Sabe aquelas “palavrinhas mágicas” que você aprende quando criança? Bom dia, boa tarde, boa noite, com licença, desculpe, por favor, obrigada… Lembra quando você pedia algo para sua mãe e ela respondia “poooor…” esperando você responder “favor”? Ou quando você ganhava um presente, pegava o embrulho, já sentia frustradamente que era uma roupa (ao invés dos tão esperados brinquedos) e sua mãe olhava com ‘aquele’ olhar dizendo “agradeça sua tia, fulana”! Eu consigo trazer à memória muitos desses momentos, alguns até bem engraçados, e imagino que o mesmo aconteça com você. Nossas mães estavam nos ensinando alguns princípios básicos de uma boa convivência, de empatia, de um bom comportamento. São atitudes, expressas em palavras, que são essenciais aos nossos relacionamentos. Destas, neste artigo eu gostaria de destacar o “obrigada”. Creio que depois do “por favor”, é a palavra que minha mãe mais mandava eu dizer, isso porque é natural ao ser humano pecador, mesmo depois de grande, acostumar-se a pedir e esquecer-se de ser grato. Logicamente, não apenas nos relacionamentos com as pessoas ao nosso redor, mas principalmente em nosso relacionamento com Deus.

Nos Estados Unidos  existe um feriado nacional de grande importância chamado thanksgiving day, ou dia de ação de graças que é comemorado hoje – toda quarta quinta feira de novembro -, e por isso separamos um tempinho aqui no blog para falar sobre gratidão. O feriado americano foi comemorado pela primeira vez pelos colonos e índios em 1621 com o intuito de agradecer a Deus pelas boas colheitas realizadas no ano, após um período de grande dificuldade. Por isso a comemoração aconteceu (e ainda acontece) no outono do hemisfério norte, quando a colheita já tinha sido feita. Atualmente, a ideia do feriado é separar um dia para estar com a família e demonstrar gratidão a Deus. É claro que para muitos o feriado é apenas uma tradição, mas é muito relevante considerar que um país inteiro do porte dos EUA para com o motivo de agradecer a Deus.

Segundo o dicionário Priberam, gratidão é um “sentimento de lembrança e agradecimento por um bem recebido, em relação ao autor = RECONHECIMENTO” [1]. Em outras palavras, é alguém que entende humildemente que foi alvo da dedicação e favor de alguém e demonstra isso, pois em tese a ideia da gratidão não é tentar retribuir o que alguém fez, mas demonstrar o reconhecimento e talvez até a incapacidade de retribuir pela graça que foi recebida.

Infelizmente, a gratidão tem sido esquecida nos nossos dias. Estamos muito acostumados a pedir e receber, mas será que temos demonstrado gratidão àqueles à nossa volta? Será que temos sido gratas à Deus ou será que o jargão de oração “Deus, muito obrigada por esse dia…” já é tão automático que nem consideramos mais o significado de nossas palavras? Nossa geração, alarmantemente, tem se demonstrado cada vez mais individualista, centrada em si mesmo, incapaz de perceber que precisa de outros, que precisa de Deus, e que é preciso parar de focar no mundo ao redor do seu próprio umbigo, onde cada indivíduo é servido de maneira egoísta, e ser grata pois sua existência depende da ação e dedicação de outros, bem como (e principalmente) da graça de Deus.

Na contra mão de tudo o que este mundo vive e ensina, está o que Deus pensa sobre gratidão. A Bíblia está repleta de ensinos sobre ser grato. No Antigo Testamento, o livro dos Salmos está repleto de cânticos que rendem graças ao Senhor, o livro de Levítico, a lei do povo de Israel, institui ofertas de ações de graças, e há relatos do povo demonstrando gratidão a Deus. No Novo Testamento, Paulo demonstra gratidão a Deus inúmeras vezes pela salvação, pela atuação de Deus em meio à sua Igreja, por pessoas… E é só começar a falar no assunto que provavelmente já vem à sua mente o texto de 1 Ts 5.18 que diz “em tudo dai graças, pois esta é a vontade de Deus”. Provavelmente, é quase automático recitá-lo de cor. Mas talvez, tão provavelmente quanto às afirmativas anteriores, pouco você se lembre dele no seu dia a dia.

