“Mulher virtuosa, quem a achará? O seu valor muito excede o de finas joias.” Pv 31:10

Você já foi em algum evento de mulheres, seja um chá de cozinha, aniversário ou mesmo um culto promovido pelo ministério de mulheres e encontrou os dizeres de Provérbios 31? Talvez não seja tão conhecido fora da igreja, mas no meio cristão essa mulher é praticamente um mito. Todos falam de como ela é bondosa, cuida bem da família, nunca se cansa de trabalhar, acorda cedo e dorme tarde, multiplica seus bens, negocia, é generosa, sábia, não tem preocupações e é louvada por sua família. UAU. Desde que ouvi sobre ela pela primeira vez, sempre quis ser como ela. Há muitos livros¹ listando as características e qualidades dela também. Mas decidi ao longo dessa série pensar apenas sobre a palavra “virtude”. O que é virtude? O que é ser alguém virtuoso?

Meu ministério é na área da educação e eu e meu marido abrimos junto com nossa igreja, que fica no interior do Piauí, uma escola, que no fim deste ano completará dois anos de existência. É interessante que antes de abrir a escola a palavra “virtude” nunca tinha me saltado aos olhos, até que comecei a estudar a Educação Cristã Clássica². Dentro dessa filosofia educacional as virtudes têm um papel central na formação do aluno e de repente comecei a perceber o quanto tudo isso poderia beneficiar minha própria formação. Ao mesmo tempo, comecei a fazer um curso³ riquíssimo (o qual foi base para boa parte dos aprendizados que vou compartilhar com vocês ao longo desse mês) e li um livro⁴ fantástico sobre o tema que me ajudou ainda mais. Assim, se você gostar do que ler por aqui, já sabe onde encontrar mais da mesma fonte. Mas vamos ao que interessa.

O QUE SÃO VIRTUDES?

As virtudes e vícios estão nas raízes dos nossos pensamentos, sentimentos e ações e constituem o nosso caráter, aquilo que somos no mais íntimo. Simplificando, são hábitos, disciplinas, rotinas da mente, é aquilo que move nossa vontade, espírito e corpo. Houve quem dissesse⁵ até que “A virtude é a saúde da alma”, assim como o corpo pode estar saudável ou doente, nossa alma também pode ser virtuosa ou cheia de vícios. Afinal, “Como pensar bem com uma alma doente, um coração devastado pelo vício, atraído para um lado e para o outro pelas paixões, arrastado pelo amor violento ou culpado? Paixões e vícios roubam a atenção e dispersam, desencaminham, prejudicam o julgamento de maneiras indiretas […] o conhecimento depende da direção dada às nossas paixões e aos nossos hábitos morais.”⁶

É claro que essa “saúde” depende do agir do Espírito Santo, que é o único capaz de nos capacitar para a virtude. Mas falaremos mais sobre esse aspecto mais para frente. Por enquanto, vamos tentar chegar a uma definição de “virtude”. Aqui, vamos emprestar algumas etimologias⁷ úteis, trabalhadas pelo Dr. Perrin⁸ no curso que mencionei anteriormente:

– “HÁBITO” vem da palavra latina habito (morar, residir, viver). As virtudes devem habitar em nós, nos ajudando a viver bem.

– “DISCIPLINA” está relacionada à palavra latina discipulus (aluno, aprendiz). É o preparo para agir de acordo com as regras, um regime que desenvolve ou melhora uma habilidade. 

– “VIRTUDE” tem origem na palavra latina virtus (coragem viril). A palavra grega é arete, que significa excelência, a capacidade humana totalmente desenvolvida

Uma autora bem conhecida na Educação Clássica, chamada Charlotte Mason, diz que hábitos são inevitáveis, pois vamos cultivá-los, sejam bons ou ruins. E isso é muito verdade, não é? Viver demanda de nós que criemos hábitos. Desde pequenas, somos ensinadas a ter bons hábitos ou, naturalmente teremos maus hábitos. Podemos, por exemplo, aprender a escovar os dentes todos os dias, o que a longo prazo será muito bom para a saúde dental ou, podemos simplesmente não escovar e depois teremos que lidar com cáries e dentes caindo. Da mesma maneira, podemos ganhar o hábito de sermos gentis, dizer “obrigada”, “por favor”, “com licença” e desfrutarmos de relacionamentos mais amorosos, ou podemos criar hábitos ruins como dizer “cala boca”, “sai da frente” e outros que com certeza gerarão conflitos. Assim, percebemos que os hábitos são adquiridos através da prática diária, sejam eles bons ou ruins. Claro que, para ganhar bons hábitos, é preciso ter disciplina, pois não nascemos virtuosos, ao contrário, nosso coração é naturalmente um criador de vícios.

