Você está sofrendo? É bem possível que sua resposta seja sim. Mas se compararmos os seus motivos com os de outra leitora, perceberemos que eles são muito diferentes.

Talvez você esteja sofrendo o término de um relacionamento ou a descoberta de que aquele paquera não gosta de você. Talvez você não tenha conseguido o emprego que queria ou passado na faculdade, ou talvez sofra com um chefe ruim ou um colega de classe agressivo. Talvez você esteja sofrendo em seu relacionamento de namoro ou com seus pais, e sofre por achar que eles não suprem suas “necessidades”. Talvez não se sinta amada porque eles “não te entendem” ou não fazem aquilo que você considera ‘amor’. São demandas irracionais ou sofrimentos decorrentes de expectativas frustradas.

Talvez tenha uma gravidez indesejada porque se envolveu com o namorado. Talvez esteja no hospital porque sofreu um acidente após beber e dirigir. Talvez não esteja mais dirigindo porque perdeu o privilégio do uso do carro após se mostrar irresponsável. Talvez aquela amiga não fale mais com você porque você fez fofoca dela ou compartilhou um segredo. Você está sofrendo as consequências de suas escolhas pecaminosas.

Talvez você seja a única cristã em sua casa. Seus parentes ou amigos da faculdade te perseguem ou te maltratam, seja no jeito de falar ou agir com você. Dependendo de onde você mora, talvez tenha sido abandonada por sua família por causa disso. Esse é o sofrimento por amor a Cristo.

Talvez você tenha descoberto uma doença grave, se encontra temporariamente no hospital por uma pneumonia ou tenha quebrado um braço. Talvez você tenha sido abusada física ou sexualmente. Talvez seus pais estejam se divorciando, ou estejam doentes, ou pode ser você tenha perdido um ente querido. O sofrimento decorrente da perda real talvez seja o mais difícil de lidar.

Não se sinta sozinha em sua dor. Você está ao lado de grandes personagens bíblicas: Noemi teve suas expectativas frustradas (Rute 1), José sofreu por causa do pecado dos outros (Gênesis 37), Davi teve que lidar com as consequências do seu próprio pecado (II Samuel 11-12), Paulo sofreu intensa perseguição por amor a Cristo (II Co 11), e Cristo sofreu com as mortes de seu amigo Lázaro (João 11) e seu primo João Batista (Mateus 14).

Infelizmente, se você quer uma vida sem sofrimento, é melhor não sair do seu quarto. Ou talvez nem assim… Porque essa é a verdade. Todos sofremos. O próprio Jesus disse, em João 16.33: “No mundo passareis por aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo.” Por mais que o contexto direto do texto seja o de perseguição, a verdade é válida. Com a entrada do pecado no mundo, o sofrimento fez aqui sua morada. Não há como viver sem ele. Em Romanos 8, Paulo diz que até a natureza geme aguardando a redenção (Rm 8.18-27). Talvez, então, a chave para a felicidade não esteja em não ter sofrimento, mas em aprender a conviver com ele. Por causa disso, precisamos de uma perspectiva bíblica, porque ela mudará o modo como vemos e vivemos em meio ao sofrimento.

A Bíblia nos ensina que o sofrimento é real, mas não é eterno. A história de tudo é a história contada nas Escrituras, do início ao fim, e tem quatro grande capítulos: Criação, Queda, Redenção e Restauração. O mal entrou no mundo pela rebelião dos seres criados por Deus, primeiro os anjos e depois os humanos. Mas, na visão de mundo bíblica, isto não torna o sofrimento permanente nem parte de uma dualidade do tipo Yin e Yang. Na verdade, todo sofrimento e dor é resultado da Queda. A visão bíblica do sofrimento, então, é linear, e não cíclica. Nem sempre existiu, e não existirá para sempre. É apenas um capítulo em uma grande história.(1)

Ela também nos consola com a certeza de que Deus não se agrada do sofrimento. Por toda a Escritura vemos o mal e o sofrimento considerados uma tragédia, um peso opressor, algo que deve acabar. Ela inclusive recomenda que nos empatizemos com os sofrem e choremos com eles! (Rm 12.15). A Bíblia contém um livro inteiro de lamentações, dezenas de salmos expondo corações partidos, histórias e mais histórias de pessoas que sofreram pelos mais diversos motivos. Ela não pinta a vida como um mar de rosas, mas claramente apresenta todos os seus espinhos.