Vamos um pouco mais a fundo para entender o que Deus tem a nos ensinar sobre gratidão. Ponto um: como já citado, é a vontade de Deus que sejamos gratas! Mas não para por aí. Há alguns tesouros a serem descobertos quando lemos sobre isso na Bíblia e é sobre isso que quero tratar nesse artigo. Convido você a refletir comigo no significado e nas implicações desse tema que dicionário nenhum pode explicar à parte do discernimento do Espírito Santo.

Para isso vamos ler Efésios 5.18-21 :

“Não se embriaguem com vinho, que leva à libertinagem, mas deixem-se encher pelo Espírito, falando entre si com salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando e louvando de coração ao Senhor, dando graças constantemente a Deus Pai por todas as coisas, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo. Sujeitem-se uns aos outros, por temor a Cristo.”

Este texto é lindo e muito conhecido. Creio que o maior ensino que esse trecho bíblico traz é sobre ser cheio do Espírito Santo. Ao contrário do que muito se prega por aí, ser cheio do Espírito de Deus não é algo místico, transcendente, que te leva a um “êxtase espiritual” fora da sã consciência. O texto está falando de vida prática, de atitudes. Primeiramente o texto dá uma ordem: “deixem-se encher” (NVI) ou “enchei-vos” (RA) do Espírito Santo; em seguida ele explica como através de três atitudes práticas: (1) cantando e louvando, (2) dando graças, (3) sujeitem-se uns aos outros. Isso é lindo, isso é prático, isso é atingível, isso é real. Outro ponto importante a ressaltar é que a maneira como a NVI traduz é “deixem-se encher” e demonstra um sujeito passivo, como se você deixasse o Espírito agir em você para te capacitar a viver as atitudes que o texto coloca. Já a RA traduz como “enchei-vos” e demonstra um sujeito ativo, como se ele tomasse a atitude de obedecer o que o texto está dizendo, e em consequência, o Espírito o enchesse com sua presença. Qual das duas está correta? As duas. Ao vivermos o louvor, a gratidão e os relacionamentos saudáveis o Espírito nos enche de Sua presença, ao passo que Ele mesmo nos capacita a viver tudo isso. Mais uma vez… Isso é lindo! Essa é a dinâmica proposta pelas Escrituras. E dentre essas três atitudes, destacamos aqui o tema do nosso artigo: a gratidão. Ou seja, você depende do Espírito e é capacitada por Ele para demonstrar gratidão, ao mesmo tempo que quando o faz, você é “enchida” por Ele. Percebe a importância? A medida da sua gratidão é a medida da sua dependência do Espírito Santo.

A partir daí, existem três implicações sobre ter um coração grato que eu gostaria de compartilhar com vocês, às quais dizem respeito às murmurações, ansiedade e lutas da vida:

