Ouço muito por aí falarem de discipulado, e quando pergunto o que isto significa, a imagem que recebo são duas pessoas, debruçadas sobre a Bíblia e algum livro de apoio, estudando conceitos e textos bíblicos. Não que esta imagem esteja errada, frequentemente isto faz parte de um processo de discipulado intencional, em especial com novos crentes. No entanto, a imagem que a Bíblia nos oferece é bem maior e, como sempre digo, mais bonita.

Estou me debruçando no texto de hoje a partir de dois livros*: Ministério de Mulheres – Amando e Servindo a Igreja por meio da Palavra, da Editora Fiel, e Ministério Feminino na Igreja Local, da Editora Cultura Cristã.

O contexto biblico do discipulado

A ideia do discipulado não é algo pertencente à esta geração, ou a dos seus pais ou avós. Essa ideia veio da mente do próprio Deus. Está tudo lá na lei, em Deuteronômio 6.4-7:

Ouça, ó Israel: O Senhor, o nosso Deus, é o único Senhor. Ame o Senhor, o seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todas as suas forças. Que todas estas palavras que hoje lhe ordeno estejam em seu coração. Ensine-as com persistência a seus filhos. Converse sobre elas quando estiver sentado em casa, quando estiver andando pelo caminho, quando se deitar e quando se levantar.

O discipulado, como pode ser visto neste texto, é prioritariamente vida na vida – o mestre ama ao Senhor profundamente, guarda a Palavra no seu coração e a pratica, e persiste em ensinar sobre ela, enquanto compartilha a vida comum com o seu discípulo (ao andar, deitar, sentar, levantar…). Mas tem mais…

Povo meu, escute o meu ensino; incline os ouvidos para o que eu tenho a dizer. Em parábolas abrirei a minha boca, proferirei enigmas do passado; o que ouvimos e aprendemos, o que nossos pais nos contaram. Não os esconderemos dos nossos filhos; contaremos à próxima geração os louváveis feitos do Senhor, o seu poder e as maravilhas que fez. Ele decretou estatutos para Jacó, e em Israel estabeleceu a lei, e ordenou aos nossos antepassados que a ensinassem aos seus filhos, de modo que a geração seguinte a conhecesse, e também os filhos que ainda nasceriam, e eles, por sua vez, contassem aos seus próprios filhos. Então eles porão a confiança em Deus; não esquecerão os seus feitos e obedecerão aos seus mandamentos. Eles não serão como os seus antepassados, obstinados e rebeldes, povo de coração desleal para com Deus, gente de espírito infiel.

Vemos aqui outro componente do discipulado: o compartilhar da história e das experiências: “o que ouvimos e aprendemos, o que nossos pais nos contaram.” A razão para que compartilhemos nossas histórias é para que a próxima geração possa conhecer a Deus, colocar sua confiança em Deus e obedecer Seus mandamentos.

Contar à próxima geração sobre o passado traz esperança para o futuro porque os assegura de que Deus mantém suas promessas.

Estes textos nos ensinam que o discipulado acontece na comunidade. É no dia a dia da igreja, do seu povo, que o discipulado acontecem: pais com filhos, amigos com amigos, mestres e discípulos. Assim, vou definir discipulado como “uma geração ensinando outra geração, com amor e constância, os feitos do Senhor a partir das Escrituras, da história e de sua própria experiência.”

O discipulado é tão importante, que o próprio Jesus fez questão de lembrar a seus discípulos que eles precisavam fazê-lo. Mais do que contar as Boas Novas da Salvação, é responsabilidade do mestre ensinar seus discípulos a viver de maneira obediente à Palavra.

“Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei. E eu estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos”.

E assim chegamos ao nosso texto de hoje. Quando o apóstolo Paulo escreve ao seu amado filho na fé, Timóteo, ele não apenas diz “ensine a doutrina”. Ele descreve quais áreas Timóteo deveria se focar…

O contexto textual – Tito 2.1-14

Há alguns aspectos que devemos considerar neste texto. Em primeiro lugar, Paulo estabelece a responsabilidade e a autoridade eclesiástica em garantir que a sã doutrina seja ensinada. Assim como os pais receberam este encargo em Deuteronômio, há uma responsabilidade designada para a liderança da igreja em passar adiante fielmente os ensinos de Deus (vv.1, 7-8, 15). Eles devem viver E proclamar a Palavra de Deus.