Não há nenhuma promessa nas Escrituras de que o cristão não passará pelo sofrimento, nem uma ordem de aguentar firme e fingir que tudo está bem porque devemos nos “alegrar sempre”. A falta dessa perspectiva bíblica muitas vezes traz ainda mais dor – sensação de solidão, abandono e desprezo, por Deus e pelas pessoas, falta de esperança. Surgem perguntas como “Por que Deus permitiu meu sofrimento se sou Seu filho? Por que Deus não me livra dessa doença se eu O tenho servido por toda a minha vida? Por que Deus permitiu a morte de um ente querido se eu sou tão fiel e íntegro?”

Podemos e devemos nos achegar a Deus com nossos corações partidos, mas precisamos ter cuidado para não questionar o caráter de Deus em meio ao nosso sofrimento. Em diversos momentos de sua vida o Rei Davi reconhece o seu sofrimento, em vários salmos, dizendo o quanto sua alma está abatida. Uma de suas exclamações mais famosas está no Salmo 42.5 (e se repete no v.11 e 43.5): “Por que você está assim tão triste, ó minha alma? Por que está assim tão perturbada dentro de mim?”. O profeta Habacuque, ao ver o prolongamento do sofrimento do povo, clama a Deus: “Até quando, Senhor, clamarei por socorro, sem que tu ouças? Até quando gritarei a ti: ‘Violência!’ sem que tragas salvação?” (Hc 1.2).

Ainda que as Escrituras não forneçam explicações para todo o sofrimento, elas têm muito a dizer sobre ele. Mais do que fornecer um porquê para que algo tenha ocorrido, ela conta a história de um Deus que veio sofrer como nós, conosco, e por nós, e que um dia acabará com toda a dor e todo o sofrimento. Davi reconhece a presença de Deus e lembra a si mesmo: Ponha a sua esperança em Deus! Pois ainda o louvarei; ele é o meu Salvador e o meu Deus.” (Sl 42.11). No final de seu livro, ao ouvir que Deus um dia puniria o povo que estava maltratando Israel, Habacuque reage dizendo: “meu íntimo estremeceu, meus lábios tremeram; os meus ossos desfaleceram; minhas pernas vacilavam. Tranqüilo esperarei o dia da desgraça que virá sobre o povo que nos ataca.” (Hc 3.16).

Não devemos deixar de reconhecer o sofrimento, mas não podemos parar aí. Precisamos reconhecer a presença de Deus conosco e reconhecer quem Ele é. Veja a história de Jó. Jó sofreu inimaginavelmente. Perder todos os filhos e todos os bens, perder a saúde e ouvir sua esposa desprezar a Deus deve ter sido horrível! Para piorar, todos os seus amigos associaram sua perda a uma punição divina por pecados que ele teria cometido. Assim, mesmo sendo íntegro, Jó ouve seus amigos chamando-o repetidamente de pecador, culpando-o por seu sofrimento. Quando Deus lhe fala e dá prova de Sua soberania, nada sobra a Jó senão dizer: “Bem sei eu que tudo podes, e que nenhum dos teus propósitos pode ser impedido… falei do que não conhecia, coisas que para mim eram inescrutáveis, e que eu não entendia.” (Jó 42.2-3). Talvez nunca entendamos os porquês das coisas que nos acontecem, mas Jó descobriu, em meio ao seu sofrimento, que Deus estava ao seu lado, pronto a lhe ouvir e cuidar.

Ano passado, numa época de sofrimento, encontrando abrigo em Deus, me perguntei: “como que os não-cristãos conseguem passar por isso?” A resposta é que eles passam e sua esperança não tem base sólida, e por isso também passa – eles continuam sofrendo, sem uma resposta duradoura para sua dor. Jó se perguntou “qual é a esperança do ímpio, quando é eliminado, quando Deus lhe tira a vida?” (Jó 27.8). Só os que creem em Cristo tem verdadeira esperança. Sabe por quê?

