suas rotinas e em suas dores. O bem individual é sempre prioridade em relação ao bem coletivo, ou ao bem do outro – na verdade, pouco importa o bem do outro se comigo estiver tudo bem. O outro não me interessa, não me diz respeito e, assim, não cabe a mim fazer nada.

O Evangelho se levanta na contramão desse comportamento quando Jesus é perguntado sobre qual seria o maior mandamento. Ele responde que depois de amar a Deus de todo o coração, o segundo maior mandamento é amar ao próximo. Não é amar a si mesmo, também não é primeiro amar a si mesmo para que então esteja apto a amar ao próximo. A premissa é que a humanidade já se ama demais, isso é natural à corrupção do pecado (Ef 5.29). A exortação do Evangelho, que só poderá ser cumprida na dependência de Cristo, é que olhemos menos para nós mesmos e mais para os outros, que consideremos os outros superiores a nós mesmos (Fp 2.3), que nos importemos uns com os outros como uma família que cuida e que caminha em comunhão, unidos no objetivo de edificação mútua.

Desse modo, a terceira e última perspectiva espiritual sobre o sofrimento, que abordaremos neste artigo final da série, à qual o Evangelho abre nossos olhos, é o fato de que aquilo que Deus ministra aos nossos corações quando sofremos não ser apenas para nossa restauração, mas também para o bem comum. Assim a carta de 2 Coríntios nos ensina:

“Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, Pai das misericórdias e Deus de toda consolação, que nos consola em todas as nossas tribulações, para que, com a consolação que recebemos de Deus, possamos consolar os que estão passando por tribulações.” (2Co 1.3-4).

O texto afirma que Deus nos consola em TODAS as tribulações, sem exceção. Isso quer dizer que não há uma lágrima derramada por nós que não seja conhecida por Ele e que Ele não esteja disposto a enxugar. E não apenas isso, mas nossos sofrimentos também tem o propósito de recebermos consolo do Senhor para que, assim, possamos consolar a outros. Na sequência, o texto vai dizer que essa dinâmica de uns consolando os outros nos ensina a suportar as lutas com paciência.

Em contraste com um mundo individualista que vive à parte do conhecimento de Deus, Jesus, em sua oração final antes de ser crucificado, ora por sua igreja para que seu testemunho diante de um mundo duro e frio seja expresso em relacionamentos de amor (Jo 17.20-23). Pessoas diferentes, pecadoras e difíceis caminhando juntas, vencendo todos os obstáculos por amor a Cristo, sem falsidade, sem hipocrisia, mas lutando para depender da graça e cumprir a ordem divina. Precisamos nos desarmar, amar mais, controlar nossas palavras e nos importar mais com a dor do outro, por obediência e amor a Deus em primeiro lugar. E que privilégio fazer parte desse plano compartilhando as lutas e as consolações que recebemos do Senhor. Paulo vai confirmar essa ideia na carta ao gálatas, quando diz:

“Levem os fardos pesados uns dos outros e, assim, cumpram a lei de Cristo.” (Gl 6.2)

Sua dor não é apenas sobre você, minha dor não é apenas sobre mim, mas é sobre aprendermos, em humildade e rendição, a carregarmos os fardos uns dos outros, guiados pelo amor que nos une em Cristo e nos torna uma família na fé. Deus tem a Igreja em alta conta, e é nosso papel dedicarmos nossas vidas para edificá-la com nossos dons e com as consolações que recebemos do Senhor.

Quando temos a perspectiva correta sobre o sofrimento, não há como nos perdermos em desespero ou numa tristeza sem fim. É bem verdade que em muitas circunstâncias vamos sentir tristeza, frustração, desânimo, vontade de desistir, mas são nesses momentos que precisamos nos lembrar que essas quedas não são permanentes. Se focarmos nas consolações de Deus para nós, elas serão apenas etapas da jornada que, em Cristo, nos deixarão mais maduras. Deus faz brotar beleza da dor. As verdades espirituais abordadas nesta série, que são conhecidas de fato quando estamos em meio à dor, foram entregues por Deus a nós, por meio de Sua Palavra, para que tivéssemos esperança.

O sofrimento nos conduz, como um tutor, a contemplar a imagem de Cristo sendo formada em nós, a glória da eternidade e o privilégio de compartilharmos nossos fardos como uma família na fé. Quando essas verdades são evidenciadas em nossas lutas, nosso sofrimento não é desperdiçado! Ele cumpre seus propósitos.