Semana retrasada comecei a ler um livro de ficção e me lembro de ficar irritada com a autora. Até quase metade do livro, as descrições de ambientes e das personagens eram superficiais, eu sentia dificuldade de imaginar as cenas. Pensei até em desistir da leitura, mas, para a minha surpresa, ela havia feito de propósito. Adiante na leitura, percebi que a sociedade em que a história se passava era desprovida de diversas memórias e sensações, eles não conheciam música, por exemplo, e também não conheciam as cores. Viviam numa dispensação da “Mesmice”, com visão preta e branca. Logo fiz paralelos com diversos momentos da vida. 

Infelizmente, perdemo-nos na rotina e, às vezes, o que fica em segundo plano é a atividade física, mas normalmente, o que passa em primeiro lugar para o segundo plano é a intimidade com Deus. Ir para as reuniões da igreja, cantar no louvor, ler a Bíblia parece não surtir diferença na vida de modo geral, é uma frieza espiritual, uma mesmice…  E sabia que essa é uma dificuldade de vários teólogos, pastores e líderes de ministérios? Sabe por quê? Porque a intelectualidade e o estudar a Bíblia, por mais que gerem certo envolvimento com Deus, não promovem a intimidade com Ele (Jó 11.7-8). E sabia que muito provavelmente, se você não passou por essa situação, em algum momento passará? Somos pecadores…

“A superficialidade é a maldição dos nossos dias. A doutrina da satisfação instantânea é um dos principais problemas espirituais. A necessidade desesperadora de hoje em dia não é de um número maior de pessoas inteligentes, ou bem-dotadas, mas sim de pessoas profundas.” [1]

Em Hebreus 4.11 está escrito:

“Portanto, esforcemo-nos por entrar nesse descanso, para que ninguém venha a cair, seguindo aquele exemplo de desobediência.”

O descanso desta passagem bíblica está relacionado com a intimidade com Deus, e a verdade é que, para entrar nesse descanso, é preciso esforço, trabalho, desempenho (Js 1.9; Fp 2.12; Hb 5.11, Ef 5.18). É fácil encontrar justificativas do tipo “não consigo mais crer em Deus”, “por que Deus permitiu tal coisa se Ele existe?”, “as mensagens do culto são muito complicadas”, “não tenho força para ler a Bíblia” para explicar essa barreira que construímos em nosso relacionamento com Deus. Contudo, precisamos repensar nossos hábitos, nossas prioridades, nossa busca por conhecer a Deus. Precisamos de empenho para conhecer a Deus intimamente. Portanto, a resposta mais direta do por que vivemos a mesmice é o nosso próprio pecado, às vezes, preguiça, idolatria ao trabalho, insatisfação. Deus nunca é o responsável por essa confusão (Tg 1.14), como Thomas Kelly escreveu: [Deus] nunca nos guia a uma intolerável situação de um estado febril ofegante. Pelo contrário, em Sua graça, enviou o Espírito Santo, que nos capacita a agir em conformidade com a Sua vontade (Jo 14.26; 1Co 10.13), transforma-nos e auxilia qualquer mudança em nossa vida. Ninguém precisa desistir de sua vida espiritual e se entregar aos prazeres mundanos por não acreditar que Seu relacionamento com Deus pode ser prazeroso. Basta ter disposição para buscar a Deus. Como escreveu uma poeta…

“Um barco vai para o leste e outro para oeste com exatamente os mesmos ventos soprando. É a DISPOSIÇÃO das velas, e não os fortes ventos, que nos revelam o caminho pela frente.” [2]

Agora, veja esses exemplos lindos de pessoas dispostas…

  • Paulo considerou tudo como perda por causa da sublimidade do conhecimento de Deus (Fp 3.7-11);
  • Davi, depois de um ataque repentino, de ter sido ameaçado de morte, de ter sido separado de sua família, reanimou-se no Senhor (1Sm 301-6).  Ele quem escreveu que sua alma tinha sede de Deus (Sl 42.1,2).

Tanto Paulo como Davi sabiam da importância de passar um tempo com o Senhor. Eles tiveram essa disposição, porque vale a pena. Veja o que está escrito em Efésios 1.17-19:

“Peço que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o glorioso Pai, lhes dê espírito de sabedoria e de revelação, no pleno conhecimento dele. Oro também para que os olhos do coração de vocês sejam iluminados, a fim de que vocês conheçam a esperança para a qual ele os chamou, as riquezas da gloriosa herança dele nos santos e a incomparável grandeza do seu poder para conosco, os que cremos, conforme a atuação da sua poderosa força.”