  1. Um coração grato não murmura (Fp 2.14): Você já parou para pensar que toda a vez que você reclama sobre alguma coisa você está deixando de ser grata a Deus? Por exemplo, o que é mais fácil, reclamar que tem louça para lavar ou ser grata porque havia comida para sujá-la? Reclamar de um dia chuvoso que frustra seus planos e dificulta sua locomoção ou ser grata porque aquela chuva providencia alimentos e água para você? Reclamar sobre as atitudes da sua mãe ou ser grata porque mesmo que às vezes vocês não se entendam, ela te deu vida e passou tantas noites em claro cuidando de você? Toda reclamação, em última instância, é contra Deus porque você está dizendo que algo ou alguém não é bom o suficiente para você, ou que você faria melhor… Percebe nossa arrogância? Sim, é mais fácil reclamar porque somos pecadoras. Temos uma capacidade imensa de focarmos em algo pontual e insatisfatório a nós do que olhar o todo. Por isso precisamos da dependência do Espírito. E a boa notícia é: a gratidão não dá espaço para reclamações e insatisfações. A gratidão torna a vida mais leve.
  2. Um coração grato descansa na soberania de Deus (Fp.4.6): A Bíblia nos ensina a não ficarmos ansiosas por nada, pelo contrário, ela nos incita a colocar todos os nossos pedidos diante de Deus COM GRATIDÃO. Numa primeira análise você pode pensar, mas o que a gratidão tem a ver com ansiedade? Antes de responder a isso, eu te pergunto, o que é ansiedade? É um sentimento que mistura medo, receio e uma pitada de angústia diante daquilo que está por vir e que não controlamos. Esse sentimento de incapacidade deve nos levar aos pés da cruz de Cristo em rendição e dependência, para que ali possamos compreender que não cabe à nós o controle de nossas vidas. Por isso podemos confiar e descansar num Deus bom e fiel que tem o controle do universo e também dos nossos dias em suas mãos. Isso já seria suficiente, mas Deus ainda nos permite pedir, Ele conhece o medo que temos diante do desconhecido e nos permite colocar nossos anseios diante dEle. E a gratidão? Ela nos ajuda a equilibrar nossa visão e não focar somente no que não temos ou no que pedimos, mas também nas bençãos que já temos recebido do Senhor. E isso dissipa a ansiedade do nosso coração. Quando contemplamos tudo o que recebemos da parte de Deus, nossos pedidos são o peso menor da balança e isso nos leva a descansar num Deus que tem cuidado de tudo (1 Pe 5.7).
  3. Um coração grato tem uma perspectiva diferente sobre as dificuldades da vida (Rm 5.8; 2Co 12.10; 2Co 4.17): O apóstolo Paulo nos diz que o Evangelho é loucura aos olhos daqueles que não crêem em Cristo (1Co 1.18). E, para mim, este é um dos pontos mais loucos do cristianismo: somos ensinadas a nos alegrarmos nas lutas e dificuldades da vida! As boas novas de Jesus nunca foram sobre uma vida sem sofrimento, mas elas nos trazem uma perspectiva de esperança sobre ele. Porque este mundo está corrompido pelo pecado, estamos sujeitas às doenças, às desigualdades, às catástrofes, às perseguições, à maldade que surge em decorrência do pecado de outros contra nós ou até mesmo de nós contra outros… Nós vamos sofrer. Em maior ou menor medida, iremos sofrer. Mas esse sofrimento em vida nos ensina a perseverar, a demonstrar Cristo e permitir que Deus molde o caráter de Seu Filho em nós; e quanto à vida futura, as lutas daqui nos ensinam a não amar esse mundo, que este lugar não é nossa casa, que caminhamos para estar com o amado de nossas almas onde já não existirá lágrima ou sofrimento, somente o desfrute pleno da presença do Rei. Por isso as lutas produzem em nós esperança, e isso é loucura para muitos. Por isso devemos ser gratas e nos alegrar até nos dias maus, porque Deus usa as dificuldades para nos moldar e revelar a nós e através de nós verdades eternas. Glória a Deus pelas dificuldades, porque Ele é bom em todo tempo e está conosco em todas elas.

Além de ser uma questão de obediência a Deus, ter um coração grato ainda nos leva a desfrutar de uma vida abençoada aqui neste mundo, vislumbrando o que está por vir. Mais do que uma palavrinha mágica, a gratidão é um caminho de vida. Que este dia de ação de graças te lembre a importância de ser grata todos os dias, do quanto isso expressa sua dependência do Espírito Santo, do quanto ela pode tornar sua vida mais leve e, principalmente, do quanto ela agrada a Deus. Que o “em tudo dai graças” seja realidade na rotina, porque “essa é a vontade de Deus”.

 


[1] “gratidão”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008 2013, https://www.priberam.pt/dlpo/gratid%C3%A3o [consultado em 15-11-2017].