A primeira verdade é que Deus é o Deus de Esperança! A primeira lição que aprendi no curso de aconselhamento no seminário foi: “se você não puder oferecer esperança ao aconselhado, não abra a sessão.” Paulo faz questão de oferecê-la aos cristãos em Roma: “Que o Deus da esperança os encha de toda alegria e paz, por sua confiança nele, para que vocês transbordem de esperança, pelo poder do Espírito Santo” (Romanos 15.13). Minha segunda lição foi: “em Cristo há esperança para todas as coisas!” Há esperança de restauração, de perdão, de reconciliação, de alegria. Muitas vezes não teremos a resposta desejada nesta vida, mas veja o que disse Kathy Keller, ao estudar o Salmo 34. O salmo diz:

“Os justos clamam, o Senhor os ouve e os livra de todas as suas tribulações. O Senhor está perto dos que têm o coração quebrantado e salva os de espírito abatido. O justo passa por muitas adversidades, mas o Senhor o livra de todas; protege todos os seus ossos; nem um deles será quebrado.” (v.17-20) Aqui parece dizer que o justo não fica sofrendo, mas é libertado da dor e da adversidade. No entanto, ela reflete:

O salmista diz no versículo 20: “(O Senhor) protege todos os seus ossos, nem um deles será quebrado”. Isto é uma profecia messiânica. Ele é citado no relato do Evangelho de João sobre a crucificação de Jesus, quando os soldados não quebraram as pernas de Jesus para apressar Sua morte, porque Ele já estava morto. João diz em 19.36: “E isto aconteceu para se cumprir a Escritura: Nenhum dos seus ossos será quebrado”. Minha primeira reação ao perceber essa conexão foi de perplexidade. Tudo bem, nenhum de Seus ossos foi quebrado, mas Ele foi crucificado! Ao que me consta, isso não garante que seremos protegidos de alguma coisa ruim… Os ossos de Jesus não foram quebrados, mas Ele morreu uma morte dolorosa e horrenda. Deus não O salvou disso. Mas a proteção de Deus a Jesus estendeu-se para além da sepultura. Ele foi ressuscitado dentre os mortos… Embora Deus possa não te proteger de cada coisa ruim que venha a acontecer, tenha que acontecer ou que poderia acontecer com você, em última instância, pela ressurreição, você está salvo. Passarei pela morte e sairei do outro lado totalmente curada, restaurada, salva e protegida. Deus não nos protege de coisas que nos prejudicam, Ele nos protege enquanto passamos por elas, para o outro lado da ressurreição, onde estão nossas verdadeiras esperanças e nossa felicidade. Este é um pensamento em que posso me agarrar. (2)

E esta é a nossa segunda verdade: nossa esperança está em Sua promessa de um dia acabar com toda a dor, lágrima, morte, tristeza e choro. No céu,

“o tabernáculo de Deus está com os homens, com os quais ele viverá. Eles serão os seus povos; o próprio Deus estará com eles e será o seu Deus. Ele enxugará dos seus olhos toda lágrima. Não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor, pois a antiga ordem já passou’. Aquele que estava assentado no trono disse: ‘Estou fazendo novas todas as coisas!’ E acrescentou: ‘Escreva isto, pois estas palavras são verdadeiras e dignas de confiança’.” (Apocalipse 21.3-5)

Steven Chapman, ao perder sua filha mais nova, disse “É uma situação que não pode ser resolvida, estamos quebrados sem chance de reparação. No céu, e apenas no céu, tudo isso fará sentido.” (3)  Tenho que concordar com ele. Que privilégio termos um Deus poderoso para resolver este problema, e amoroso o suficiente para revelar-se a nós. Quero poder dizer, enquanto aqui viver, as palavras de Habacuque:

Mesmo não florescendo a figueira, não havendo uvas nas videiras; mesmo falhando a safra de azeitonas, não havendo produção de alimento nas lavouras, nem ovelhas no curral nem bois nos estábulos, ainda assim eu exultarei no Senhor e me alegrarei no Deus da minha salvação. (Hc 3.17,18).

E é agarradas às Suas palavras verdadeiras e dignas de confiança, que podemos viver essa vida na certeza de que temos um Pai em quem confiar, que controla todas as coisas soberanamente (Ef 1.11, Jo 11.4); um Cristo que se identificou conosco, pois era ‘homem de dores e experimentado no sofrimento’ (Isaías 53) e cuja morte trouxe a nós vida eterna; e um Espírito Santo que nos consola e intercede por nós (Rm 8.26,27) enquanto Deus nos permitir viver neste mundo.

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  1. Gavin Ortlund. What Does the Bible Say about Pain and Suffering? Disponível em: https://www.exploregod.com/what-the-bible-says-about-pain-and-suffering-paper  
  2. Kathy Keller. Seguro Através da Morte. Disponível em: https://www.thegospelcoalition.org/pt/article/seguro-atraves-da-morte/  
  3. Brad Schmitt. Steven Curtis Chapman: Grief over daughter ‘unfixable’. Disponível em: https://www.tennessean.com/story/entertainment/2015/05/29/steven-curtis-chapman-grief-daughter-unfixable/28183569/