Veja quantas maravilhas são reveladas para aqueles que estão em comunhão com Ele. Somente com os olhos descobertos pelo relacionamento íntimo com Ele é que experimentamos da Sua plena satisfação em nós. Como a personagem do livro de ficção que teve sua mente aberta para experimentar emoções, ouvir música e contemplar todas as cores, assim é aquele que verdadeiramente O conhece, pois desfruta de maravilhosos deleites (Sl 16.11). E não há nada como a profundidade na comunhão com Deus para nos tornar insatisfeitos com as coisas superficiais. Contudo, “a intimidade com o Senhor exige atos de disciplina que não são mais valorizados ou imitados pela maioria das pessoas hoje em dia.” [3] Seguem alguns atos de disciplina que ajudam nessa busca pelo conhecimento dEle:

  • Meditar nas Escrituras (Js 1.9; Pv 7.1-3) – meditar na Palavra de Deus é ler o texto bíblico com atenção, relê-lo e encontrar as lições que você precisa aprender. Mas é diferente da meditação que comumente as pessoas fazem fora da igreja, pois nesta, sua mente é transformada pela Palavra, corrigida e preparada para colocar as lições em prática. Estar um ambiente que facilite você prestar atenção na leitura é muito importante, de preferência, fique sozinho, em silêncio e faça a meditação em um horário do dia mais tranquilo, em que não precisará sair correndo, esquecendo do que leu;

Não será que a imperfeição de muitas de nossas experiências espirituais seja decorrente do nosso hábito de sair às pressas pelos corredores do Reino como crianças no mercado, tagarelando acerca de tudo, mas não parando para saber o real valor de nada? [4]

  • Orar (Mt 6.9-13; 1Pe 5.7; 1Jo 1.9,10; Mt 6.7-8) – esteja disposto a orar em qualquer momento do dia; ore conforme a Palavra de Deus ensina; confesse Seus pecados, adore a Deus, interceda por outras pessoas; ore por sua vida espiritual, peça para Deus abrir seus olhos para contemplar as maravilhas da Sua lei (Sl 119.18; 139.23,24). 

“Uma vida disciplinada de oração nos ajuda a tirar o foco aqui de baixo e a direcionar o nosso foco no alto, lembrando que a nossa vida não se limita às coisas aqui da terra e que nossa pátria é no céu.” [5]

  • Memorizar versículos (Tg 1.25; Sl 119.11, 92, 93; Ef 6.13-17) – é importante para os dias das tentações, pois eles ajudam a não pecar e também a consolar em dias difíceis. São importantes para nos ensinar os caminhos dEle e nos dar convicção de que estamos agindo da maneira que O agrada.

  • Adorar – é ter o coração cheio do Espírito e reconhecer que Ele está no controle de tudo, que é Majestoso, o Todo Poderoso, em quem encontramos satisfação plena e que merece tudo o que somos e podemos fazer. Ouvir louvores, cantar louvores a Ele e declarar seu amor, sua alegria nEle são maneiras de adorá-lO.

Acredito que você já conhecia essas disciplinas. Elas são não tão inovadoras, contudo, precisamos praticá-las. A vida de comunhão com Deus é simples, nós é que complicamos tudo. Mas é possível! Deus nos capacita a vivê-la por meio do Espírito. E, assim, podemos desfrutar de Sua paz, Seu amor, Suas maravilhas, Seu agir. Experimentamos oásis em dias desérticos e realização plena em dias ordinários. Basta nos organizarmos e nos dispormos para isso. E aí, vamos reorganizar a agenda e separar o tempo dEle para Ele? Vamos nos aquietar e saber que Ele é Deus (Sl 146.10)?

A pausa e a corrida cantam uma canção a dois. 

Em cada vida há uma pausa que é melhor que a corrida para a frente, melhor que um trabalho braçal ou que a obra mais importante: É ficar quieto diante da Soberana vontade. Há uma corrida que é melhor do que um ardente discurso, melhor que suspirar ou no deserto chorar: É quieto estar diante da soberana vontade. A pausa e a corrida cantam uma canção a dois. Em uníssono, bem suave, durante todo o tempo: Ó alma humana, o plano da obra de Deus prossegue, e não precisa da ajuda do homem! Fica quieto e verás! Aquieta-te, e saberás! [6]

 

 

 

 

________________________________________________

¹SWINDOLl, Charles. Intimidade com o Todo-Poderoso.

² WILCOX, Ella Wheeler em The Best Loved Poems of the American People.

³  SWINDOLl, Charles. Intimidade com o Todo-Poderoso.

4  TOZER, A. W. The Divine Conquest.

5 VERAS, Renata. Devoção.

6. EDMAN, Raymond. The Disciplines of life.