Semana passada prosseguimos nosso percurso em busca das virtudes e entendemos mais sobre elas ao contrastá-las com os vícios. A primeira lista de virtudes que conhecemos foi sistematizada por Tomás de Aquino, justamente fruto do contraste com os sete pecados capitais. Eram elas: Humildade, Bondade, Paciência, Diligência, Caridade, Castidade e Temperança. Entendemos que os contrastes são didáticos e que o próprio Deus muitas vezes nos mostra o que devemos fazer ao nos ensinar o que não fazer. Também olhamos para o texto de Gálatas 5, que através do contraste nos ensinou que a vida virtuosa depende do amor. Assim, reafirmamos mais uma vez nossa premissa de que para ser virtuosa não basta agir virtuosamente, é preciso amar a virtude. Ainda temos muito a aprender sobre esse amor, mas hoje, queremos abrir a porta para ele. E para abrir a porta, precisamos de dobradiças.

AS VIRTUDES CARDINAIS

A lista das quatro Virtudes Cardinais (ou cardeais) possui esse nome pois é a lista das virtudes que guiam nossa razão e fé, que ordenam nossos hábitos e vontade. A palavra “Cardeal” significa “dobradiça”, como afirma Aquino: “cardeal se diz da dobradiça, na qual se gira a porta […] por isso se chamam virtudes cardeais aquelas nas quais se fundam a vida humana, pela qual se entra pela porta.” Elas também são chamadas virtudes morais, pois são como um guia para a moral perfeita. Elas aparecem em diversas ilustrações e registros artísticos do passado. Vamos conhece-las.

“Com efeito, alguns se servem dos quatro nomes mencionados para significar os modos gerais da virtude: denominando, por exemplo, prudência a todo conhecimento reto; denominando justiça a toda retidão que ajusta os atos humanos; denominando temperança a toda moderação que refreia o apetite do homem pelos bens temporais; denominando fortaleza a toda firmeza da alma que assegura ao homem no bem contra o ataque de qualquer mal.”

SAPIENTIA, ou PRUDÊNCIA

(pru.dên.ci.a) substantivo feminino

  1. virtude que faz prever e procura evitar as inconveniências e os perigos; cautela, precaução.
  2. calma, ponderação, sensatez, paciência ao tratar de assunto delicado ou difícil.

“A ira do insensato num instante se conhece, mas o prudente oculta a afronta.” Pv 12:16

“O sábio de coração é chamado prudente, e a doçura no falar aumenta o saber.” Pv 16:21

A sabedoria do prudente é entender o seu próprio caminho, mas a estultícia dos insensatos é enganadora” Hb 14:8

O prudente vê o mal e esconde-se, mas os simples passam adiante e sofrem a pena.” Pv 22:3

“O simples dá crédito a toda palavra, mas o prudente atenta para os seus passos.” Pv 14:15

A prudência, cujo sinônimo mais comum talvez seja cautela é a primeira de nossas quatro virtudes cardeais. Ser prudente significa ser sábio, discernir entre o bem e o mal e envolve também longanimidade e discrição no falar e no agir. O prudente é aquele que não fala o que pensa, que não “joga na cara” as ofensas que sofreu. Ao contrário, o prudente oculta a afronta, pois tem sabedoria de coração e doçura no falar. Ele sabe discernir seu próprio caminho e não fica preocupado com a vida dos outros. Ele sabe ser cauteloso contra os perigos e não segue qualquer conselho, pois é alguém cauteloso. O prudente acaba beneficiando não só sua própria vida, mas também todos à sua volta. Você é prudente?

IUSTITIA, ou JUSTIÇA

(jus.ti.ça) substantivo feminino

1.  qualidade do que está em conformidade com o que é direito; maneira de perceber, avaliar o que é direito, justo.

2. o reconhecimento do mérito de alguém ou de algo.

A boca do justo profere sabedoria, e a sua língua fala do que é justo.” Sl 37:30

O justo se alegra no Senhor e nele confia, os retos de coração, todos se gloriam.” Sl 64:10

“O ímpio pede emprestado e não paga, o justo, porém, se compadece e dá.” Sl 37:21

A memória do justo é abençoada, mas o nome dos perversos cai em podridão.” Pv 10:7

O justo anda na sua integridade, felizes lhe são os filhos depois dele.” Pv 20:7

Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos.” Mt 5:6

Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus.” Mt 5:10

A justiça, que também pode ser definida como retidão, é a segunda virtude cardeal. Ao contrário do que muita gente pensa, ser justo não é simplesmente fazer com que cada um receba o que merece, mas tem a ver com confiança em Deus. O justo não busca vingança por suas próprias mãos, pois sabe que ela pertence a Deus e confia que ela virá do Senhor. O justo fala com sabedoria, se compadece do seu próximo e anda em integridade, ou seja, age honestamente e vive de acordo com a verdade. Seu nome é conhecido e respeitado e, ainda que seja perseguido, Deus promete que ele será farto e participará do Seu Reino eterno. Você é justa?