Em segundo lugar, o discipulado acontece na comunidade cristã: é para os mais velhos (v.2-3) e para os jovens (4-6), e acontece em meio aos relacionamentos. A razão pela qual ele precisa ser praticado na comunidade, nos relacionamentos, é porque, juntos, mestre e discípulo testemunham a influência transformadora e redentiva do Evangelho na vida dos cristãos e na cultura onde eles estão inseridos (v.5 – “a fim de que a palavra de Deus não seja difamada”, v. 8 “para que aqueles que se lhe opõem fiquem envergonhados por não terem nada de mal para dizer a nosso respeito”, v.10 “para que assim tornem atraente, em tudo, o ensino de Deus, nosso Salvador”).

Assim chegamos ao nosso texto:

Semelhantemente, ensine as mulheres mais velhas a serem reverentes na sua maneira de viver, a não serem caluniadoras nem escravizadas a muito vinho, mas a serem capazes de ensinar o que é bom. Assim, poderão orientar as mulheres mais jovens a amarem seus maridos e seus filhos, a serem prudentes e puras, a estarem ocupadas em casa, e a serem bondosas e sujeitas a seus próprios maridos, a fim de que a palavra de Deus não seja difamada. Tito 2:3-5

Há duas coisas muito interessantes aqui. Primeiro, as mulheres mais velhas recebem a responsabilidade de ensinar porque já puderam aprender e experimentar o caráter de Deus em suas vidas. Por isso elas são capazes de ensinar o que é bom. Em seguida, o propósito do ensino vida na vida é que a palavra de Deus não seja difamada.

Mulheres mais velhas devem ser capazes de ensinar o que é bom à mulheres mais jovens para que a Palavra de Deus não seja difamada.

A verdade do texto é que, antes de ministrar a outros, devemos ser um exemplo de comportamento, boas obras e ensino. Isto é aplicável não apenas às mulheres. Paulo aponta que Timóteo deveria ser um exemplo no falar, no proceder e no ensinar “para que aqueles que se lhe opõem fiquem envergonhados por não terem nada de mal para dizer a nosso respeito” (v.8); e que os escravos deviam se submeter ao seu senhor “para que assim tornem atraente, em tudo, o ensino de Deus, nosso Salvador” (v.10), e a graça salvífica de Deus nos ensina a “renunciar à impiedade e às paixões mundanas e a viver de maneira sensata, justa e piedosa nesta era presente” (v.12).

Seja no trabalho, no ministério ou na família, devemos viver a demonstrar a graça salvífica e redentora de Deus. E isto não se faz por palavras apenas. Na verdade, a razão pela qual creio que o discipulado não seja eficaz como deveria é que passamos muito tempo debruçadas na Palavra e pouco tempo modelando as verdades da Palavra a outras moças e mentoreando-as a medida em que vivemos COM elas aquilo que Deus as fez para ser.

Imagine a beleza de uma viúva de 67 anos compartilhando o poder redentor do Evangelho na vida de seu marido que, não sendo cristão, por muitos anos foi rude para com ela. Pela oração, amor e perseverança, o Senhor lhe deu a graça de se manter fiel e seu marido veio à Cristo e foi transformado pela Palavra de Deus em um homem amoroso e cuidadoso. Quanta esperança existe em ver na vida de outra pessoa aquilo que o Senhor tem feito! Quanto encorajamento em ouvir sua história de amor e perseverança!