Pedro também fala desse empenho, desse esforço que temos que fazer, uma vez que já fomos capacitados por Deus, para nos habituarmos a uma vida de acordo com os padrões excelentes de Deus, ele diz:

“Seu divino poder nos deu todas as coisas de que necessitamos para a vida e para a piedade, por meio do pleno conhecimento daquele que nos chamou para a sua própria glória e virtude.
Por intermédio destas ele nos deu as suas grandiosas e preciosas promessas, para que por elas vocês se tornassem participantes da natureza divina e fugissem da corrupção que há no mundo, causada pela cobiça. Por isso mesmo, empenhem-se para acrescentar à sua fé a virtude; à virtude o conhecimento; ao conhecimento o domínio próprio; ao domínio próprio a perseverança; à perseverança a piedade; à piedade a fraternidade; e à fraternidade o amor.
Porque, se essas qualidades existirem e estiverem crescendo em suas vidas, elas impedirão que vocês, no pleno conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo, sejam inoperantes e improdutivos. Todavia, se alguém não as tem, está cego, só vê o que está perto, esquecendo-se da purificação dos seus antigos pecados. Portanto, irmãos, empenhem-se ainda mais para consolidar o chamado e a eleição de vocês, pois se agirem dessa forma, jamais tropeçarão, e assim vocês estarão ricamente providos quando entrarem no Reino eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.” 2 Pedro 1:3-11

Assim, pensando nessa ideia de hábitos e de disciplina, podemos emprestar também algumas referências importantes, como o filósofo grego Aristóteles, que disse que é a prática de atos justos é que forma o homem justo, e a prática de atos moderados que forma o homem moderado. Ou o filósofo norte americano William Durant, que disse que somos o que fazemos repetidamente e, sendo assim, a excelência não é um ato, mas sim um hábito.

Assim, se pudermos resumir o que aprendemos até aqui, poderíamos formular a seguinte definição:

Virtude é o hábito de ser excelente, o qual só se adquire através da disciplina.

DE TODO O CORAÇÃO E COM TODAS AS SUAS FORÇAS

Mas é claro que não podemos nos apoiar unicamente no agir. As ações falam muito sobre quem somos, sobre nosso coração, Jesus mesmo disse que “pelos frutos conheceremos a árvore” (Mt 7:20), mas obedecer a Deus não tem a ver tanto com ações quanto com uma disposição de coração. Veja o exemplo dos fariseus, que estavam sempre obedecendo as leis exteriormente, sem um coração voltado para Deus. Jesus chamou-os de “sepulcros caiados” (Mt 23:27), ou seja, bonitos por fora, mas podres por dentro.

Você também já deve ter percebido essa verdade em sua vida. Quando obedecemos a Deus por obrigação, sem uma disposição interna de coração, indo ao culto “porque tem que ir”, ofertando recursos “porque Deus mandou ofertar”, etc., isso não agrada o Senhor e, ao contrário de ser um bom perfume, cheira a legalismo e afasta as pessoas do verdadeiro evangelho. A Bíblia está falando exatamente disso quando diz que “Deus ama quem dá com alegria” (2 Co 9:7) ou quando diz “Misericórdia quero e não sacrifícios” (Mt 9:13).

Assim, se por um lado devemos nos esforçar diligentemente para praticarmos a excelência moral de deus, ou seja, as virtudes, e fazer delas um hábito (algo constante e persistente, que “sai naturalmente” de nossas atitudes, pois “habita” em nosso coração), por outro lado, não adianta fazer isso sem um coração voltado para Deus. Em outras palavras, Deus não quer que sejamos bondosas, mas quer que amemos a bondade. Deus não quer apenas que sejamos justas, mas que amemos a justiça. Ele não quer apenas que sejamos misericordiosas, mas que amemos a misericórdia. Amar a bondade, amar a justiça, amar a misericórdia é amar a Deus, que é a bondade, o amor e a justiça. Dessa maneira, chegamos à nossa segunda conclusão de hoje, que poderíamos expressar da seguinte maneira:

Para ser virtuosa não basta agir virtuosamente, é preciso amar a virtude.

Mas, você pode então me perguntar, como amar o que é bom, se nosso coração é essencialmente mau e corrompido? Como buscar a virtude se amamos tanto os vícios? Como fugir dessa vida de obrigação, desse evangelho pesado baseado na performance? É sobre isso tudo que vamos continuar falando nas próximas semanas. Vem comigo, vamos descobrir juntas como sermos virtuosas!

 

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¹ “Mulher nota 10”, de Hernandes Dias Lopes; “Esposa Excelente”, de Martha Pearce; “Mulheres Sábias”, de Lydia Brownback.

² Para saber mais sobre essa abordagem educacional, indico o livro “Introdução a Educação Cristã Clássica”, de Christopher Perrin. Você também pode entrar na página @tutor_classico, onde eu e meu marido falamos sobre o tema

³ Curso de Educação Cristã Clássica da Editora Trinitas, disponível em www.academiatrinitas.com.br

⁴ “Virtuosa”, da Nancy Wilson.

⁵ “A vida intelectual”, A. G. Sertillanges.

⁶ Idem.

⁷ Estudo da origem das palavras.

⁸ Um dos professores do curso de ECC da Academia Trinitas.