Na semana passada apresentei um quadro de cosmovisões majoritárias, baseado na análise de James Sire e terminamos refletindo sobre duas questões: Seria o cristianismo (ou teísmo) apenas mais uma cosmovisão, dentre as muitas que existem? Como saber que a cosmovisão cristã é a correta, se existem tantas opções? Bom, uma resposta simples (e até meio clichê) para estas perguntas seria: é tudo uma questão de fé.

É uma questão de fé porque não é possível provar que Deus existe, assim como também não é possível provar que Ele não existe. Porque não estávamos lá para saber como o universo foi criado e também porque não viveremos tempo suficiente para saber quais as conclusões da ciência amanhã ou depois. E embora estejamos acostumadas a crer prontamente no que é “provado cientificamente”, os anos tem mostrado que o conhecimento produzido pela ciência é tão efêmero quanto o iPhone 6: só dura até a chegada do 7. Ontem era proibido comer mais de um ovo por dia, hoje é saudável fazê-lo. Ontem não existia partícula menor que o elétron, hoje existem quarks, neutrinos e bósons. E assim, a humanidade vai “tateando”, buscando encontrar a verdade a partir de sua visão limitada (At 17:27).

É claro que, nesse ponto, você que lê nosso blog sabe que cremos claramente no teísmo. Mas o que estou querendo dizer quando digo “é tudo uma questão de fé”, é que na verdade eu posso argumentar a favor do teísmo, criticar de mil maneiras as outras cosmovisões (como James Sire faz em seu livro), mas jamais conseguirei convencer o seu coração a respeito da verdade. Como vimos em nosso primeiro artigo, cosmovisão é um compromisso de coração. Assim, o único que pode fazê-lo é Deus, como afirma Jonas Madureira, “[…] o que muda a cosmovisão de alguém não são nossos argumentos, mas a graça divina e o testemunho interno do Espírito Santo […]”. Jesus fala sobre essa ação do Espírito em João 16:8, afirmando que é o próprio Espírito que “convence do pecado, da justiça e do juízo” e também muitos outros textos apontam para a mesma direção, mostrando que sem a ação do Espírito é impossível ser salvo (Tt 3:5, Jo 3:5-6).

Uma vez que sabemos que o único capaz de transformar nossa cosmovisão é Deus, podemos então concluir também, junto com Madureira que “Se alguém se converte e entrega sua vida a Cristo, não é devido seu poder de persuasão ou argumentação brilhante, mas por conta da obra de Deus. Se a pessoa está arrependida é porque ela foi convencida pelo Espírito e não por você”. Isso implica em algumas atitudes importantes na hora do evangelismo:

Não confie em si mesma. Às vezes achamos que nossos argumentos ou apelos são capazes de convencer alguém sobre alguma coisa, mas como já concluímos, não temos poder para convencer. Quem convence é o Espírito Santo de Deus! Ué, se não é você que convence, não infle seu ego, não tente ganhar a discussão! Isso só gerará mais ódio na medida em que mostrará à pessoa que você não está interessada em compartilhar sua fé, mas sim em impor sua fé. Lembre-se: Deus não impõe a fé a ninguém. Por mais que seja soberano e que a salvação dependa exclusivamente de Sua vontade, Ele nos CONVENCE e não nos FORÇA a aceitá-lo. Isso significa que, quando uma pessoa realmente entrega sua vida a Cristo, ela o faz concordando genuinamente com o Espírito em seu íntimo – e não fingindo concordar ou concordando por obrigação. Por isso, ore para que Ele faça o trabalho que você não pode fazer!