Ou pense numa moça solteira de 36 anos vivendo contente em seu relacionamento com Deus, sem comentários, reclamações ou sugestões sobre como e onde encontrar um esposo, apenas contente com a provisão de Deus para aquele dia? Que testemunho ela dá sobre a suficiência de Deus, sobre a provisão divina para cada dia, sobre como não precisamos de um homem para satisfazer nossas necessidades, e sobre o privilégio de não precisarmos nos dedicar a um lar ou marido, mas àquelas pessoas que Deus trouxer às nossas vidas – independente de idade, sexo ou gostos?

E “o que é bom”? Miquéias 6.8 nos diz que bom de acordo com as exigências de Deus é que pratiquemos a justiça, amemos a fidelidade e andemos humildemente com Deus. Tem você praticado e buscado justiça? Tem você amado a fidelidade de Deus na sua vida e testemunhado dela? Você é humildade em sua caminhada com Deus? Isto é bom. Isto é domínio próprio. Isto é amor ao próximo. Estas atitudes são essenciais num discipulador, tanto que o domínio próprio é mencionado para todos os personagens deste capítulo.

E quando vivemos uma vida íntegra, temente a Deus, humilhando-nos perante ele, perseverando no amor e na oração por aquelas moças que foram colocadas por Deus em nossas vidas, Ele mesmo nos usa como testemunho e motivo para mudança na vida das demais moças.

É muito louvável de nossa parte escrever a moças sobre diversos assuntos em uma perspectiva bíblica. Mas isto nunca substituiria o discipulado. As pessoas a quem ministramos aprendem por meio da prática, da vida comum. Então convide-as para a sua vida, participe da vida dela, faça junto com ela, ajude-a a vencer aquele pecado e a conquistar mais um passo na sua vida de santidade perante Deus.

E é por isso que a Palavra de Deus não é difamada, porque quando uma geração conta à outra das suas experiências, da sua vida, daquilo que o Senhor já fez, já mudou, já transformou, já ensinou, ela ensina sobre o caráter de Deus, trazendo esperança de mudança e crescimento não apenas às moças cristãs a quem ministra, mas a todos aqueles que não conhecem a Deus que Ele os ama, cuida e pode transformar.

Há muito mais que eu poderia dizer aqui. Mas creio que temos nos debruçado demais nos detalhes do texto sobre o que fazer e o que não fazer, e deixado de lado os porquês. Nestas últimas três semanas, tenho me dedicado aos porquês, porque acredito que o único lugar onde o COMO vem antes do PORQUÊ é no dicionário.

Vivermos no como é vivermos como fariseus, forçando nossas discípulas a fazerem isto ou aquilo correto “para agradar a Deus”. Mas quando vivemos no porquê, caminhamos lado a lado com elas, as apoiamos enquanto tomam decisões de vida a partir da verdade do Evangelho, damos suporte quando elas falham, as ajudamos a reconhecer e receber o perdão de Deus e as encorajamos na busca da santidade… tudo isso para que a Palavra de Deus não seja difamada.

Somos a comunidade de Deus, trabalhando em comunidade, para crescer como comunidade e servir a comunidade. Se você não tem uma mulher mais velha na sua vida que possa compartilhar disso contigo, comece a orar e buscar por uma. Não deixe de viver o benefício do discipulado, do viver em comunidade. Se você tem oportunidade de ministrar a moças mais jovens, seja intencional. Talvez você tenha 18 anos e possa servir no ministério infantil, amando e cuidando daquelas crianças sob seu cuidado. Talvez você tenha 25 e esteja disposta a servir a moças que estão nos temidos anos da faculdade. Talvez você já seja uma senhora casada, cuidando dos netos, e acha que sua responsabilidade já se encerrou com seus filhos. Mas Deus ainda tem muitos anos de mentoreamento para você viver.

Não perca a chance de viver o incrível poder do discipulado um a um, mulher para mulher.

Fica aqui meu obrigado às minhas discipuladoras: minha mãe, Ivânia, é claro, que cumpriu sua responsabilidade para comigo desde os primeiros anos, mas também àquelas que não tinham nenhuma obrigação de ministrar na minha vida, mas se colocaram na brecha e me ajudaram a ser a mulher que sou hoje: Simone, Cláudia, Silene, Grace, Regiane e Angel. Amo vocês.

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