E então, chegamos ao nosso “gran finale”, a razão de tudo que refletimos até agora. Vamos olhar para a estrada atrás de nós e relembrar os caminhos pelos quais passamos até chegar aqui. No primeiro artigo, buscamos definir a palavra “virtude”. Emprestamos algumas definições e olhamos para a etimologia de algumas palavras relacionadas. Chegamos à conclusão de que Virtude é o hábito de ser excelente, o qual só se adquire através da disciplina. Assim, sabendo que a virtude é um hábito, ou seja, que precisa ser vivida constantemente na prática, também estabelecemos sua relação com a disciplina, que é o exercício constante desse hábito, a saber, o de ser excelente em tudo.

Ainda naquela primeira reflexão, demos mais um passo e descobrimos que a virtude não é só uma repetição mecânica de ações excelentes, mas envolve o coração, os nossos amores internos. Chegamos à conclusão que: Para ser virtuosa não basta agir virtuosamente, é preciso amar a virtude. E terminamos nos perguntando, se o pecado é nossa condição natural, como amar algo que naturalmente odiamos? Mas deixamos essa pergunta sem resposta.

Passamos então para o contraste entre vícios e virtudes. Entendemos que Deus nos ensina por contrastes, como fez nos Dez Mandamentos e em muitos outros lugares das Escrituras. Ao aprender mais sobre como não ser (ou o que não fazer), descobrimos o outro lado da moeda, ou seja, o que somos chamados a ser e fazer. Percorremos algumas listas de vícios e virtudes buscando compreender então a “justiça superior” de Deus, o Seu padrão de excelência, a vida que Ele chama de virtuosa. Uma vida com Humildade, Bondade, Paciência, Diligência, Caridade, Castidade, Temperança e muitas outras virtudes. Mas como viver essa vida? Novamente, deixamos a pergunta no ar.

Por fim, na semana passada, mais uma vez olhamos para a nossa inutilidade e incapacidade, ao destrinchar as chamadas Virtudes Cardeais, as dobradiças da vida virtuosa. Compreendemos mais a fundo o que é Prudência, Justiça, Temperança e Fortaleza, e percebemos que uma não pode existir sem a outra. Mas mesmo vislumbrando qualidades tão excelentes e percebendo os benefícios de viver assim, terminamos dizendo que havia algo ainda mais elementar, uma virtude sem a qual nada mais teria valor. 

Hoje vamos, por fim, nos debruçar sobre essas virtudes mais excelentes e descobrir a mais importante de todas. Ao conhecer as chamadas Virtudes Teológicas (ou sobrenaturais), vamos também chegar às perguntas que deixamos sem respostas e responde-las com um brado de glória a Deus.

Assim, permanecem agora estes três: a fé, a esperança e o amor. O maior deles, porém, é o amor.” 1 Coríntios 13:13

A FÉ E A ESPERANÇA

A fé e a esperança estão sempre relacionadas nas Escrituras. Olhando, por exemplo, para a definição de fé em Hb 11:1, vemos que “ é a certeza daquilo que esperamos e a prova das coisas que não vemos” e temos semelhante afirmação em Rm 8:24 “Porque, na esperança, fomos salvos. Ora, a esperança que se vê não é esperança; pois o que alguém vê, como o espera?”. A esperança, portanto, é aquilo pelo que esperamos, ou seja, Cristo, a salvação, a vida eterna. E a fé é o meio pelo qual cremos, mesmo sem ver, e pelo qual podemos ter esperança (ter pelo que esperar). 

Também pela fé somos feitos justos, como diz tanto em Rm 5:1,2 “Tendo sido, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo, por meio de quem obtivemos acesso pela fé a esta graça na qual agora estamos firmes; e nos gloriamos na esperança da glória de Deus”, quanto em Gl 5:5 “Porque nós, pelo Espírito, aguardamos a esperança da justiça que provém da fé e em Rm 1:17 “Porque no evangelho é revelada a justiça de Deus, uma justiça que do princípio ao fim é pela fé, como está escrito: ‘O justo viverá pela fé’”, além de muitos outros textos.