Seja humilde. Você pode ter encontrado a verdade, mas sua cosmovisão continuará sendo influenciada pela mentira e portanto nunca será perfeita. Temos falhas, pois continuamos sendo pecadoras e, como afirma Paulo, “Agora, pois, vemos apenas um reflexo obscuro, como em espelho; mas, então, veremos face a face. Agora conheço em parte; então, conhecerei plenamente, da mesma forma como sou plenamente conhecido” (1 Co 13:12). Deus não revelou TUDO a nós, apenas o que desejava e há partes da revelação específica (Bíblia) que estão sendo discutidas há séculos por pessoas muito mais habilitadas do que eu e você. Da mesma forma, você não precisa ter resposta para todas as perguntas ou afirmar que sabe de tudo. Nós, cristãs, deveríamos saber disso mais do que qualquer outra pessoa: nós somos nada, nada vem de nós. A verdade que cremos não veio de nós, muito menos nossa capacidade de pensar e argumentar, tudo veio de Deus! Sabendo disso, podemos não só confiar na cosmovisão cristã, mas confiar também que Deus pode nos ajudar a entender cada vez mais a realidade à nossa volta – coisa que sozinhas jamais conseguiríamos fazer – e também agir com humildade em relação aos outros, que são como nós: precisam de Deus.

Saiba ouvir antes de falar. Um erro muito comum também é achar que pelo muito falar a outra pessoa será convencida. Assim, nos aproximamos com um “Deixe-me explicar o amor de Deus”, enquanto a pessoa nem mesmo acredita que Deus existe! Então, antes de explicar João 3:16 nos mínimos detalhes, lembre-se que o coração daquela pessoa já tem um compromisso com alguma cosmovisão e que, para compartilhar a sua, você precisa primeiro entender a cosmovisão dela. Então escute com atenção, tente pensar da forma como a pessoa pensa, faça perguntas que esclareçam o que a pessoa pensa de Deus, da vida e da morte, de quem é o homem, etc. Depois, use a estratégia de Paulo que “se fez de tudo para com todos” (1 Coríntios 9:19-23) e, além disso, decidiu “nada saber […] a não ser Jesus Cristo, e este crucificado” (1 Coríntios 2:1-2). Assim, seguiremos o conselho de Jonas Madureira:

“[…] enquanto não temos a capacidade de ouvir, entender as cosmovisões do outro, nós atropelamos as pessoas e criamos mais barreiras para o evangelho. O que hoje ouvimos sobre os crentes e intolerância religiosa, por exemplo, na verdade vêm exatamente dessa subestimação da cosmovisão do outro. Você tem que deixar o evangelho confrontar a cosmovisão da pessoa, e não qualquer outra coisa […]”.

Lembre-se que a sua opinião não é importante, ela pode inclusive criar barreiras para o evangelho! Escute primeiro, entenda a posição da pessoa, deixe que ela se interesse por conhecer sua posição e então, apresente o evangelho: ele falará por si mesmo.

Não espere que a pessoa concorde prontamente com você e não fique irritada ou chateada com posições contrárias. Você já passou por uma situação em que explicou o evangelho e foi contrariada? Espero que sim, porque essa é a reação natural das pessoas. Elas discordam, perguntam, levantam contrapontos e muitas vezes até encerram a conversa. E aí você vai embora triste por ela não ter entendido. “Acho que não sou boa nisso, estraguei tudo!”, você pensa. Mas ué, se estamos mexendo com a cosmovisão da pessoa, é claro que isso vai gerar conflitos e muitas vezes até hostilidade. Isso não deve nos entristecer ou gerar em nós o sentimento de incapacidade. Na verdade, devemos justamente esperar uma oposição e estar prontos para responder com amor e paciência – e não com irritação ou julgamento. Conheço pessoas que durante anos foram extremamente hostis ao evangelho, mas Deus usou crentes amorosos e pacientes para demonstrar seu amor e, eventualmente, elas entenderam o evangelho e foram salvas por Deus. Nossa parte é amar e falar (Jo 13:35, Rm 10:13-17). Deus convence e salva (Jo 16:8, Jo 6:37). Que tal fazer sua parte e deixar que Deus se preocupe com a Dele?