TEMPERANTIA, ou TEMPERANÇA

(tem.pe.ran.ça) substantivo feminino

1. qualidade ou virtude de quem é moderado, comedido.

2. sobriedade no consumo de alimentos e/ou bebidas.

“É necessário, portanto, que o presbítero seja irrepreensível, esposo de uma só mulher, temperante, sóbrio, modesto, hospitaleiro, apto para ensinar” 1 Tm 3:2

“Da mesma sorte, quanto às mulheres, é necessário que sejam elas respeitáveis, não maldizentes, temperantes e fiéis em tudo.” 1 Tm 3:11

Sede sóbrios e vigilantes. O diabo, vosso adversário, anda em derredor, como leão que ruge procurando alguém para devorar.” 1 Pe 5:8

“Porque Deus não nos tem dado espírito de covardia, mas de poder, de amor e de moderação.” 2 Timóteo 1:7

“Seja a vossa moderação conhecida de todos os homens. Perto está o Senhor.” Fp 4:5

“Por isso, cingindo o vosso entendimento, sede sóbrios e esperai inteiramente na graça que vos está sendo trazida na revelação de Jesus Cristo.” 1 Pe 1:13

A terceira virtude cardeal é a temperança, que significa ser sóbrio, moderado, equilibrado. Da mesma maneira como um prato deve ser bem temperado, ou seja, não ser salgado demais, mas também não pode ser insosso, ser temperante é saber dominar e equilibrar seus desejos da maneira correta. As Escrituras nos mostram que ser temperante tem a ver com sobriedade, o que significa não perder o controle de si mesmo. Aconteceu algo terrível? Mantenha-se sóbria, não deixe seu coração ser dominado pelo desespero e pela ansiedade. Alguém te ofendeu? Não se deixe dominar pela ira e ódio, mas mantenha-se temperante. Foi injustiçado? Espere “inteiramente na graça” e aja com sobriedade, calma. E aí, você pode dizer que é temperante?

FORTITUTO, ou FORTALEZA

(for.ta.le.za) substantivo feminino

1.  qualidade ou caráter de forte.

2.  força moral; firmeza.

Firme está o meu coração, ó Deus, o meu coração está firme; cantarei e entoarei louvores.” Sl 57:5

“Não se atemoriza de más notícias; o seu coração é firme, confiante no Senhor.” Sl 112:7

“Portanto, meus amados irmãos, sede firmes, inabaláveis e sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que, no Senhor, o vosso trabalho não é vão.” 1 Co 15:58

Resisti-lhe firmes na fé, certos de que sofrimentos iguais aos vossos estão-se cumprindo na vossa irmandade espalhada pelo mundo.” 1 Pe 5:9

“Portanto, também nós, visto que temos a rodear-nos tão grande nuvem de testemunhas, desembaraçando-nos de todo peso e do pecado que tenazmente nos assedia, corramos, com perseverança, a carreira que nos está proposta, olhando firmemente para o Autor e Consumador da fé.” Hb 12:1-2

A quarta e última virtude cardeal, fortaleza (ou fortitude), não tem a ver com força física. Pelo contrário, refere-se à uma força interna, a firmeza de permanecer em pé mesmo em meio às tempestades. Um coração firme não é jogado para lá e para cá pelas tempestades da vida, mas fica firme, inabalável, pois sabe que está na Rocha. A Fortaleza está relacionada também com perseverança e lealdade. Significa manter-se leal, por exemplo, aos compromissos assumidos, ou à palavra dada. Significa ser resoluto, decidido, “ir até o fim”, por assim dizer. Para resistirmos aos ataques do inimigo e vencermos o pecado, temos que correr com perseverança e olhar firmemente para Cristo. Você é firme?

UM POR TODOS E TODOS POR UM

Você deve ter percebido que, ao estudarmos cada uma das virtudes, vamos estabelecendo relações entre elas que fazem com que uma seja interdependente da outra. Como afirmaram certa vez, “Não é verdadeira prudência a que não é justa, temperante e forte; nem é perfeita a temperança que não é forte, justa e prudente; nem é íntegra a fortaleza que não é prudente, temperante e justa; nem verdadeira justiça a que não é prudente, forte e temperante.” Sim, é verdade que todas elas estão ligadas, entrelaçadas, uma depende da outra para existir. Mas existe um nível ainda mais profundo de dependência entre as virtudes. Uma tríade de virtudes sem a qual nenhuma das outras pode existir. 

Talvez, ao ler a descrição de cada uma das quatro virtudes cardinais você tenha se deparado com uma incapacidade e inaptidão. Talvez para cada pergunta que eu fiz: “Você é prudente? É justa? É temperante? É firme?”, você tenha respondido “Não”. Por isso, convido você a me acompanhar uma última vez na semana que vem, em que vamos conhecer as três virtudes mais excelentes e entender o que significa: “Se não tiver isso, de nada valerá”.