Portanto, percebemos que sem fé e esperança, é impossível ter Justiça e, sendo a Justiça uma virtude cardinal, sem ela não podemos ter Prudência, nem Temperança e nem Fortaleza. Assim, chegamos ao ponto de compreender que somente Deus pode nos fazer virtuosas, pois dEle provém a fé e a esperança, e a justiça, e todas as outras coisas. Ao contrário do que muita gente pensa, ao afirmar que virtudes são hábitos, não estamos submetendo-as à vontade humana. O homem não pode, se quiser e decidir, ser virtuoso, pois não pode ter fé por si mesmo, nem mesmo pode ser justo por si mesmo, mas depende, para tudo isso, da ação soberana de Deus “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus, não por obras, pra que ninguém se glorie” (Ef 2:8-9). 


O AMOR É O PRINCÍPIO DA VIRTUDE

“Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o sino que ressoa ou como o prato que retine. Ainda que eu tenha o dom de profecia e saiba todos os mistérios e todo o conhecimento, e tenha uma fé capaz de mover montanhas, mas não tiver amor, nada serei. Ainda que eu dê aos pobres tudo o que possuo e entregue o meu corpo para ser queimado, mas não tiver amor, nada disso me valerá.
O amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se vangloria, não se orgulha. Não maltrata, não procura seus interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor. O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor nunca perece” 1 Co 13:1-9

Ler essa descrição sobre o amor deve nos fazer perceber porque ele é a maior de todas as virtudes, pois as reúne em si. Cristo é a própria personificação desse amor, o Homem Virtuoso, cujo coração está centrado e ordenado corretamente a Deus. Certa vez, Agostinho disse:

“Para vivermos uma vida justa e santa, precisamos ser capazes de avaliar a realidade de forma imparcial e objetiva: isto é, amar aquilo que nos cerca sob a ordenação correta, de modo a não amarmos o que não é para ser amado e amarmos o que deve ser amado; para que não amemos mais o que deve ser amado menos, para que não amemos de igual forma coisas que merecem graus distintos de amor, para que não amemos com amor distinto, em maior ou menor grau, coisas que devem ser amadas de igual modo”. 

Ele nos mostra que o ponto chave para nossa reflexão é: o que nós amamos? Deus deve estar no centro dos nossos amores e qualquer outra coisa que tome esse lugar, como um ídolo, irá bagunçar a ordenação perfeita que Deus criou. Quando nossos amores estão direcionados a um ídolo, como por exemplo, o dinheiro, vamos manifestar vícios, ou seja, pecados. E todos os vícios são, na verdade, consequência de uma ordenação errada em torno de mim mesma. Quando amamos mais a nós mesmos do que a Deus, vamos demonstrar soberba, egoísmo, ganância, ciúmes, cobiça, preguiça… e a lista vai ao infinito e além.

Assim, chegamos ao que vamos chamar de princípio da virtude, que é: O único capaz de conduzir nossos amores corretamente às virtudes é Deus. Ele é o único capaz de ocupar o centro da nossa vida, de maneira que todas as coisas sejam reordenadas e reorganizadas ao redor dEle, funcionando em perfeição. Ele reorganiza nossos sentimentos, nossos valores, nossos relacionamentos, nossa identidade, Ele nos faz nos despirmos do velho homem, renovarmos o nosso entendimento e nos reveste de um novo homem (Ef 4). Um homem à semelhança de Cristo, a personificação da Virtude. 

Portanto, minhas queridas, não adianta se esforçar com a força do seu braço, com a sua determinação para ser virtuosa. A virtude só habita em nós, a excelência só se torna um hábito, se estamos firmadas na Rocha, se estamos aprendendo a imitar o Homem Virtuoso, Cristo. E, dependendo do Seu Espírito para vencer cada batalha contra os vícios. Não podemos por nós mesmas, mas Ele pode. Isso é o evangelho! Essa é a nossa esperança! Esse é o verdadeiro caminho para a virtude.

 Se não tiver isso, de nada valerá. Será apenas uma vida de aparências, um “sepulcro caiado”. Vivamos uma vida de verdade! Sejamos virtuosas nEle!