Aprenda a praticar a tolerância. É muito fácil ser próximo e manter amizade com aqueles que concordam conosco. As coisas em comum costumam ser como elos para os relacionamentos. Mas o que acontece quando encontramos uma diferença, um pensamento antagônico ao nosso? Bom, muitas pessoas falam sobre tolerância. Mas, como afirma Jonas Madureira, tem havido certa confusão em relação ao que é de fato tolerância. Algumas pessoas acham que para tolerar alguém é preciso aceitar a opinião da pessoa como válida, ceder sua posição de “estar certo” para reconhecer que todos estão certos. Mas isso, na verdade, é relativismo.

As pessoas acham que tolerar é concordar, encontrar pontos em comum. Mas encontrar os pontos em comum, nunca vai colocar a gente em conflito […] você não precisa tolerar alguém que tem a mesma ideia que a sua. A tolerância precisa ser afirmada na contradição. Tolerância tem a ver com assumir posições de conflito. Tolerar não significa que todas as crenças são verdadeiras, muito menos concordar com a posição contrária a sua.

Além disso, se tolerar significa concordar, todos seremos obrigados a abandonar nossas cosmovisões em detrimento da do outro – não seria isso inconsistente? Tolerar, portanto, não implica em abandonar suas convicções, mas em tratar aquele que tem outras convicções com respeito.

“[…] como diz C. S. Lewis, não é porque você é cristão que todas as outras religiões estão erradas em tudo aquilo que elas dizem. 2+2=4 na boca de um cristão e de um ateu. Ateus, espíritas e hindus podem falar a verdade também. Só não podemos dizer que tudo aquilo que eles disserem será verdade. A questão é que não é porque você é cristão que você precisa ser inimigo de todo mundo. Precisamos tirar do campo tudo aquilo que é secundário e permitir que o essencial apareça, que no caso da nossa cosmovisão é: criação, queda e redenção […]”.

Vocês discordam sobre a permissão do aborto ou da eutanásia? Tem opiniões diferentes sobre o casamento homossexual? Tudo bem. Você não precisa ofender, ridicularizar a posição do outro, tornar-se inimigo dele. Mas também não precisa concordar com o outro. Exerça a tolerância. Tolerância não é para quem concorda, mas para quem discorda.

No contexto universitário, por exemplo, eu já ouvi muitas vezes que considerar a homossexualidade pecaminosa é ofender os homossexuais, é ser homofóbico e intolerante. Será que isso é verdade? Em parte, sim, pois o evangelho de fato nos ofende, nos humilha, nos tira as máscaras e deixa claro quem realmente somos: “perversos, iníquos, imorais, maliciosos, avarentos, invejosos, homicidas, enganadores, malignos, murmuradores, soberbos, presunçosos, infiéis…” e a lista continua (Rm 1:29-32). Mas então, se quisermos dizer que isso é homofobia, teremos que entender que o cristianismo é também “antropofóbico”, pois “ofende” a todos os homens. Mas fica claro que isso não é verdade quando ouvimos o que o próprio Cristo diz: “Deus enviou o seu Filho ao mundo não para condenar o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por meio dele” (João 3:17). Não, não estamos sendo intolerantes ao afirmarmos que o homem é pecador e que precisa de arrependimento. Na verdade estamos falando de amor, quando compartilhamos com outros pecadores a mesma solução que Deus deu a nós – que também somos pecadores – a salvação através de Cristo Jesus.

Diante desse conceito de tolerância, qual você acha que deve ser a posição do cristão na sociedade? O que ele deve fazer, por exemplo, em relação à política? O que temos a dizer a respeito da “bancada evangélica”? A cosmovisão cristã diz respeito apenas à vida privada? E como lidar não somente com o conflito, mas com a hostilidade em relação à cosmovisão cristã? Todas estas questões buscaremos responder na semana que vem, no final da nossa série. Te encontro lá!

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Citações de Jonas Madureira. Disponíveis em: https://www.youtube.com/watch?v=W7ZwLzeMfs0.